Ocupação cultural na zona leste de SP é espaço de resistência periférica

    Organizada pelo Movimento Cultural Ermelino Matarazzo, Ocupação Mateus Santos oferece cursos de grafite, dança e teatro gratuitamente desde 2014, além de ser espaço onde se discute política e representatividade

    Ocupação Mateus Santos fica em prédio público na zona leste de SP | Foto: Camila Rosa

    O trajeto da estação Ermelino Matarazzo, da linha 12 Safira, até a Avenida Paranaguá, na altura do número 1.633, na Zona Leste de São Paulo, é bem tranquilo. Casas antigas e ruas movimentadas graças a quantidade enorme de comércios fazem o ambiente ser acolhedor.

    Paredes repletas de grafites, quadros, fotos, uma geladeira encapada com histórias em quadrinhos — que carinhosamente chamam de gibideira — , além de um super acervo na biblioteca, dão à Ocupação Cultural Mateus Santos a dose exata de encantamento. É impossível conhecer o lugar e não sentir-se em casa.

    A construção pertence ao Estado de São Paulo e em 2014 foi ocupada por coletivos da região, liderados pelo Movimento Cultural Ermelino Matarazzo.

    Em 2015, devido a alguns problemas com a Subprefeitura da região, o espaço foi interditado e as atividades passaram a acontecer na Praça Benedicto Ramos Rodrigues, ao lado do imóvel. Só em setembro de 2016, os artistas do movimento finalmente ocuparam definitivamente o espaço, transformando-o em um lugar de referência de cultura na periferia.

    Dividido em salas, a edificação recebe cerca de mil pessoas por mês, graças às oficinas gratuitas disponibilizadas para os moradores da Zona Leste. Entre as atividades desenvolvidas, crianças e adolescentes têm contato com cursos livres de teatro, grafite e dança. Mas um dos principais eventos da ocupação ainda é a batalha de rima, que mobiliza cerca de 600 pessoas a cada encontro.

    Já as aulas de grafite acontecem geralmente aos sábados, no período da tarde. Os alunos, de 15 à 30 anos, aprendem não só as técnicas, mas também como esse tipo de arte, que ainda é muito marginalizada, é fundamental para as lutas sociais. Os professores e produtores, em sua maioria, são artistas voluntários que acreditam que a cultura é um direito do ser humano.

    “A ocupação é uma potencializadora. A principal coisa que me instiga nesse lugar é que ele transpira política”. Declara Yasmin Ribeiro, de 24 anos, graduanda em Produção Cultural. Vinda de uma família conservadora no interior de São Paulo, a jovem, que se formou inicialmente em dança, atua como produtora na Ocupação.

    “Esse é um prédio público ocupado, não reconhecido pela atual gestão”, diz Alan Vitor Corrêa, 34 anos, mais conhecido como Alvico. Formado em ciências sociais, o professor é um dos criadores e idealizadores do espaço, além de dar oficinas de grafite na instituição. Ele declara que a Ocupação já foi alvo direto de ameaças do Estado. Em 2017, o então secretário municipal da Cultura, André Sturm ameaçou verbalmente Gustavo Soares, um dos voluntários da movimento.

    Por isso, a Ocupação e o Movimento Cultural Ermelino Matarazzo têm tanta importância. Por ser um espaço independente, sem o auxílio e apoio da atual gestão, os professores precisam se esforçar em dobro para continuar produzindo arte.

    A ocupação assume um papel de empoderamento social e, através da cultura, instiga a imaginação e propõe questionamentos sobre a própria condição do jovem. “Se você vem aqui (ocupação), você vai escutar alguma ideia e, hoje em dia, receber informação é perigoso” reitera a produtora Yasmin.

    Não só as artes visuais, mas também a música, colabora com esse pensamento “Um protagonista importante é o Movimento Hip Hop, que não vem só com um movimento artístico que trabalha a dança e a música, mas como um movimento político de reivindicação de direitos”, afirma a urbanista e artista plástica Ana Paula do Val, 45 anos. Ela é autora do prefácio do livro Cultura ZL, que conta a história do bairro Ermelino Matarazzo e da Ocupação.

    A importância da cultura Hip Hop vem desde os anos 90 com a ascensão de grandes nomes do cenário musical brasileiro, como os Racionais MC’s, que até hoje têm um peso e influenciam os jovens que buscam se expressar através das palavras.

    É o caso de Glaucy Alexandre, 17 anos, que há três anos se dedica à poesia e acredita que apenas com as palavras é possível expressar essa desigualdade social: “Eu acho muito mais impactante quando é dito em palavras, e também é muito mais claro. É uma fala de quebrada pra quebrada”.

    Ela começou sua trajetória há três anos no Sarau Mesquiteiros, projeto que desde 2009 promove o incentivo a produção de poesias sobre a realidade dos jovens periféricos em escolas públicas de São Paulo. Hoje, ela atua como produtora dos saraus da Ocupação.

    Todos os movimentos artísticos colaboram para que esse jovem, que muitas vezes é negligenciado pelo Estado e pela sociedade, assuma seu lugar de fala. “Esses movimentos não estão oferecendo só produtos culturais ou ofertas de entretenimento, eles estão trabalhando novas narrativas de ser negro, de ser mulher na periferia, novas narrativas de ser jovem” declara Ana Paula.

    Ações como as da Ocupação Mateus Santos e do Movimento Ermelino Matarazzo permitem que jovens, negros e mulheres, se reconheçam como ser humano que existe e luta.

    Colaborou Brenda Neri

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas