Pela primeira vez, jornalista trans integra bancada do Roda Viva

    Caê Vasconcelos repórter da Ponte, entrevista a vereadora travesti Erika Hilton (PSOL-SP). Programa vai ao ar nesta segunda-feira (1/2) a partir de 22h: “muitas pessoas perderam a vida para estarmos onde estamos”

    A vereadora Erika Hilton (PSOL-SP) e o repórter da Ponte Caê Vasconcelos | Foto: Reprodução

    Primeiro jornalista trans na bancada do Roda Viva (TV Cultura), o repórter da Ponte, Caê Vasconcelos, participa nesta segunda-feira (1/2) de uma edição histórica do programa, que vai ao ar ao vivo a partir das 22h. No centro da sabatina, a travesti, preta e periférica, Erika Hilton (PSOL), a vereadora mais votada do país em 2020. Eleita com mais de 50 mil votos, ela é a primeira mulher trans a ocupar cadeira na Câmara Municipal de São Paulo.

    “A expectativa está gigante”, admite o jornalista Caê Vasconcelos. “É uma responsabilidade imensa”. E ressalta a importância simbólica de sua participação. “Quero que outros jornalistas trans tenham essa oportunidade.”

    O jornalista observa que o Brasil está muito longe do ideal, não apenas na questão da inserção no mercado de trabalho. O básico, segundo ele, por aqui, ainda são desafios enormes. “Temos dificuldade para usar o banheiro, para obter o nome social e para sobreviver.”

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    Além dele e da Erika, a escritora e mulher trans, Helena Vieira, fará parte do time de entrevistadores do programa. Certamente uma das bancadas mais diversas e plurais da história do Roda Viva.  

    Duas pessoas negras também estarão sabatinando a vereadora trans: Vitória Régia da Silva, repórter da revista digital Gênero e Número, que é bissexual, e Thiago Amparo, professor de Direito da FGV-SP, negro e gay. Completa a bancada, a repórter do jornal Folha de S. Paulo, Angela Boldrini. “Não tem um homem hetero cis branco”, observa o repórter da Ponte.

    “Pode-se dizer que esta é uma das bancadas mais plurais na história do programa”, comentou a TV Cultura, por meio de sua assessoria de imprensa. A emissora afirmou também que o Roda Viva já há algum tempo tem procurado ser o mais plural possível. “Uma rápida observação nos últimos doze meses vai mostrar que estamos empenhados em ampliar o espaço para que todos os setores da população estejam representados, tanto como entrevistado como na bancada de entrevistadores.” 

    Transmitido pela TV Cultura desde 1986, o Roda Viva se consolidou como um dos mais longevos e respeitados programas de entrevistas do país. Sabatinando semanalmente notáveis de todas as áreas, é visto como uma espécie de painel do pensamento contemporâneo. 

    Pessoas trans no poder abalam cisgeneridade branca”

    O Roda Viva vai ao ar poucos dias depois do Dia da Visibilidade Trans (29/1), data que este ano foi marcada por uma escalada da violência.

    Na semana passada, o relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) apontou – mais uma vez – o Brasil como o país que mais mata pessoas trans. E em São Paulo, parlamentares trans estão sob ameaças e ataques.

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    “Muitas pessoas perderam a vida para estarmos onde estamos hoje”, reconhece Vasconcelos. A ascensão de pessoas trans ao poder abala a cisgeneridade branca, completa o jornalista.

    Mas, apesar da presença das pessoas trans na política, no jornalismo, no meio artístico, acadêmico e em vários outros setores da sociedade, o repórter lamenta que a pauta do dia seja novamente a violência. “Esse convite à Erika veio porque ela sofreu ameaças.”

    Vasconcelos reclama ainda de serem lembrados apenas na hora da violência. “Por que ela não foi entrevistada quando se elegeu com 50 mil votos?”. E questiona também a própria participação. “Fui convidado para entrevistar uma outra pessoa trans, mas podemos falar de outras coisas também além de gênero e da pauta LGBT.”

    Pretendo fazer perguntas que outros não farão”

    Sobre o que perguntará à vereadora, o jornalista topou dar um breve spoiler. “Pretendo fazer perguntas que os outros não farão”. Pela intimidade com a pauta, o plano é expandir a conversa para outros assuntos, como saúde e cultura e também sobre por que a Erika foi eleita com uma quantidade tão expressiva de votos.

    “A trajetória da Erika abarca toda a vivência de uma travesti negra, tem a marginalidade, a prostituição, o abandono da família”, analisa Vasconcelos. E ela deu a volta por cima. 

    Ajude a Ponte!

    Por meio da educação, quando estava na universidade, entrou ainda bem jovem na militância e se tornou uma potência, que reflete a força negra trans jovem, define o jornalista da Ponte. “Aos 27 anos foi a vereadora com mais votos do país.”

    Entretanto, Vasconcelos reconhece que não é possível não falar da violência. Mas pretende provocar uma reflexão que saia do lugar comum. Para ele, é importante entender o que está por trás das ameaças à Erika. “Ela está sendo ameaçada porque outras mulheres trans ou cis foram assassinadas e nada aconteceu.”

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    […] Eu esperava que pudéssemos, principalmente enquanto corpos trans, ocupar mais os espaços dentro das redações jornalísticas, mas essa ainda não é uma realidade. Ainda sou um dos únicos a assinar reportagens em sites (e, vez ou outra, tirar uma lasquinha das emissores de televisão, como quando fui um dos entrevistadores do Roda Viva, maior programa de entrevistas do país, e que, antes de mim, nunca tinha recebido um jornalista trans). […]

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