Os protestos contra a reunião do G20 em Buenos Aires

    Movimentos sociais e populares contrapõem, nas ruas, discurso hegemônico dos líderes mais poderosos do mundo

    Cartazes satirizam posicionamentos políticos dos presidentes Macri e Trump | Foto: Olavo Barros/Ponte Jornalismo

    No cruzamento entre as Avenidas de Mayo e 9 de Julio, conhecido como microcentro da capital Buenos Aires, uma barreira de tapumes de metal impede que qualquer manifestante a ultrapasse. De um lado, a Força Nacional de Segurança armada, com rifles, capacetes, escudos, cassetetes e carros 4X4 blindados, é incumbida de garantir a segurança dos líderes mundiais, reunidos em Buenos Aires na sexta-feira (30/11), para as reuniões da cúpula do G20, que engloba os 20 países mais poderosos do mundo.

    Do outro, Aaron de Souza, entregador de pedidos cadastrado em aplicativos, estapeia a grade e vocifera contra os agentes do Estado: “o lugar de vocês é aqui, com os trabalhadores! Não com eles!”. Atrás dele, uma multidão de manifestantes se aproxima aos poucos, aos gritos de: “Saiam todos daqui! E que não fique nenhum!”, em uma só voz. Aaron, já rouco de tanto gritar, questiona: “tem uma frase que diz que ‘a polícia deve servir à comunidade’. Mas a que comunidade eles estão servindo? A dos trabalhadores ou a capitalista?”.

    Aaron de Souza: “O lugar de vocês é aqui, com os trabalhadores! Não com eles!” | Foto: Olavo Barros/Ponte Jornalismo

    O presidente Mauricio Macri passou por sua maior prova de fogo desde que assumiu a presidência da Argentina, em dezembro de 2015. A cúpula do G20 – grupo formado por ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo, incluindo a União Europeia – se reuniu na capital argentina nos dias 30/11 e 1/12, e teve a figura de Macri como seu anfitrião e presidente neste ano.

    Sob os olhos do mundo e debaixo de um forte aparato de segurança pública, a capital argentina recebeu líderes mundiais como Donald Trump (EUA), Angela Merkel (Alemanha), Xi Jinping (China) e Vladimir Putin (Rússia). Em pauta estavam discussões sobre gênero, futuro do trabalho, futuro alimentar e desenvolvimento sustentável. Entre reuniões fechadas e jantares de gala reservados aos líderes mundiais, as ruas do país, lideradas por movimentos populares e ligados à esquerda latinoamericana, reivindicavam sua participação no debate.

    Guarda Nacional durante ato | Foto: Olavo Barros/Ponte Jornalismo

    Luciana Ghiotto, membro da ATTAC Argentina (sigla em castelhano para Associação por uma Taxação às Transações Financeiras especulativas para Ajuda aos Cidadãos) e coordenadora da confluência Fora G20 FMI, questiona a leitura da cúpula de líderes sobre os temas em pauta.”As discussões do G20 são feitas para os interesses das grandes corporações e não para o interesse das pessoas. O G20 as toma de uma maneira completamente acrítica, sem revisar muitas das receitas que já vinham sendo aplicadas em outro momento e que não funcionaram”, argumenta.

    Para explicar o que chama de “pensamento acrítico” do G20, Luciana toma como exemplo o debate de gênero. “O Women20 [foro participativo proposto pela organização do G20 para discutir questões de gênero] foi tomado de uma maneira fechada para tratar o tema de gênero. O que eles encaram a mulher somente como uma mulher empreendedora, não como uma mulher de direitos. Falam também de mulheres rurais, mas também delas sob uma perspectiva somente de uma economia clássica, que tem que a ver com o acesso ao crédito, por exemplo. Nisso, não estão olhando para todos os impactos que têm a liberação do comércio, a liberação das finanças sobre a vida das mulheres, no que implica para essas mulheres entrar no sistema financeiro, que é muitas vezes endividar-se e não conseguir pagar”, defende Luciana.

    A ex-deputada pelo MST (Movimento Socialista dos Trabalhadores), Vilma Ripoll, marcha ao lado de manifestantes pintados com as cores das bandeiras dos países membros do G20. Ela é categórica ao repudiar a agenda da cúpula. “Veja o que eles fazem com os povos. Eles vêm pelos nossos recursos, nossas riquezas, para o pagamento da dívida. Não acreditamos em sua agenda. Fora todos!”.

    Manifestantes protestam com corpos pintados nas cores das bandeiras de países membros do G20 | Foto: Olavo Barros/Ponte Jornalismo

    Um dos líderes do movimento popular villero (“villas” é como são chamadas as favelas na Argentina) La Poderosa, Fidel Ruiz, corrobora essa visão. “Estamos nas ruas para nos defender. Cortaram o orçamento público em saúde, educação e trabalho para aumentar o de segurança. Vivem criminalizando a pobreza”, afirma Ruiz.

    Segundo dados divulgados pela Ministra de Segurança, Patrícia Bullrich, 22 mil efetivos de segurança foram colocados à disposição do evento. Estima-se que o valor gasto – que inclui aeronaves, radares, defesas antimísseis, entre outros – ultrapasse 220 milhões de dólares.

    Sobre o tema, Luciana Ghiotto não poupa críticas. “Eles estão armados até os dentes. São dois anos de financiamento da Aerolíneas Argentinas [companhia aérea estatal] ou quase todo o corte que fizeram no orçamento destinado às universidades federais neste ano. Estamos falando em muitíssimo dinheiro numa época de ajuste e grande parte dele foi para o equipamento geral das forças de segurança, tanto para as forças armadas, como para as diferentes forças policiais da Argentina. Tudo isso vai ficar disponível para o ano que vem para a repressão de movimentos sociais.”, argumenta.

    “Saiam todos daqui”, cantam manifestantes durante ato | Foto: Olavo Barros/Ponte Jornalismo

    A marcha, que teve início no cruzamento das Avenidas 9 de Julio e San Juan, seguiu pacífica por 2,5 km até o Congresso da Nação. A transexual brasileira Indianare Siqueira, presidenta do TransRevolução e da Casa Nem (RJ), também caminhou ao lado dos manifestantes argentinos. “Os dirigentes dos países ricos concentram a riqueza e não contribuem para que o mundo seja igual. Precisamos dar apoio aos hermanos e hermanas trans e ser contra a tudo que retira direitos dos povos”, afirmou.

    Já em clima de dispersão à frente do Congresso, Nora Cortiñas, uma das fundadoras do movimento argentino das Mães de Maio, leu a carta assinada por todas as organizações presentes ou apoiadoras do protesto que incluem diversos movimentos sociais, como campesinos, sindicais, feministas, entre outros, ligados à Cumbre de Los Pueblos. Nas palavras da organização, pode ser entendido como “um espaço de encontro, de debate e de alternativas, onde se compartilham resistências, mas que se discutem alternativas ao que existe”.

    Em poucas palavras, Nora finalizou: “Não ao pagamento da dívida ilegal! Fora Trump! Fora Bolsonaro! Fora G20! Venceremos!”

    Marcha terminou em frente ao edifício histórico do Congresso argentino | Foto: Olavo Barros/Ponte Jornalismo

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