Para Justiça, PMs presos plantaram armas para ‘forjar’ jovens negros mortos com 30 tiros

Juíza Leticia de Assis Bruning acolheu denúncia do MP e decretou a prisão preventiva dos policiais militares André Chaves, Danilton Silveira e Jorge Silva pela morte de Felipe Barbosa e Vinícius Alves quando eles estavam dentro de carro em Santo Amaro, zona sul de São Paulo

Vinicius e Felipe, mortos por PMs na zona sul de SP no dia 9 de junho | Foto: Reprodução

A Justiça de São Paulo acatou denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e decretou a prisão preventiva dos policiais militares André Chaves da Silva, Danilton Silveira da Silva e Jorge Baptista Silva Filho pela morte dos jovens negros Felipe Barbosa da Silva, 23, e Vinícius Alves Procópio, 19. O trio está detido no Presídio Militar Romão Gomes desde o mês passado.

Os dois homens foram mortos na noite de 9 de junho por tiros disparados à queima-roupa pelo sargento André e pelo soldado Danilton, ambos da Força Tática do 1º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, no cruzamento das ruas Doutor Rubens Gomes Bueno e Castro Verde, em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista. O momento da morte foi gravado por uma testemunha que passava de carro pelo local. O cabo Jorge era quem conduzia a viatura. Ele não participou dos disparos, no entanto, não teria tentado impedir os outros dois de agir. Na versão policial, os dois jovens estavam praticando roubos na região, o que teria resultado em perseguição até a dupla bater o veículo em outro automóvel.

Após analisar a investigação da Polícia Civil e o pedido de prisão elaborado pelo Ministério Público a juíza da 3° Vara do Juri Leticia de Assis Bruning escreveu em seu despacho que “consta que os três acusados desembarcaram da viatura policial e, agindo com ânimo homicida, o sargento André e o soldado Silveira efetuaram inúmeros disparos de arma de fogo contra as vítimas, que estavam sentadas, dentro do referido veículo automotor, sem condições de oferecerem resistência, produzindo-lhes diversos ferimentos que as mataram”.

A Polícia Civil entregou nesta terça (13/7) relatório final em que pedia a prisão dos dois primeiros, mas o Ministério Público decidiu pedir também pela prisão de Jorge, uma vez “que ele se fazia presente na cena do crime, tendo concorrido, mediante apoio moral e material para que os executores efetuassem os disparos de arma de fogo que mataram os ofendidos”.

Policiais militares da Força Tática do 1° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano foram flagrados atirando em dois jovens que estavam dentro de um carro | Foto: Reprodução

Segundo os promotores Fabio Tosta Horner e Thomás Mohyico Yabicu, “os indiciados perpetraram crimes gravíssimos, já que, no exercício de função pública de segurança, mataram de forma impiedosa, em verdadeira “execução”, duas pessoas que estavam no interior de um veículo, sem que pudessem esboçar qualquer reação defensiva”.

Ainda de acordo com a Promotoria, “os indiciados alteraram a cena do crime, para induzirem a erro o Judiciário, visando se beneficiar e ‘forjar’ uma situação de legítima defesa própria, que não existiu em realidade”. O MP também justificou que “os indiciados exercem a profissão de policial militar e, assim, em liberdade, podem fazer de tudo para atrapalhar a regular produção de prova, o que não pode ser admitido em hipótese alguma”.

Leia mais: Justiça Militar decreta prisão de PMs que mataram dois jovens negros com 30 tiros

Os promotores ainda detalham a maneira que os policias tentaram induzir o Poder Judiciário ao erro, ao afirmar que a dupla possuía dois revólveres. “Para alegarem que agiram em legítima defesa, o que não ocorreu, os indiciados inovaram, artificiosamente, na pendência de processo administrativo, o estado de lugar, coisa e de pessoa, com o intuito de induzir a erro o juiz e os jurados, ao inserirem na cena criminosa duas armas de fogo, já descritas acima, que as vítimas não portavam nem possuíam de nenhuma forma, no momento em que foram mortas”. Para o MP, ao forjar as duas armas, os policiais acabaram por sumir com uma pistola 380 milímetros, essa sim que estaria em posse dos dois jovens, segundo uma das pessoas assaltadas por eles momentos antes.

