‘Minha filha estudava para salvar vidas e tiraram a vida dela’

    Maria José da Costa fala sobre a morte da filha, Raynéia Gabrielle Lima, assassinada na Nicarágua, que enfrenta grave crise humanitária

    Raynéia Gabrielle Lima com a mãe, Maria José | Foto: Arquivo Pessoal

    Eram 7h30, do dia 24 de julho, uma terça-feira, quando o celular da pernambucana Maria José da Costa começa a tocar. O coração acelera quando ela vê no visor que quem liga é o ex-sogro de sua filha, Raynéia Gabrielle Lima. Para seu desespero, a notícia que ela mais temia era dada por telefone: sua filha havia sido assassinada em um tiroteio quando voltava para casa na cidade de Manágua, capital da Nicarágua, onde morava desde 2012.

    Raynéia tinha se mudado para o país para cursar medicina na Universidade Americana, instituição privada com sede na capital. “Minha filha estava estudando para salvar vidas e tiraram a vida dela”, lamenta a mãe.

    Raynéia Gabrielle Lima | Foto: Arquivo Pessoal

    Passados quase dois meses, o crime ainda está imerso em dúvidas. Ernesto Medina, reitor da Universidade Americana, afirmou que Raynéia teria sido assassinada por paramilitares a serviço do presidente Daniel Ortega. Segundo o governo, o crime foi cometido por Pierson Gutiérrez Solís, que seria um ex-membro do Exército nicaraguense que hoje atua como segurança particular.

    A crise na Nicarágua teve início no dia 18 de abril, depois da publicação de um decreto que regulamenta a reforma da Previdência, que aumenta as contribuições dos trabalhadores e empresários. Os primeiros protestos tiveram início no mesmo dia, com o registro de uma série de confrontos entre membros da Juventude Sandinista (simpatizantes do governo e paramilitares) e civis contrários às medidas de Ortega.

    Raynéia Gabrielle Lima | Foto: Arquivo Pessoal

    Daí por diante, o presidente Daniel Ortega passou a tratar com tolerância zero qualquer tipo de ato que fosse contra as medidas de seu governo.  Logo no dia 19 de abril já foram registradas as primeiras três mortes, onda que foi se ampliando dia após dia. A estimativa da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) é de que 322 pessoas morreram desde 18 de abril — período em que o conflito teve início. Desse número, 21 eram policiais e outros 23 eram crianças e adolescentes. Além disso, centenas de pessoas continuam presas.

    A mãe de Raynéia conversou com a Ponte Jornalismo e falou um pouco de como está sendo seu dia a dia sem sua filha única, do pouco auxílio que vem recebendo das autoridades brasileiras e de seus planos para o futuro. “Minha vida acabou no momento em que minha filha morreu. Hoje, eu apenas vivo porque estou respirando, mas não tenho mais vontade de fazer nada. Nem ouvir rádio, nem assistir televisão”, desabafa a mãe da jovem.

    Para a brasileira, uma das coisas mais revoltantes nessa situação toda tem sido o descaso do governo em relação a esse assassinato. Isso porque, ainda de acordo com Maria José, mesmo o crime tendo tido uma repercussão internacional, o Itamaraty se recusou a ajudar a mãe de Raynéia.

    Sonhos para o futuro

    “Nem para o translado do corpo o governo federal me ajudou. Eu só consegui trazer o corpo da minha filha para o Brasil, com a ajuda do governador de Pernambuco, Paulo Câmara, que me ligou e me ajudou”, aponta.

    Em nota emitida recentemente, o Ministério das Relações Exteriores negou que tenha sido omisso no caso de Raynéia e afirmou que a embaixada em Manágua prestou todo o serviço consular que estava em seu alcance. O ministério também afirma que a embaixada brasileira acompanha o processo aberto contra o acusado de ser o responsável pela morte da estudante.

    Olhando para o futuro, a mãe de Raynéia está escrevendo um livro sobre a história de vida de sua filha. A publicação, além de manter viva a memória da jovem de 31 anos, tem como objetivo usar o dinheiro arrecadado com as vendas, para a construção de um abrigo para animais. “Esse era o maior sonho dela”, explica Maria José.

    Brasil vai à ONU para pedir esclarecimento do caso

    Na última terça-feira (11), a embaixadora brasileira Maria Nazareth Farani Azevedo, durante seu discurso no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), afirmou que o Brasil tem uma “profunda preocupação” diante da “deterioração da situação de direitos humanos na Nicarágua”.

    “Condenamos o agravamento de todas as formas de violência e violações de direitos humanos”, disse Maria Nazareth. “O governo brasileiro segue com interesse o desenvolvimento do caso. Exigimos do governo nicaraguense a rápida identificação e punição dos responsáveis por sua morte.”

    Além de pedir urgência no caso Raynéia, a embaixadora teceu fortes críticas ao governo Ortega, que expulsou a equipe da ONU responsável pelos relatórios que analisam a situação de direitos humanos no país. “A iniciativa da Nicarágua não é conducente ao diálogo”, criticou.

    “Pedimos ao governo da Nicarágua que retome o diálogo e a cooperação com o Escritório do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, assegurando livre acesso ao território”, disse.

    Até o momento, o governo da Nicarágua não respondeu ao discurso do Brasil.

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