PM caiu em contradição, diz advogado sobre reconstituição de morte de jovem

    Em maio, policial disse que Rafael Aparecido de Souza, 23 anos, tentou pegar sua arma e houve um tiro acidental; agora, na reconstituição, tese era de que se sentiu ameaçado e atirou

    Rafael tinha um filho de 2 meses e sonhava gerir uma fábrica com o irmão |Foto: Arquivo pessoal

    Um policial militar caiu em contradição durante o processo de reconstituição da morte de Rafael Aparecido de Souza, 23 anos, morto em maio deste ano durante uma abordagem em uma travessa da Avenida Aricanduva, em São Mateus, na zona leste de São Paulo. Segundo o advogado que acompanha os parentes, um dos PMs deu versão diferente da inicial sobre a morte de Rafael.

    José Nildo Alves Cardoso explica que o soldado Charles Henrique Godoi Pereira primeiro disse que o disparou aconteceu de forma acidental, quando Rafael tentou pegar a sua arma enquanto o irmão era abordado. A história contata na reconstituição era outra, de acordo com o advogado: de que o policial se sentiu ameaçado em meio à abordagem e disparou. Ele estava acompanhado do também soldado Bruno Costa Siciliano, ouvido como testemunha pelo DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), responsável por investigar homicídios cometidos por policiais.

    “Ao ser indagado pelo investigador porque ele atirou na posição onde o policial estava, ele disse ‘Ah, você sabe, né?! Me senti ameaçado’. Essa foi a resposta dele”, detalha José Nildo à Ponte, dizendo que havia outras contradições. O registro no B.O. (Boletim de Ocorrência) feito pelo 49º DP (Distrito Policial), os PMs afirmam que algumas pessoas os hostilizaram e um dos indivíduos teria tentado tomar a arma de um deles, gerando a reação e um disparo acidental.

    O advogado explica que também houve divergência quanto ao local em que estava a viatura da polícia no dia da morte de Rafael Aparecido, conforme defendia o policial Charles. Os PMs disseram ser perto do local onde o rapaz estava, enquanto outras testemunhas apontaram que havia uma distância de pelo menos 20 metros entre o veículo e o jovem.

    “Na versão, queriam colocar o carro próximo, o que ficou uma alegação descabida”, sustenta José Nildo. Além dos dois policiais que são investigados pelo homicídio, três familiares e dois amigos de Rafael também participaram do processo para reconstituir o dia 5 de maio de 2019, em que ele foi morto.

    Naquele dia, Rafael conversava com os primos e um tio na frente de sua casa quando viu que o irmão estava sendo abordado pelos dois PMs. Ele recebeu um tiro no peito e não resistiu aos ferimentos, deixando um filho de 2 meses. Ele sonhava em montar junto com o irmão uma fábrica de roche, uma espécie de bowl ou suporte onde se coloca a essência do narguilé.

    O irmão de Rafael, Bruno Aparecido, 26 anos, desmente a versão dos PMs. “Eu tava numa rua ao lado indo para casa, quando eu me deparei com meu irmão mais novo sendo abordado. Eu me aproximei da abordagem e perguntei ao policial se precisava do RG do meu irmão. Ele disse que não e que meu irmão estava liberado. Quando, de repente, o Rafael apareceu acenando para a gente e gritando ‘vem pra cá’. Nisso, eu ouvi o polícia falando: ‘aqui quem manda é nóis” e só escutei o disparo”, conta à Ponte.

    Bruno explica que os PMs estavam longe de Rafael no momento do tiro. “A hora que escutei o disparo eu tava de costas e agachei. Quando eu olhei meu irmão estava no chão. Foi um tiro fatal. Eles estão dizendo que meu irmão tentou tomar a arma deles, mas não tinha nem como. Ele estava a uma longa distância, muito longe”, completa.

    Após a morte, moradores se revoltaram protestaram. A Ponte obteve vídeo em que um grupo de PMs passam em frente a uma casa perto de onde Rafael foi atingido. Sem motivo aparente, um deles joga uma bomba dentro da residência. O tio do Rafael, Rogério, conta que uma criança moradora da casa teve que ser levada ao pronto socorro porque passou mal com o gás.

    A reportagem solicitou posicionamento à InPress, assessoria de imprensa terceirizada da SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, gerida pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB). Às 19h29 de terça-feira (25/6) que ocorreu a reconstituição e que o caso “encontra-se sob segredo de Justiça”. “A Polícia Militar também apura os fatos por meio de IPM, e os policiais envolvidos na ocorrência permanecem afastados do serviço operacional”, garante a SSP.

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