O recado de uma mãe de LGBT aos Bolsonaro

    Em resposta à postagem de Carlos Bolsonaro com apologia à tortura, mãe de LGBT e integrante do grupo Mães pela Diversidade fala sobre defender o amor acima de tudo

    Karla (à esq.) esteve na Parada do Orgulho LGBT de 2018 com a filha | Foto: Arquivo pessoal

    “Por que amar alguém te soa como algo desrespeitoso, pecaminoso ou imoral? Qual o problema está em amar e não odiar? Por que preferem odiar aqueles que estão amando? O que interfere na sua vida a forma que alguém ama? O amor é revolução. Eu prefiro ter uma filha lésbica do que ter uma filha que fala e faz coisas como os filhos dele [Bolsonaro]”. O recado é da psicóloga Karla Garcia, 49 anos, integrante do grupo Mães pela Diversidade para os Bolsonaros. Karla é mãe da desenvolvedora de games Aiami Garcia, 24 anos, lésbica assumida desde os 13. Ela responde uma postagem feita por Carlos Bolsonaro com apologia à tortura.

    Quando viu a postagem de Carlos Bolsonaro, filho do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), Karla estava almoçando com o irmão, que também é LGBT.  A imagem em questão foi publicada originalmente pelo artista Ronaldo da Silva Nascimento, conhecido como Ronaldo Creative, contra o presidenciável e a favor da campanha #EleNão. Na postagem de Carlos Bolsonaro, uma frase foi acrescida “sobre pais que choram no chuveiro”, uma analogia a vergonha que pais de LGBTs sentem dos filhos. Em uma rede social, o vereador se defendeu alegando que sua postagem era uma “denúncia”.

    “Eu fiquei enjoada e o meu irmão parou de comer na hora”, conta à Ponte. “Eu me sinto indignada, revoltada e muito assustada por perceber que a gente está em um nível de violência alto, estamos prestes a entrar numa era muito obscura. Se esse rapaz se permitiu fazer essa postagem, fazendo alusão a pais de LGBTs, esse é o pensamento dele, esse é o sentimento dele e para mim não adianta ele dizer que foi uma brincadeira”, argumenta Karla.

    Print da postagem de Carlos Bolsonaro.

    O grupo Mães pela Diversidade foi criado por mães e pais de LGBTs em defesa da diversidade e atua desde 2008 em diversas cidades do país. O grupo tem como representante a ativista Majú Giorgi, coordenadora nacional do coletivo. “Fico sem saber o que fazer para que isso não repercuta no sentido de pessoas preconceituosas acharem que isso é normal, da forma que está sendo colocado a normalidade à tortura, à prática de violência e à LGBTfobia. Vivemos dias em que a gente não sabe se as nossas filhas e filhos poderão sair nas ruas tranquilamente, a gente já tem esse medo atualmente”, desabafa Karla. Ela relembra que nunca sentiu vergonha de sua filha, como conotava a imagem postada pelo vereador Carlos Bolsonaro na última quarta (26/9).

    Segundo informações do site El País, o vereador será denunciado por apologia à tortura na Câmara do Rio de Janeiro.

    A insônia passou a fazer parte da rotina da mãe, que teme o que pode acontecer com o país depois das eleições.  “As minhas insônias vêm dessa eminência de uma possível vitória desse candidato para presidência. Se o filho dele banaliza isso, se ele tem esse discurso de ódio, não só com o público LGBT, mas com as minorias, inclusive com mulheres, essa coisa tão misógina, tão preconceituosa… que tipo de país a gente vai ter? Eu não quero deixar esse país para os meus netos e netas, eu não quero que a minha filha viva nesse país pelos próximos anos se for um país tão cheio de violência. A gente já teve isso uns anos atrás. Eu vou fazer 50 anos, a minha infância foi a ditadura”, destaca.

