No Brasil, 4 em cada 10 mulheres têm medo de lutar pelos próprios direitos

    Estudo realizado em 24 países, mostra que o debate de gênero no nosso país é algo recente, a Rússia é um dos países mais machistas e a maioria dos alemães não reconhece o feminismo

    Ilustração: Junião/Ponte Jornalismo

    Sei que é desigual, gostaria que fosse diferente, mas me sinto limitada para lutar contra a desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres por medo das consequências. Essa é uma das leituras possíveis de um estudo realizado pela Ipsos, uma empresa global na área de pesquisa de mercado. A pesquisa “Feminismo e igualdade de gênero no Mundo” ouviu mais de 17 mil pessoas em 24 países, sobre mais de 20 itens relacionados ao tema e demonstrou, entre outros aspectos, que a Rússia é o país mais machista do mundo, onde 46% das mulheres se acham inferiores aos homens; que na Espanha mais de 70% das mulheres sentem falta de igualdade e, no Brasil, 40% das mulheres sentem medo ou vergonha de lutar contra a desigualdade de oportunidades. Na Índia, metade da população se omite por medo do que pode acontecer.

    A pesquisa ainda aponta que 25% da população mundial acredita que os homens são mais capazes de realizar coisas na sociedade como trabalhar, ganhar dinheiro, estudar e ensinar do que a mulheres. Na divisão dos países, a China é campeã: 56% dos chineses se consideram mais capacitados que as chinesas só por serem homens. Atrás deles estão a Rússia, com 54%, e a Índia, com 48%.

    Uma das questões colocadas no estudo é se as pessoas acreditam que as mulheres são inferiores aos homens. A média mundial apontou que 18% acreditam que sim, ou seja, uma em cada 6. No Brasil, 16% responderam afirmativamente. Na maior parte dos países, são os próprios homens os responsáveis pela manutenção dessa ideia de superioridade. Mas causa surpresa observar, por exemplo, que na Sérvia, Turquia e Hungria, são as próprias mulheres a maioria que crê que homens são superiores.

    Para a gerente da Ipsos, Narayana Andraus, as discussões sobre igualdade de gênero estão crescendo, mas há muito a ser conquistado ainda. Com relação ao Brasil, para ela os números são a prova de que a o feminismo no Brasil parou de engatinhar e está dando seus próprios passos agora. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgado nesta semana mostra que demorou 20 anos para que o número de mulheres chefes de família aumentasse de 23% para 40%.

    “Na realidade é uma dicotomia, porque ao mesmo tempo que a gente está em um momento, tanto no Brasil quanto globalmente, em que a discussão de gênero tem crescido, é cada vez mais comum a gente ver nas redes sociais as pessoas se manifestando sobre empoderamento. As discussões dos direitos da mulher estão mais presentes, ainda assim, o feminismo, toda essa discussão de privilégios ainda é recente. O Brasil é muito mais conservador do que parece ser”, afirma Narayana, ao explicar o terceiro lugar do país no ranking que questionou as participantes sobre o medo de lutar por igualdade.

    Lugar de mulher… é onde ela quiser

    Quando o assunto é o clichê “lugar da mulher”, Rússia e Índia apresentam os índices mais alarmantes: 30% e 44%, respectivamente, acreditam que a mulher deve ficar em casa, cuidando dos filhos e não ter grandes aspirações de carreira, por exemplo. O índice é muito mais alto que a média global, que fica em 17%. No Brasil, 15% ainda pensam dessa forma.

    Segundo a gerente da Ipsos Brasil, os números da Rússia refletem a conjuntura política e da a própria sociedade e, por essa razão, não surpreende. “Os dados da nossa pesquisa nos comprovam que a situação da mulher russa é bem complicada. É quase como uma convenção social, plenamente aceita. Por lá ainda existe esse estigma de coisa para homem e coisa para mulher. É como se existisse um comportamento esperado pra homem e mulher. Recentemente, teve a aprovação da lei da descriminalização da violência doméstica, o que é um absurdo. A gente lê isso e se choca. É um país onde há uma série de profissões proibidas para mulher. Por isso, vejo que essa pesquisa reflete o que a gente observa culturalmente”, afirma Narayana.

