‘Nosso último encontro foi sobre proteger pessoas’, lembra mãe de ativista executado há dois anos

    A professora Ana Maria Cruz, mãe de Pedro Henrique Santos Cruz, executado dentro de casa na madrugada de 27 de dezembro de 2018, em Tucano (BA), lamenta os dois anos sem Justiça pela morte do ativista

    Pedro Henrique denunciava violência policial e foi morto no interior da Bahia | Foto: Reprodução/Facebook

    Era noite de 26 de dezembro de 2018 quando a professora Ana Maria Cruz, 54 anos, falou com seu filho Pedro Henrique Santos Cruz, 31 anos, pela última vez. A conversa não foi leve, como dificilmente era já que Pedro era um dos ativistas mais importantes contra a violência policial na cidade de Tucano, cidade no interior da Bahia, a 252 km da capital Salvador.

    Naquela noite, Ana e Pedro trocavam mensagens pelo Facebook, mas o filho avisou que precisava falar por telefone com a mãe. Por volta das 22h, Pedro contou para a mãe que queria instalar câmeras na casa de um adolescente de 17 anos que estava sendo perseguido por policiais militares. Havia escapado por pouco de ser pego, dentro de casa. Mas os homens que invadiram sua casa deixaram um recado para sua mãe: não queremos prendê-lo, queremos matá-lo.

    “O menino tinha falado com Pedro que tinha medo e Pedro tinha perguntado se podia trazer ele para Salvador para aqui a gente encaminhar ele para o Ministério Público e para a Defensoria Pública. Ele ficou me falando ‘não quero não que esse menino morra’. Pedro viu esse menino crescer, ele sempre ia nas caminhadas”, conta dona Ana em entrevista à Ponte.

    Essa caminhada é a “Caminhada Pela Paz”, organizada por Pedro, que tinha como objetivo combater crimes praticados por policiais. A ideia surgiu depois de uma abordagem violenta que ele havia sofrido em 2012. Ali surgia também a versão de Pedro que lutava pelos outros: passou a dedicar a sua vida para denúncias abusos cometidos pelas forças policiais de Tucano.

    “Eu ainda falei para Pedro tomar cuidado, porque era uma cidade pequena que todo mundo sabia o que acontecia. Aí ele disse que ia tomar um banho e ainda trocamos algumas palavras no Facebook. A última mensagem minha para ele foi a foto do sobrinho dele de 10 anos, que ele nem chegou a visualizar. Meu último encontro com Pedro foi sobre proteger pessoas. O último pensamento de Pedro foi esse”, lembra dona Ana.

    Às 3h daquela madrugada de 27 de dezembro de 2018, a professora foi acordada. Sua filha, que mora com ela em Salvador, recebeu a notícia de que Pedro havia sido executado, dentro de casa, bairro de Matadouro, em Tucano, com 8 tiros. Pedro morreu na hora. Os autores eram  três homens encapuzados.

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    Ainda no velório de Pedro, Ana soube que o adolescente que o filho tentava proteger havia sido baleado. “Um rapaz de Tucano foi morto naquele dia e o menino baleado. O que se noticiou era que os dois estavam juntos, mas não estavam. A mãe desse menino tirou ele de Tucano, mas na madrugada do dia 2 de janeiro de 2019, três homens encapuzados invadiram a casa onde ele estava. Tiraram as pessoas da casa e executaram ele. Os tiros foram todos no rosto”.

    Dona Ana ficou mais uns dias em Tucano, para fazer companhia para o marido, que mora na cidade e estava muito abalado. “Retornei para Salvador em 3 de janeiro de 2019. Fomos na Corregedoria Geral com a namorada de Pedro, para ela ser ouvida, depois eles retornaram para Tucano”.

    Ali nascia a ativista que Ana Maria se tonaria para buscar por Justiça pela execução do filho. Dois anos depois, ela ainda não pode comemorar isso: Bruno de Cerqueira Montino e Sidnei Santana Costa, dois policiais militares, foram indiciados com suspeitos do assassinato de Pedro, mas ainda não foram sequer denunciados.

    Um terceiro policial militar foi identificado, mas ainda não foi reconhecido pela testemunha principal do caso, a companheira de Pedro, que presenciou tudo. Por duas vezes, o reconhecimento foi adiado pela Polícia Civil da Bahia e a família de Pedro aguarda ansiosamente para que isso aconteça.

    “Eu me afastei do trabalho, passei por mais de um ano e meio de atendimento psiquiátrico. Nunca me senti 100%, mas achei que estava na hora de voltar para o trabalho. Eu pensei que não fosse conseguir”, explica dona Ana.

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    Seis meses depois da execução de Pedro, Ana recebeu uma boa notícia: teria mais um neto. Seu filho mais velho, que já havia lhe dado um neto que hoje tem 10 anos, teria outro bebê. Mas não esperava a surpresa que ainda estava por vir: “Deram a ele o nome de Pedro”.

    Com o passar dos meses, dona Ana seguiu lutando bravamente por Justiça por Pedro Henrique. Além dessa dificuldade, a professora precisou enfrentar outra batalha. À Ponte, Valéria Teixeira Sousa, defensora pública da Bahia que acompanha a família de Pedro, explicou os processos que dona Ana responde na Justiça baiana.

    “Os policiais moveram diversas ações contra ela, tanto em Salvador quanto em Euclides da Cunha. São ações penais nos juizados criminais e uma ação no juizado cível em decorrência da manifestação dela sobre a morte do filho. O que percebemos, para além dessa situação do inquérito que segue sem conclusão, é essa estratégia de utilizar de ações como forma de intimidar, silenciar. Na prática é isso que eles tentam fazer, mas como ela é realmente uma guerreira ela não se intimida. Se mantém firme e forte”, diz Valéria.

    A defensora define que dona Ana é “vítima duas vezes”. “Como qualquer outra mãe, ela já tem que cobrar respostas pela morte do filho e provar sua inocência. Ela não só perdeu um filho como ela é ré de uma ação penal movida por PMs de Euclides da Cunha que alegam que ela praticou crime contra a honra por conta da situação do homicídio”.

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    “No meu ponto de vista, a execução de Pedro é uma tentativa de silenciamento das pessoas que tem essa postura questionadora e destemida que denunciam abusos que acontecem. Historicamente temos essa cultura autoritária, ainda mais nesse momento histórico. O Pedro representa essa resistência de denunciar aquilo que ele via e que era errado. Dona Ana está dando prosseguimento a isso”, completa Valéria.

    Outro lado

    Procurado pela reportagem, o Ministério Público da Bahia informou que as diligências do caso foram atendidas e que, em 13 de novembro de 2020, o caso foi encaminhado para a Justiça com o indiciamento de dois policiais militares por crime de homicídio.

    Já o Tribunal de Justiça da Bahia informou que o caso estava em análise pela juíza Geysa Rocha Menezes em 21 de dezembro de 2020. A reportagem acessou o site do TJ-BA e verificou que a juíza encaminhou o caso novamente para a Delegacia de Polícia de Tucano.

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    O processo do assassinato de Pedro é físico, por isso nem a Defensoria Pública, que auxilia a família, consegue acessar o conteúdo com rapidez. A reportagem procurou a Polícia Civil da Bahia em 16 de dezembro, mas não obteve retorno.

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