MP recorre ao STJ para reverter absolvição de PMs acusados de matar pichadores

    Para o Ministério Público, Justiça de São Paulo ignorou a lei ao escolher uma das versões para as mortes de Alex e Ailton, em 2014, e não mandar PMs a júri popular

    Alex e Ailton foram mortos em um prédio na Mooca, zona leste de São Paulo, em 2014 | Foto: Arquivo Pessoal

    O MP (Ministério Público) de São Paulo entrou com recurso especial no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para reverter a absolvição de cinco policiais militares acusados de matar dois pichadores. Alex Dalla Vechia Costa, 32 anos, e Ailton dos Santos, 33 anos, foram assassinados em julho de 2014.

    Os PMs Amilcezar Silva, André de Figueiredo Pereira, Danilo Keity Matsuoka, Adilson Perez Segalla e Robson Oliva Costa foram acusados pelo duplo homicídio de Alex, o Jets, e Ailton, o Anormal, no Edifício Windsor, na avenida Paes de Barros, bairro da Mooca (zona leste de São Paulo), em 31 de julho de 2014.

    Segundo relatos, os jovens entraram no prédio para pichar quando o zelador chamou a PM. Os policiais apontam que a dupla estava roubando um apartamento e que estaria armada com duas pistolas. A tese da PM é que foi necessário atirar para se defender dos supostos ladrões.

    De acordo com o MP e o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) da Polícia Civil de SP, os pichadores já estava rendida, deitada de bruços no chão, quando foi morta, o que configura execução. Nenhuma testemunha, além dos policiais, viu arma com Alex ou Ailton. A defesa nega.

    No documento enviado ao STJ, Gianpaolo Poggio Smanio, procurador-geral de Justiça de São Paulo, e por Fábio Brambilla, promotor de justiça do caso, sustentam que o TJ (Tribunal de Justiça) do estado ignorou o Código de Processo Penal ao absolver os policiais sumariamente.

    A decisão em primeira instância da juíza Débora Faitarone, em novembro de 2017, inocentou os PMs das acusações de homicídio doloso (quando há intenção de matar) qualificado, por motivo torpe e impossibilidade de defesa das vítimas.

    Em 27 de setembro de 2018, o desembargador Francisco Bruno negou recurso do MP e manteve a decisão de que os policiais não iriam ser julgados pelo Tribunal do Júri. Ao longo de sua tese, Bruno se negou a chamar os dois pichadores de vítimas e considerou Alex e Ailton “sem dúvida alguma, marginais, e orgulhosos disso”.

    Caramante
    Quatro dos cinco PMs acusados de matar dois pichadores em SP | Foto: Reprodução

    No recurso enviado ao STJ, Smanio e Brambilla apontam que o desembargador ignorou o conflito entre duas teses para as mortes ao absolver os PMs. Segundo eles, em caso de versões contraditórias, a decisão deve ser dos jurados e não o juiz que decidirá pelo relato ‘A’ ou ‘B’, conforme o art. 413 do Código.

    Descumprimento da lei

    Para a acusação, cuja tese a investigação do DHPP concorda, os policiais praticaram um homicídio qualificado quando Alex e Ailton estavam rendidos, enquanto a defesa sustenta a existência de dois homicídios decorrentes de intervenção policial, antigamente chamado de auto de resistência.

    Na primeira versão, os policiais executaram os dois pichadores a sangue frio, por outro lado, na segunda, os dois estavam armados e os PMs reagiram para neutralizá-los e os balearam fatalmente. A Ponte listou 7 fatos difíceis de explicar na morte dos dois pichadores.

    O MP usou trechos da decisão do desembargador Francisco Bruno para sustentar a tese de quebra do Código de Processo Penal brasileiro. Um deles explicita a opção pela história apresentada pelos PMs.

    “É essa, também, apenas uma hipótese, reconheço; mas importante é que, com todo o respeito, ela me parece a mais plausível; certamente é muito mais aceitável que a da acusação, que não é melhor pelo contrário que a apresentada na sentença”, apontou o magistrado.