    Não é difícil compreender os números do país do Czar, considerando que Vladimir Putin já se mostrou em mais de uma oportunidade homofóbico e machista. Há três anos, nos jogos olímpicos de inverno de Sochi, o líder chegou a dizer algo como “Venham para os jogos olímpicos de inverno, mesmo se vocês forem homossexuais”. Já a ladainha de ofensas machistas é de perder a conta. A ex-secretária de estado americana Hillary Clinton, por exemplo, foi alvo mais de duas vezes da língua misógina de Putin.  Em uma das ocasiões, ele disse: “É preferível não debater com mulheres. Quando se ultrapassa certos limites da educação, isso mostra mais uma fraqueza do que uma força. Ainda que para as mulheres a fraqueza não seja um defeito”. Como se não bastasse, em janeiro deste ano, o parlamento russo aprovou uma lei que flexibiliza a legislação sobre violência contra a mulher. Logo, os números não surpreendem.

    Ainda na pesquisa divulgada pelo Ipea, com base na Pnad, avaliando o período de 1995 a 2015, as mulheres trabalham em média 7,5 horas a mais que os homens por semana. Em 2015, a jornada total média das mulheres era de 53,6 horas, enquanto a dos homens era de 46,1 horas. Ainda assim, as mulheres ainda têm que dar conta dos serviços domésticos. Mais de 90% das mulheres declararam realizar atividades domésticas, contra menos de 50% dos homens. Esses números pouco ou nada mudaram nas últimas duas décadas.

    Sobre o lugar de fala

    Um homem pode ser feminista ou essa é prerrogativa exclusiva da mulher? Para a gerente da Ipsos Brasil, Narayana Andraus, pode, sim. “A base do feminismo é querer direitos iguais, olhar homem e mulher da mesma forma. Sendo minimamente humano, como não desejar ter direitos iguais para os dois? Então não tem diferença eu ser mulher ou homem para acreditar e querer isso”, explica. No mundo todo, 58% das pessoas se declararam feministas. Mais uma vez Rússia, ao lado do Japão e da Alemanha são os locais onde onde homens e mulheres deixam para segundo plano a luta pela igualdade de gênero.

    Política: substantivo masculino

    Dos 654 municípios do estado de São Paulo, apenas 69 têm uma mulher no comando do executivo. As câmaras municipais ainda são dominadas pelos homens. Apenas na pequena cidade de Nova Europa, no noroeste paulista, onde vivem pouco mais de 10 mil pessoas, é que há mais vereadoras do que vereadores: são 5 em um total de 9. Em 147 cidades não houve mulher eleita nas últimas eleições. Entre os municípios estão São Vicente, no litoral sul, e Diadema e Jundiaí, na Grande São Paulo. Em Ribeirão Preto, uma das maiores cidades do estado, de 27 vereadores, há apenas uma mulher.

    Esses e outros dados estão em um mapa lançando nesta terça-feira (07/03) pela Procuradoria Regional de São Paulo, que cruza dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do Pnud (Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento).

    Para a gerente da Ipsos Brasil, Narayana Andraus, que coordenou a pesquisa sobre igualdade de gênero, todos os números mostram que o machismo é estrutural e a mudança de mentalidade, embora lenta, é o caminho para a verdadeira transformação. “Falando como mulher brasileira, eu atribuo a uma questão cultural, que naturaliza a opressão da mulher. Vivemos em pé de desigualdade, inseridos em uma sociedade em que o homem teve muito mais privilégios e oportunidades. Eu acho que a gente tem tidos aberturas, mas o caminho para seguir é longo”, conclui.

     

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