Mulheres marcham pelo fim das desigualdades de gênero em SP

    Manifestantes ocupam ruas de São Paulo pelo fim do feminicídio e das desigualdades salariais; ato teve protesto na loja Marisa, denunciada por mão de obra escrava e misoginia

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    O Dia Internacional da Mulher, conhecido como 8M, foi marcado pelo ato “Pela vida das mulheres, democracia e soberania”, na última quinta-feira (08/03), em São Paulo. Com concentração às 16h na Praça Oswaldo Cruz, na avenida Paulista, cerca de 15 mil mulheres marcharam por cinco horas.

    Com gritos de “Feminismo é revolução”, “A América Latina vai ser toda feminista”, “O corpo é nosso, a escolha é nossa, é pela vida das mulheres, legaliza” e “Nem recatada e nem do lar, a mulherada tá na rua pra lutar”, o grupo marchou até a estação Consolação do metrô, onde aconteceu a dispersão por volta das 21h.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Por volta das 18h, quando o ato passou em frente a loja Marisa, um grupo de mulheres fez uma intervenção artística contra as denúncias de mão de obra escrava e as acusações de misoginia contra a ex-primeira dama Marisa Letícia. “Fizemos uma intervenção contra a Marisa, pois eles são uma loja ‘para mulheres’, que se propõe a ser uma loja que pensa o que é ser mulher, mas na época da morte da ex-primeira dama Marisa Letícia, foi extremamente misógina. Eles também foram acusados de trabalho escravo não faz muito tempo”, explica a professora Olívia Gomes, 38. A marca criou uma propaganda para o Dia das Mães, em que dizia: “Se sua mãe ficar sem presente, a culpa não é da Marisa”, em referência ao depoimento do ex-presidente Lula, que atribuiu a propriedade do triplex do Guarujá à mulher, já falecida.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Para ela, as mulheres, principalmente as negras e periféricas, deveriam boicotar a loja. “É uma loja que precisa ser boicotada, precisa de ações para conscientizar outras mulheres que são público-alvo desse tipo de loja, para que a gente pare de comprar, pare de financiar essa proposta. A Marisa apoia a reforma trabalhista e a reforma da previdência que vão prejudicar nós mulheres, principalmente nós mulheres negras das periferias, que não temos acesso”, afirma Olívia.

    Procurada pela Ponte, a assessoria da loja emitiu um comunicado oficial: “A companhia reforça que não endossa qualquer prática trabalhista irregular e repudia relações de trabalho em condições degradantes. Esclarece ainda que, em 2014, foi absolvida em segunda instância das acusações de trabalho análogo ao escravo. Associada ABVTEX, a empresa audita 100% da cadeia produtiva de seus fornecedores, incluindo confecções subcontratadas por eles, sendo a primeira varejista de moda do país a estruturar um programa de auditorias. Em relação ao anúncio mencionado, a varejista reitera que não teve qualquer intenção de ofender ou causar polêmica. Assegura ainda que segue estritamente a legislação trabalhista do país”.

    De mãe para filhas

    A dona de casa, Greice Cristina, 44, foi ao ato com as duas filhas, uma de 15 e outra de 11, e vestia uma camiseta da filósofa e feminista negra Angela Davis, autora sobre a qual faz questão de falar para as filhas desde pequenas. Para Greice, a união e o empoderamento das mulheres negras devem ser pautas dos próximos anos. “Eu espero que daqui pra frente haja mais união, que as mulheres negras comecem desde cedo a se reconhecer como mulheres negras, se unirem mais para lutar e a gente conseguir acabar com o machismo e o racismo. Eu trouxe as minhas filhas hoje para elas não reproduzirem a minha vida, serem do lar. Quero que elas continuem estudando e se empoderem para serem mulheres de luta”, defende.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Entre as manifestantes, haviam grupos indígenas e LGBTs, sobretudo de mulheres lésbicas e bissexuais. A líder indígena da Aldeia do Jaraguá, Sônia Ara Mirim, lembrou da importância de incluir as mulheres indígenas nas pautas feministas. “Por mais que não seja uma luta indígena, a gente está incluída dentro da sociedade também. A gente tá aqui nesse ato pra fortalecer a luta das mulheres, porque também a gente faz uma luta pela demarcação das terras e para uma melhor convivência dentro da comunidade. A nossa luta não para”, afirma.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    O casal Carolina de Moura, 28, e Vanessa Amaral, 32, acredita que as mulheres lésbicas dão um passo além no que se conhece por “sororidade”, união e aliança entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo. “A gente ser mulher e amar outra mulher é revolucionário, pois a gente cresce num ambiente competitivo, em que mulheres são ensinadas a não se amarem”, explica Carolina.

    Elas lembram da violência cotidiana vivida por mulheres lésbicas e do número de mortes por lesbofobia [preconceito baseado na orientação sexual de mulheres lésbicas]: 26 assassinatos em 2018, de acordo com o “Dossiê Sobre Lesbocídio”, do Núcleo de Inclusão Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado pelo The Intercept Brasil. “As 26 mortes de 2018 são chocantes, mas também não me surpreendem. Mesmo a gente vivendo em São Paulo, que é um lugar onde aparenta ser mais inclusivo, a gente sofre violência diariamente. Só de ir até a padaria, sabe? E às vezes é muito agressivo, a gente fica com muito medo”, conta Vanessa.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Mulheres do coletivo Democracia Corintiana marcaram presença no ato, pedindo o fim do machismo, do racismo e da homofobia nos estádios. Para Laura Bibato, 28, consultora e membro do coletivo, é importante trazer esse debate para dentro e fora dos campos. “A gente faz parte desse movimento que tem a proposta de quebrar essa estrutura machista, racista e homofóbica dentro do futebol, pois a gente sabe que o futebol é um espaço privilegiado para você discutir algumas questões da sociedade. Já começamos a ver algumas evoluções, ainda em passos pequenos, como por exemplo a escolha do clube em manter a equipe de futebol feminino, as meninas vão jogar o Campeonato Paulista”, explica Laura.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Para educadora social Flavia Teixeira, 34, as novas gerações de mulheres trazem esperança para continuação da luta nas ruas. “Costumo fazer rodas de conversa com as minhas alunas, que tem por volta de 8 a 16 anos. Eu saio das rodas e dos encontros cheia muito esperançosa. Eu acho que essas mulheres, essa nova geração, vem com força para luta. Embora a violência tenha crescido bastante, eu acho que a gente tá construindo mais consciência. Acabar com essa coisa que criam de que devemos ser inimigas, e elas não estão mais acreditando nisso. Eu tenho esperança nessa nova geração”, afirma.

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

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