Pouco tempo após a denúncia ter sido encaminhada para Leticia, a juíza acatou o pedido e decretou a prisão preventiva do trio pelos crimes de homicídio duplamente qualificado e fraude processual. Para a magistrada, “o crime teria sido praticado por motivo torpe, consistente no desprezo dos acusados à condição de pessoas das vítimas”.
Letícia de Assis Bruning também fez coro à tese de que as armas foram plantadas pelos policiais, reproduzindo na íntegra o texto informado pelo MP, no escreveu que “os fatos em concreto são, pois, bastante graves, sendo o homicídio narrado classificado inclusive como crime hediondo “.

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A decisão de Leticia se soma a do Tribunal de Justiça Militar, que já havia determinado a prisão preventiva de André e Danilton logo após a Corregedoria da PM requisitar ao órgão a detenção deles. No âmbito militar, ambos os PMs aguardam um julgamento de um habeas corpus, agendado para ser analisado na próxima semana pela 2° Instância do colegiado, após ter sido recusado pelo relator do processo. O PM Jorge não teve sua prisão pedida pela corporação.

“Estava muito claro que os PMs promoveram um verdadeiro fuzilamento. Se não aparecessem as imagens, eles ficariam impunes. Prevaleceria a versão de confronto”, disse à Ponte Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em direitos humanos pela PUC- SP e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. Para Ariel, “ficou também evidente que os policiais forjaram uma situação de confronto objetivando ficarem impunes. Que as vítimas estavam desarmadas e não resistiram à possível prisão e muito menos, atiraram contra os PMs, já que não portavam armas”.

Outro lado

A reportagem procurou a defesa dos três policiais militares. Elas serão publicadas assim que respondidas. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que “a ocorrência foi investigada pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), que representou pela prisão preventiva dos PMs, que foi deferida, e relatou o IP à Justiça em julho. O caso também é apurado pela PM, por meio de Inquérito Policial Militar (IPM), que está em instrução. Os agentes permanecem detidos no Presídio Militar Romão Gomes”.

Mariana Silvestrini, defensora de Jorge Baptista Silva Filho, afirmou em nota que “a defesa ainda está analisando a denúncia, porém, entende pela ausência de requisitos que autorizam a medida cautelar pessoal, sobretudo, a prisão preventiva. Neste sentido, precisamos lembrar que, dentro do Estado Democrático de Direito, a liberdade é a regra e a prisão é a exceção. Podemos adiantar que o CB Jorge Baptista Silva Filho é inocente”.

Já o advogado João Carlos Campanini, que defende o sargento André, pediu para a reportagem repetir a nota anterior, onde diz que “a prisão dos policiais foi extremamente precipitada e desnecessária. Resta nos autos informações de que os militares não mentiram em momento algum. Resta ainda informações preliminares de que os suspeitos mortos receberam, cada um, sete tiros e não 23 e 27 como vem sendo veiculado. Ainda estamos aguardando novas perícias e exames para demonstrar a legalidade da ação. A quantidade de disparos é necessária até que a agressão (iminente ou atual) cesse. Enquanto o bandido está com a arma em punho, não obedecendo a ordem policial, colocando a vida do PM em risco, ele pode ser baleado.”

ATUALIZAÇÃO: Reportagem atualizada às 15h10 do dia 14/7/2021 para incluir fala do advogado Ariel de Castro Alves

ATUALIZAÇÃO: Reportagem atualizada às 19h08 do dia 14/7/2021 para incluir posicionamento da defesa dos PMs

Correções

"Estava muito claro que os PMs promoveram um verdadeiro fuzilamento. Se não aparecessem as imagens, eles ficariam impunes. Prevaleceria a versão de confronto", disse à Ponte Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em direitos humanos pela PUC- SP e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. Para Ariel, "ficou também evidente que os policiais forjaram uma situação de confronto objetivando ficarem impunes. Que as vítimas estavam desarmadas e não resistiram à possível prisão e muito menos, atiraram contra os PMs, já que não portavam armas".

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