Pistola que matou jornalista no Paraguai foi usada em 7 execuções relacionadas ao PCC

    Lourenço Veras foi executado em sua casa no dia 12 de fevereiro em Pedro Juan Caballero, cidade na fronteira com o Brasil

    Lourenço Veras atuava na fronteira e relatava receber ameaças recorrentes | Foto: Reprodução/TV Record

    Os tiros que calaram a voz do jornalista brasileiro Lourenço Veras, o Léo, 52 anos, enquanto ele jantava com a família na noite de 12 de fevereiro, foram disparados de uma pistola Glock 9 mm. A mesma arma foi usada nas execuções de ao menos outras sete pessoas na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, na fronteira com o Brasil. Todos os crimes estariam relacionados à facção paulista PCC (Primeiro Comando da Capital ).

    A descoberta foi feita a partir da balística forense feita em Assunção, capital do país vizinho, que identificou, em cartuchos recolhidos na casa do dono do site de notícias Porã News, o mesmo padrão de marca produzido pelo percussor da pistola no instante do disparo — uma espécie de impressão digital, marca que é única para cada arma.

    A informação foi confirmada à Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) por autoridades envolvidas na investigação do assassinato de Léo Veras. Apesar da celeridade na descoberta da marca produzida pela arma, nenhuma testemunha ou familiar prestou depoimento formal à equipe de trabalho de agentes especializados na luta contra o narcotráfico e o crime organizado da Fiscalia (Ministério Público) de Pedro Juan Caballero e Assunção até esta sexta-feira (21/2), nove dias após a execução.

    Apenas um policial num carro descaracterizado vem sendo mantido à frente da casa da família, no bairro Jardim Aurora, região sob influência de narcotraficantes.

    A força tarefa montada para apurar o caso vem trabalhando em cinco linhas de investigação que poderiam ter motivado a execução de Veras. Todas ligadas a atividades dos narcotraficantes do PCC na fronteira entre Ponta Porã, cidade no estado brasileiro do Mato Grosso do Sul, e Pedro Juan Caballero, no Paraguai, noticiadas pelo jornalista em seu site.

    Jornalista jantava em sua casa quando três homens a invadiram | Foto: Angelina Nunes/Abraji

    Entre as linhas de investigação estão dois assassinatos e um desaparecimento, no segundo semestre de 2019. As duas vítimas, uma delas um adolescente de 14 anos, foram torturadas, baleadas e tiveram os corpos esquartejados e queimados.

    Outro caso foi a apreensão de armas e drogas da facção, noticiada com exclusividade por Veras, que estaria apurando o envolvimento de policiais paraguaios na proteção aos traficantes.

    O jornalista também foi o primeiro a noticiar uma ação que resultou nas prisões de três integrantes do PCC foragidos da Penitenciária Regional de Pedro Juan Caballero, publicada quatro dias antes de sua execução. Em 19 de janeiro, 75 presos fugiram dessa penitenciária, parte deles ligados ao PCC.

    Na noite após o crime, Marco Amarilla Allen, titular da unidade de narcotráfico da Fiscalia de Pedro Juan Caballero, recolheu na casa do jornalista o computador e o celular que ele usava em suas atividades profissionais.

    Os dois equipamentos não tinham senha, e o celular registrava grupos de Whatsapp com fontes de Veras, incluindo autoridades policiais brasileiras e paraguaias, além de trocas de mensagens com outros jornalistas sobre suas atividades na fronteira. A investigação policial sobre o assassinato segue sob sigilo.

    Léo Veras é o 18º jornalista morto no Paraguai em um período de 23 anos. Desde 1997, os profissionais têm sido alvo principalmente em cidades próximas às fronteiras com o Brasil. Segundo jornalistas paraguaios, quem atua em veículos locais, de menor expressão, são os principais vítimas.

    Programa Tim Lopes

    Todos os indícios da morte de Veras sugerem que ela esteja relacionada ao exercício da profissão. Por isso, o assassinato do jornalista será o terceiro a ser incluído no Programa Tim Lopes, desenvolvido pela Abraji, com o apoio da Open Society Foundations, para combater a violência contra jornalistas e a impunidade dos responsáveis.

    Em caso de crimes ligados ao exercício da profissão, uma rede de veículos da mídia tradicional e independente é acionada para acompanhar as investigações e publicar reportagens sobre as denúncias em que o jornalista trabalhava até ser morto. Integram a rede hoje: Agência Pública, Correio (Bahia), O Globo, Poder 360, Ponte Jornalismo, Projeto Colabora, TV Aratu, TV Globo e Veja.

    O assassinato do radialista Jefferson Pureza, de 39 anos, em Edealina, no estado de Goiás, em 17 de janeiro de 2018, foi o primeiro caso acompanhado pelo programa. Ele foi morto enquanto descansava na varanda de sua casa.

    O ex- vereador José Eduardo Alves da Silva, de 41 anos, foi acusado de ser o mandante e, no julgamento ocorrido em 2019, ele optou pelo silêncio. Na ocasião foi julgado também o caseiro Marcelo Rodrigues dos Santos, de 40 anos, acusado de ter apresentado os menores envolvidos no crime ao vereador. Segundo as investigações, o assassinato foi negociado por R$ 5 mil e um revólver.

    Em julgamento no dia 9 de dezembro de 2019, o júri popular absolveu dois acusados de envolvimento no crime, apesar de reconhecer a participação deles no caso e na corrupção de menores que praticaram o assassinato. O único condenado no caso é Leandro Cintra da Silva, que cumpre pena de 14 anos em júri feito no dia 7 de outubro do mesmo ano.

    O segundo caso é do radialista Jairo de Sousa, de 43 anos, morto na madrugada de 21 de junho de 2018, com dois tiros no tórax quando chegava para trabalhar na rádio Pérola FM, em Bragança, no Pará. O suspeito de ser o mandante é o vereador Cesar Monteiro. Ele teria contratado um grupo de dez pessoas para realizar o crime. Segundo os autos do inquérito, o assassinato teria custado R$ 30 mil.

    Em março de 2019, o vereador Cesar Monteiro teve a prisão preventiva revogada após o Tribunal de Justiça do Pará conceder-lhe um habeas corpus. Ainda não há data marcada para o júri popular.

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