Para Conselho Nacional de Justiça, Polícia Militar pode lavrar Termos Circunstanciados de Ocorrência

    Discordância entre as forças policiais sobre o tema acontece desde 1995. Para presidente de sindicato de delegados, situação configura “usurpação de função pública e abuso de autoridade”

    Viaturas da PM paulista | Foto: Divulgação

    Na primeira semana de dezembro, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) reconheceu que a Polícia Militar e a Polícia Federal Rodoviária podem lavrar TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência). O TCO é um documento similar ao inquérito policial, só que menos formal, sem a necessidade da coleta minuciosa de provas. Até então, apenas um delegado da Polícia Civil fazia o registro. A decisão ainda pode ser questionada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

    Sancionada em 1995, a Lei 9.099 implementou o TCO com a pretensão de simplificar alguns procedimentos. Antes de seu surgimento, só existia o Boletim de Ocorrência. “A ideia era que os crimes considerados menos graves tivessem uma burocracia menor do que boletim de ocorrência, investigação e inquérito”, explica à Ponte Isabel Figueiredo, consultora e conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

    De acordo com a lei, “a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado”. Mas a interpretação da expressão “autoridade policial” causa divergência entre as forças de segurança pública até hoje. “Foi aí que começou, então, uma briga entre a Polícia Civil e a Polícia Militar. Porque a PM entende, a partir de então, que poderia registrar esse TCO, e a Polícia Civil diz que não pode, que ela é a Polícia Judiciária, que a autoridade policial é o delegado”, pontua a advogada.

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    Para Flávio Werneck, diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), a decisão do CNJ é positiva. “Um dos grandes problemas que temos no processo penal brasileiro é a morosidade por conta do excesso de burocracia, e esse reconhecimento retira parte da burocracia existente”, afirma à Ponte. “É um primeiro passo para uma mudança no sistema de segurança pública e no sistema processual penal brasileiro. Esse reconhecimento demorou muito, mas é extremamente positivo.”

    Já Raquel Kobashi Gallinati Lombardi, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), acredita que o Conselho Nacional de Justiça “extrapolou os limites da sua competência”. “Não cabe ao CNJ interpretar a norma descrita no art. 144, da Constituição Federal, estabelecendo os limites das atribuições dos Órgãos de Segurança Pública”, diz a delegada.

    Citando o art. 69, da Lei nº 9.099/95, Raquel ressalta que Termo Cincunstanciado “é um inquérito policial de forma simplificada, que apura fatos de menor gravidade”. Além disso, com base, entre outros, na Lei nº 12. 830, de 20 de junho de 2013, a presidente do Sindesp aponta que o termo “autoridade policial” se refere exclusivamente a delegados da polícia civil, e diz que “qualquer ato atribuído à Autoridade Policial praticado por outro agente estatal, que não seja o Delegado de Polícia, tipifica crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade”.

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    Para Adilson Paes de Souza, tenente-coronel da reserva da PM paulista, a mudança seria positiva. “Eu entendo que para infração criminal com menor potencial ofensivo não teria problema nenhum, e seria de bom grado, se mais agentes públicos pudessem elaborar o termo porque ganharia tempo, a população poderia ser atendida em tempo mais rápido”.

    Adilson também avalia que ajudaria a população que não tem acesso à internet e precisa recorrer ao preenchimento eletrônica do boletim de ocorrência. “Havendo essa possibilidade de mais agentes públicos fazendo o TCO e encaminha para o Ministério Público isso pode ser um ganho. Isso para infração de menor potencial ofensivo. Isso possibilita a população a ter um acesso mais amplo e rápido”.

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    O tenente-coronel vai além e aponta que isso deveria ser ampliado para todos os agentes de segurança. “Polícia Federal e Polícia Civil já têm os delegados, mas podia ampliar para Polícia Ferroviária Federal, para Polícia Rodoviária Federal, para Polícia Militar e para Guarda Municipal”.

    Porém, para que isso seja de fato efetivo, pondera Adilson, os policiais precisam ser treinados. “Os policiais precisam ter conhecimento técnico para elaborar o TCO e aqui eu falo desde noções essenciais de gramática e ortografia, até conhecimento jurídico para enquadrar a narrativa da pessoa em um fato jurídico. Fico questionando se os policiais possuem preparo para isso”.

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    “Primeiro teria que ver uma avaliação do currículo do curso que esses agentes fazem, se abarca essas noções de conhecimento. Se não tiver, ter um curso de reciclagem e formação. Sem isso, os policiais podem elaborar o documento de maneira errada, vai chegar na mão do MP e o MP vai mandar para o delegado investigar e apurar”, conclui.

    O que muda na prática

    O que a decisão do CNJ muda, na prática, é que ao se deparar com uma situação, ambas as forças policiais podem lavrar o TCO e encaminhá-lo para um juiz. Evitando, então, ir até a delegacia para registrar um Boletim de Ocorrência – operação que costuma demorar.

    Os TCOs só podem ser lavrados diante infrações de menor potencial ofensivo, considerados como crimes menos graves, a exemplo de ameaça, perturbação de sossego, ato obsceno, alguns casos de lesão corporal, violação a domicílio, maus tratos, entre outros.

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    Para Isabel, a divergência entre as forças policiais trata-se de uma “disputa de poder”. “Essa briga é muito ruim porque ela não sai da lógica da estrutura da segurança pública, é uma polícia brigando com a outra”.

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