MP recorre da absolvição de jovens presos com espião do Exército

    Na apelação, promotor afirma que posse de kit de primeiros socorros prova que ’18 do CCSP’ pretendiam enfrentar policiais

    Rosana Cunha, mãe de Gabriel, um dos 18 do CCSP, no Fórum Criminal da Barra Funda, em 22/9/17 | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    O promotor de justiça Fernando Albuquerque Soares de Souza, do Ministério Público Estadual de São Paulo, recorreu da decisão da Justiça que absolveu os “18 do CCSP” (Centro Cultural São Paulo), grupo de jovens presos ao lado de um espião do Exército em 4 de setembro de 2016, antes de uma manifestação contra o presidente Michel Temer (MDB).

    Nas razões de apelação que enviou à Justiça na sexta-feira (7/12), o promotor reafirma que os jovens detidos fariam parte de uma associação criminosa destinada a praticar “atos de vandalismo” durante a manifestação. Para o Ministério Público, o fato de que os jovens levavam equipamentos de primeiros-socorros à manifestação prova que pretendiam partir para o confronto.

    “Acresce que os acusados traziam consigo materiais de primeiros socorros e líquidos destinados a minorar os efeitos do gás utilizado pela Polícia Militar para conter multidões. Ora, a posse de tais coisas deixa evidente que os réus tinham plena ciência de que haveria combate com policiais militares, indicativo seguro da intenção de provocar desordem e danos aos patrimônios público e privado”, escreve o promotor.

    Os jovens contam que a maioria não se conhecia pessoalmente e que o encontro havia sido marcado em grupos de Whatsapp. Os kits de primeiros socorros serviriam para combater os danos causados por possíveis ações de violência policial: quatro dias antes, em 31 de agosto, o estilhaço de uma bomba jogada pela PM havia perfurado o olho esquerdo de uma estudante, Deborah Fabri.

    Em 22 de outubro, na sentença em que absolveu os 18 réus, a juíza Cecília Pinheiro da Fonseca considerou que a polícia não conseguiu provar que os jovens se conheciam ou que pretendessem cometer atos de violência, o que afastaria a acusação de associação criminosa, e que os PMs não haviam apreendido objetos de porte proibido com eles, contrariando a acusação de corrupção de menores.

    Na apelação, o promotor alega que os jovens levavam um canivete e uma barra de ferro, que seriam “armas impróprias” (objetos que não são armas, mas que podem ser usadas como tal). Para tentar provar que os manifestantes de conheciam e, portanto, fariam parte de um grupo estável, o promotor lembra que parte dos jovens concordou em deixar os seus telefones celulares com um dos manifestantes, que supostamente teria se apresentado como “líder”. Nas palavras de Fernando Albuquerque, “é de observar que ninguém, por mais ingênuo que seja, entrega seu telefone celular a um desconhecido”.

    “Claro está, portanto, que os acusados se conheciam e se preparam previamente para a baderna que promoveriam e que foi evitada pela pronta ação dos policiais militares”, afirma o promotor. Fernando Albuquerque não faz qualquer menção à presença do capitão Willian Pina Botelho no episódio.

    Manifestantes protestam diante do Fórum Criminal da Barra Funda, em 22/9/17 | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Os jovens afirmam que a barra de ferro havia sido “plantada” por um dos policiais, que se irritou quando um dos manifestantes detidos soltou um malicioso “hum…” no momento em que o PM o revistava passando a mão entre suas pernas.

    A informação, usada pelo promotor, de que um dos réus teria se apresentado como “líder” do grupo não aparece nos depoimentos dos detidos: a polícia alega que ouviu a declaração em um “depoimento informal”.

    Entenda o caso

    O grupo dos 18 jovens se reuniu no CCSP (Centro Cultural São Paulo) como ponto de encontro antes de um protesto contra o presidente Michel Temer na Avenida Paulista, em 4 de setembro de 2016. O local havia sido definido em grupos de Whatsapp, criados por jovens que não pertenciam a movimentos organizados nem a partidos políticos, mas pretendiam ir à manifestação.

    Havia estudantes do movimento secundarista, militantes antifascistas e gente que estava estreando nos protestos. Eles não sabiam, mas também fazia parte do grupo um capitão de inteligência do Exército, Willian Pina Botelho, infiltrado com o nome falso de Balta Nunes.

    Pouco após os jovens se reunirem, foram detidos por uma operação policial que reuniu cerca de 30 homens, dez viaturas, um ônibus e até um helicóptero da corporação. A PM deteve um total de 21 pessoas, incluindo três adolescentes, e levou todos para o Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), órgão da Polícia Civil especializado em combate ao crime organizado.

    Um dos 18 adultos presos naquela tarde nem ao menos pretendia ir à manifestação: o estudante de jornalismo Felipe Paciullo Ribeiro relata que estava na biblioteca do CCSP para pesquisar um livro sobre vinil e acabou preso com os demais. A versão é confirmada pelo depoimento de familiares e amigos, bem como por prints de conversas no Whatsapp.

    Detido ao lado dos jovens, o capitão do Exército Willian Pina Botelho foi liberado pela polícia. No mesmo dia, contou a conhecidos que havia subornado um delegado para ser solto.

    O processo contra os adolescentes detidos acabou arquivado, a pedido do Ministério Público. Mesmo assim, os 18 adultos foram denunciados tanto por associação criminosa como por corrupção de menores. Em 22 de outubro deste ano, foram absolvidos pela Justiça em primeira instância.

    A participação do capitão Botelho na detenção dos jovens nunca foi explicada, nem pelo Exército, nem pelo governo estadual. No final de 2016,  ele foi promovido a major “por merecimento”. Atualmente, trabalha no Comando Militar da Amazônia. Sua atuação ainda é alvo de uma investigação do Ministério Público Federal, em São Paulo.

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