Ouvidoria aponta excesso da PM em morte envolvendo filho do Coronel Telhada

    Em março, Rafael Henrique Telhada, o Telhadinha, e outros quatro policiais participaram de ação com a morte de um homem suspeito de roubar moto e caminhonete; filho do Coronel Telhada comemorou ação e foi promovido pela corporação

    Foto usada por Telhadinha (ao centro) para comemorar a ação, que terminou com a morte de um homem negro | Foto: Reprodução/Instagram

    A Ouvidora da Polícia de São Paulo considerou que houve excesso e falhas na investigação sobre a ação policial que vitimou Djaedson Roque da Silva Júnior, homem negro de 23 anos, em 2 de março de 2019. Ocorrido em Osasco, na Grande São Paulo, o caso contou com participação de cinco policiais militares, entre eles Rafael Henrique Cano Telhada, 32 anos, filho do Coronel Telhada (PP), integrante da bancada da bala da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

    O documento feito pelo órgão, enviado à Corregedoria da Polícia Militar paulista, descreve que os policiais se excederam na legítima defesa, pois eram maioria em relação ao homem, baleado quatro vezes. Além disso, eles interferiram na perícia do local do crime, procedimento padrão que não foi feito.

    “O caso ficou bastante prejudicado, porque não tem laudo de local, a cena do crime foi mexida. Não foi preservada a cena e o delegado de Osasco acabou ignorando o laudo, o que é ruim”, explica o ouvidor da polícia, Benedito Mariano. “A nossa conclusão é de indício de excesso, estavam em quatro policiais e a vítima levou quatro tiros”, prossegue.

    Os PMs Isaque Nunes da Silva Júnior, Rodrigo Bolini, Rogério Felix da Silva, Wagner da Rocha Silva, além de Telhadinha, integram o COE (Comandos e Operações Especiais), tropa usada em ocorrências em regiões de difícil acesso, como florestas e montanhas. Integrantes do COE atuaram na terceira ação mais letal da história de São Paulo, com 11 pessoas mortas em Guararema, cidade na Grande São Paulo.

    Os cinco buscavam um suspeito de roubo de veículos, explicando no 10º DP (Distrito Policial), que investiga o caso, terem sido avisados por testemunhas que um deles “estava se escondendo na mata” ao lado da Rodovia Presidente Castello Branco.

    Postagem feita em suas redes sociais | Foto: Reprodução/Instagram

    Anteriormente à ação do COE, dois PMs, Andrei Gonçalves e Adna Donizete Sampaio, afirmam terem sido alvos de tiros disparados por supostos assaltantes de moto na altura do km 15 da rodovia. A dupla estaria em uma motocicleta modelo Hornet e tentaram roubar outra, de modelo Suzuki.

    Com a troca de tiros, segundo a versão dos PMs, eles fugiram, um correndo para o viaduto da rodovia e o outro após roubar uma caminhonete modelo Montana. Um caminhão foi atingido pelos tiros no suposto confronto e a moto Suzuki foi recuperada pelos policiais.

    Telhadinha, Bolini e Felix teriam ido verificar a informação e o suspeito teria atirado contra eles. No revide, Djaedson foi baleado quatro vezes, duas delas no pescoço, uma no peito e outra no abdômen. Socorrido pelos policiais, ele morreu antes de chegar ao Hospital Regional de Osasco.

    Laudo necroscópico obtido pela Ponte aponta que o homem morreu em decorrência dos disparos feitos pelos PMs, que causaram hemorragia aguda e, consequentemente, sua morte. “Tendo como referência o laudo necroscópico, há indícios de excesso na legítima defesa, a medida em que a vítima foi alvejada por quatro disparos de arma de fogo, todas de frente para trás”, conclui o documento da Ouvidoria enviado à Corregedoria da PM.

    A cena não foi preservada pelos PMs, o que fez o delegado Vinícius Brandão de Rezende, do 10º DP, não solicitar perícia. Segundo ele, “em virtude de o local ser de difícil acesso, bem como de o corpo já ter sido retirado do local, não havendo, portanto, campo para perícia, deixou a Autoridade Policial de requisitar perícia para o local”, conforme consta no B.O. (Boletim de Ocorrência) do caso.

    Essa decisão de Rezende é criticada pelo ouvidor Mariano. “O laudo de local é fundamental para se saber as circunstâncias da ocorrência, que ficou prejudicada sem esse trabalho”, sustenta. “Passamos o relatório para o coronel Marcelino [corregedor da PM], indiquei os problemas que vimos. Vamos ver no que vai dar”, diz.

    Rafael Telhada exaltou “mais uma provação”: “A caveira sorriu mais uma vez!” | Foto: Reprodução/Instagram

    À época dos fatos, o então tenente Rafael Henrique Cano Telhada comemorou a ação em suas redes sociais. “Passamos hoje por mais uma provação […] O facínora tombou baleado e, socorrido, evoluiu a óbito. Graças ao bom Deus, todos os guerreiros do COE estão bem. A caveira sorriu mais uma vez”, escreveu o PM em seu perfil no Instagram.

    Exatos 83 dias depois da ocorrência e da comemoração de Telhadinha, a corporação o promoveu internamente. Conforme publicado no Diário Oficial paulista em 24 de maio, o policial passou a ocupar o posto de capitão por “merecimento” junto de outros 60 primeiros-tenentes.

    A Ponte questionou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) do governo de João Doria, liderada pelo general João Camilo Pires de Campos, e a Polícia Militar do Estado de São Paulo, comandada pelo coronel Marcelo Vieira Salles, sobre o relatório da Ouvidoria, a comemoração e a promoção de Telhadinha. Em nota, a pasta da Segurança Pública informa que o “caso segue em investigação, por meio de IP (Inquérito Policial), na Corregedoria Auxiliar do Demacro. Todos os fatos relativos à ocorrência também são investigados pela corporação, que instaurou um IPM (Inquérito Policial Militar). A SSP não comenta casos em andamento. As regras para promoção dos Oficiais da Polícia Militar estão contidas no Decreto-lei 13654/43”.

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