    O MP aponta que “o acórdão deixou evidente a existência de mais de uma versão sobre os mesmos fatos, com isso, a opção por uma das teses é do Conselho de Sentença [os jurados que integram o júri popular] e não do juiz ou do Tribunal”.

    Ainda sustenta o não cumprimento do inciso IV do art. 415 do mesmo código, em que o juiz absolverá “demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão de crime”. Para o órgão, o próprio desembargador confirma a existência do crime, seja um homicídio doloso ou um homicídio com excludente de ilicitude.

    Em sua decisão, Bruno aponta que há provas de que os cinco policiais mataram os pichadores. “Pois bem. Materialidade e autoria são incontroversas”, apontou.

    Passo a passo

    O crime ocorrido há quatro anos e meio gerou protesto de familiares e outros pichadores. O apelo, contudo, não obteve resultado na Justiça até o momento. Ainda que as investigações da Polícia Civil, feitas pelo DHPP, apontem para a tese de que os dois jovens foram executados pela PM.

    Quatro dos policiais (André de Figueiredo Pereira, Danilo Keity Matsuoka, Amilcezar Silva e Adilson Perez Segalla), ficaram presos entre o dia 6 e 28 de agosto de 2014. Eles respondiam por “conduta irregular”, mas os juízes Avivaldi Nogueira Junior, Paulo Prazak e Clovis Santinon, da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, os liberaram ao concordar com a alegação de que eles “agiram em legítima defesa”.

    Em abril de 2015, a Justiça determinou a prisão dos quatro e também de Robson Oliva Costa, o quinto PM envolvido no caso. O juiz Rafael Dahne Strenger, do 1º Tribunal do Júri de São Paulo, considerou que houve farsa na suposta troca de tiros apontada pelos policiais como resultado da morte de Alex e Ailton.

    Contudo, 19 dias mais tarde, o desembargador Francisco Bruno, então na 10ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de SP, concedeu liminar e liberou os cinco acusados. Eles receberam liberdade um dia após a reconstituição da morte dos pichadores. Todos se recusaram a participar da reconstituição. Para Bruno, o quinteto não fez nada para prejudicar as investigações.

    Familiares protestaram pela libertação dos policiais, mas não foi o último motivo de revolta. A PM arquivou em maio de 2017 o processo que investigava a responsabilidade dos cinco policiais nas duas mortes. Em novembro do mesmo ano, a Justiça decidiu por absolver os cinco, em decisão da juíza Débora Faitarone – considerada pelo promotor Fernando Bolque de ter histórico favorável a policiais, além de ter posado fazendo “arminha” com as mãos na Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) em apoio ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) .

    O movimento PME (Pixo Manifesto Escrito) se posicionou contra a decisão e criticou Débora. “A juíza disse mais uma vez para a polícia de SP: ‘Continuem matando, façam justiça com as próprias mãos’. Enquanto absolver os assassinos de farda for mais importante que a justiça para os nossos a tinta vai continuar gritando na cidade”, escreveu o grupo. Parentes voltaram a protestar. Após a decisão de Débora Faitarone, foi a vez do desembargador Francisco Bruno reaparecer no caso ao negar recurso do MP.

    À época da absolvição dos policiais, a viúva de Ailton, Eliete Prestes, se disse revoltada com a decisão, divulgada um dia após a exumação do companheiro. “Eu tinha depositado todas as minhas esperanças na promotoria, não quis colocar advogado. A gente quer fazer protesto, isso não vai ficar assim. Meu pai que ligou para dar a notícia. O que eu gostaria de entender é: se já tinha sido provado que foi o outro policial que atingiu o PM, o que mais que essa juíza queria?”, lamentou.

    Ainda inconformada, Eliete disse que não sabia como contar a notícia para a filha, então com 8 anos. “Não sei como vou chegar em casa e dar essa notícia, porque ela vai crescer e acreditar que no Brasil não há justiça”, diz. “A gente esperou a condenação, três anos se passaram e nenhum resultado positivo pra gente. Você quer matar, seja PM! Você vai matar e não vai ser condenado”, criticou.

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