    A psicóloga também comentou as diversas falas LGBTfóbicas e racistas do presidenciável Jair Bolsonaro nos últimos anos. “Vendo ele falar a respeito dos LGBTs, que ele não tem um filho gay e se tivesse daria porrada para consertar o filho, que ele preferia ter um filho morto do que ter um filho gay ou um filho morto do que ter um filho casado com uma negra, a questão dele ter tido quatro filhos homens e que teve uma mulher porque deu uma fraquejada na última, são discursos tão absurdos que beiram a psicopatia total da pessoa. Quando ele fala a respeito dos LGBTs, eu fico pensando ‘como pode chegar a dizer que o filho é gay por que não levou porrada?'”, indaga.

    Bolsonaro pai tem uma série de falas atacando a população LGBT. Em uma delas, à TV Câmara em 2014, ele declarou que “o filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro ele muda o comportamento dele”, afirmou. “Tá certo? Já ouvi de alguns aqui, olha, ainda bem que levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem”, continuou Jair. Quando questionado sobre uma foto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com a bandeira do movimento e defendendo a união civil de casais homossexuais, em 2002, o presidenciável disse que “não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”

    Em 2013, o ator Stephen Fry entrevistou Bolsonaro em um documentário sobre a situação dos homossexuais em diferentes países do mundo. Ele citou o caso de um adolescente morto e torturado e com investigações apontando para homofobia. Bolsonaro descartou a tese. “Inclusive grupos querem usar esse assassinato, por vez não pro conta da opção sexual, e passa a se incluir por ser uma bandeira. Não tem essa causa toda para causar esse clamor popular. Não existe homofobia no Brasil, a maioria dos homossexuais que morrem são em locais de consumo de drogas, de prostituição ou executados pelo próprio parceiro”, sustentou Bolsonaro. O ator falou novamente nesta semana sobre a “ameaça” que o candidato representa.

    Karla defende que a violência não deve ser uma opção de tratamento para filhos LGBT. “Eu não considero encostar um dedo na minha filha se não for para fazer um carinho, dar um abraço, dar um beijo, dar um colo. Imagina eu pegar e dar um tapa nela? Para mim, não existe, muito menos pela orientação sexual dela. Isso mostra o quanto ele é uma pessoa desequilibrada e violenta, o quanto isso permeia a existência dele a questão da violência, porque você ter um pensamento que através da violência você conserta uma pessoa… por favor né. O mais assustador é saber que outras pessoas se identificam como ele e elas estão aí na rua, a gente não sabe quem são”, reforça.

    Para Karla, o grande número de apoiadores dos discursos de Bolsonaro é assustador. Ela acredita que esses discursos são impulsionados pela falta de informação do que é ser um LGBT. “Caso ele seja eleito, será pela maioria da população, então quer dizer que uma maioria pensa como ele, se espelha e se identifica com o discurso dele. Isso é um retrocesso, mas vejo que isso estava muito guardado dentro das pessoas”, sustenta.

    “O país passou por muitas dificuldades e vem o salvador da pátria, pega esse rebanho e diz que vai salvar o país, com um discurso de armamento, de ódio, de misoginia, de mulher ganhar menos. E isso mexe muito com os inconscientes coletivos. Quem é LGBT não escolheu ser LGBT, nasceu um LGBT. Talvez ele demore um pouco para se descobrir, mas isso é uma questão que já está posta. Eu não tenho absolutamente nada a ver com a vida íntima da minha filha, eu respeito o que ela decide viver nesse momento, e ela quer ser feliz, eu também quero que ela seja feliz”, defende.

    Campanha contra Jair Bolsonaro

    Impulsionada por pelo movimento “Mulheres contra Bolsonaro”, uma grande mobilização tomou as redes sociais com protestos marcados em todo o Brasil no sábado, 29. Muitos artistas, dentro e fora do Brasil, se manifestaram também. De acordo com FGV DAPP, desde o começo da campanha, já são mais de 1 milhão de menções, como mostrou estudo. A hastag #EleNão dominou as redes sociais, com artistas e pessoas influentes nas redes aderindo à campanha.

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