Nenhum direito a menos: Ato nacional pede melhoria dentro do sistema prisional brasileiro

ONGs e familiares queixam-se do tratamento dado as pessoas presas em todo o país; manifestação em São Paulo aconteceu no Parque da Juventude nesta quinta (3)

Em São Paulo, ato foi realizado no Parque da Juventude, onde ainda existia a penitenciária do Carandiru | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

Familiares de pessoas que estão cumprindo pena dentro do sistema prisional, junto com ONGs que defendem os direitos humanos, participaram de uma mobilização em 26 estados do país, mais o Distrito Federal, para cobrar das autoridades melhores condições dentro da penitenciárias. Com o tema #NenhumDireitoAMenos, os manifestantes pediam que fosse obedecida a Lei de Execução Penal, que garante os direitos de quem está cumprindo pena dentro dos presídios brasileiros.

Em São Paulo, o ato ocorreu no Parque da Juventude, na zona norte da cidade, onde antes existia o complexo de presídios do Carandiru, palco do maior massacre da história do sistema carcerário do Brasil. Com faixas, cartazes e palavras de ordem , quem compareceu à manifestação relatava os maus tratos que ocorrem diariamente nos presídios do país. Em Brasília, a manifestação contou com centenas de pessoas e foi considerada “legítima” pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves.

https://ponte.org/denuncias-de-tortura-em-presidios-sobem-70-durante-pandemia/

“Estamos aqui não para pedir para o preso comer contrafilé, nem picanha, para o preso cumprir pena na casa dele. Viemos pedir o direito constitucional, direitos humanos”, afirmou Geraldo Sales, vice-presidente da ONG Pacto Social & Carcerário, uma das 25 organizações que puxaram as manifestações pelo país.

O artigo 1 da lei 7.210 é taxativo ao dizer que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Na prática o que vem ocorrendo dentro das prisões é exatamente o contrário. 

Faixas pedem melhores condições nos presídios Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

A ativista Fabiana Soler afirma que além da pandemia, que restringiu o acesso dos familiares aos presos, nos últimos anos o que vem piorando a condição de vida das pessoas dentro do sistema prisional é a legitimação do discurso violento e reacionário contra quem está cumprindo pena que vem do presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores.

“Tivemos um grande retrocesso. Parece que agora eles legitimaram todos os tipos tortura. A violência física não se dá só pela agressão, ela também se dá quando se restringe a alimentação dentro da cadeia, quando se raciona o acesso à água. É uma espécie de prisão ideológica”, afirma Fabiana Soler.

A relação dos familiares com os parentes que estão dentro dos presídios é um dos pontos que mais preocupam os ativistas. Segundo a missionária Mara Rúbia, que milita há mais de uma década pelos direitos de quem está vivendo dentro do sistema penitenciário, se não fosse pela ajuda dos parentes, muitas pessoas já teriam morrido de fome dentro da prisão.

Missionária Mara Rúbia | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

“Eu recebo diversas denúncias do país todo sobre as condições das cadeiras brasileiras. Muitos itens de higiene e alimentos não estão podendo ser entregues e não há uma justificativa plausível para estas proibições. Pessoas que viajam horas para ver seus parentes em outras cidades são barradas quando chegam lá simplesmente porque têm uma mancha na pele e os agentes alegam que pode ser algum tipo de doença”.

Aline Kelly tem o marido e o pai dentro do sistema prisional. Ela reforça que o contato com os familiares nunca foi bom, mas piorou muito durante a pandemia e que muitas vezes não há qualquer tipo de comunicação com eles. “Mando mensagens para eles que só são respondidas meses depois. Tem algumas que nunca chegam”.

Aline Kelly (à direita) tem pai e marido presos em São Paulo | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

Dentre as milhares de pessoas que estiveram na manifestação em São Paulo nesta quinta-feira (3/2), estava uma senhora que não prefere se identificar. Segundo ela, o filho, que está em uma penitenciária federal, já deveria ter deixado o cárcere depois de 25 anos fora do convívio nas ruas. Por conta da sua idade, ela é impossibilitada de fazer visitas.

“Eu sou epiléptica e não consigo visitar meu filho, eu tenho 69 anos. Meu medo é morrer sem ver ele de novo, sem dar um abraço nele. Nem as nossas cartas entregam para eles. As cartas deles chegam com 3, 4 meses de atraso”.

https://ponte.org/apenas-07-da-populacao-carceraria-esta-imunizada-contra-a-covid-19-numero-reflete-descaso-do-governo-federal/

Ricardo Lacerda faz parte do coletivo Tantos Dias de Detenção, que mantém um canal no YouTube voltado para população carcerária e egressos do sistema prisional. Ele afirma que o trabalho dos ativistas é fundamental para garantir aspectos básicos de cidadania dentro dos presídios.

“Se não fosse pelo luta da missionária Mara e outros companheiros de ONGs até hoje teria pessoas sem vacina contra a Covid-19 dentro de presídios. Quando alguém é preso, a vida dela fica na mão do Estado. E o Estado só pune, não ressocializa. Eles trancam as pessoas lá dentro e jogam a chave fora”.

Depois de passar três anos dentro do sistema carcerário, Jussara Aparecida Vitorino tem as piores lembranças deste período. Os distratos recebidos por parte de agentes penitenciários e as péssimas condições de higiene com que era obrigada a conviver ainda pairam nas seus pensamentos. “Tudo lá era muito sujo e a disciplina era muito rígida. Chegaram a cortar o banho quente das presas em pleno inverno”, recorda.

Jussara Aparecida Vitorino | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

Os líderes da manifestação foram recebidos no início da tarde pelo chefe de gabinete da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo e entregaram um documento com 17 reivindicações de melhoria nas condições de vida de quem está dentro dos presídios paulistas. Dentre os pedidos estão a implementação de banhos quentes nas unidades prisionais, regularidades e qualidade nas refeições que são servidas, melhoria na infraestrutura dos presídios e fornecimento de medicação para os enfermos que estão dentro do sistema.  

Por meio de nota, a Secretaria de Administração Penitenciária garantiu que todos os presídios de São Paulo já contam com banho quente e que todos os direitos da população carcerária são garantidos na sua integralidade.

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“A pasta preza pela garantia das condições de habitabilidade e salubridade de suas unidades. Nesta gestão foi instalado chuveiro quente em 100% dos presídios. O tratamento aos custodiados no sistema penitenciário é pautado pelo respeito à dignidade da pessoa humana e pelo cumprimento da legislação de execução penal. Os presídios paulistas recebem constantemente inspeções de inúmeros órgãos e entidades e todas as denúncias recebidas são apuradas dentro dos critérios legais”, diz a nota.

Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

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