PM e GCM acusados de envolvimento na chacina de Osasco são absolvidos; mães se revoltam

Quase seis anos após os ataques que vitimaram mais de 20 pessoas, o ex-PM Victor Cristilder e o guarda Sérgio Manhanhã foram absolvidos pelo novo Tribunal do Júri na tarde desta sexta-feira (26)

Julgamento de Cristilder e Manhanã na Vara do Tribunal do Júri de Osasco | Foto: Divulgação / Tribunal de Justiça de São Paulo .

Em julgamento histórico, o júri popular decidiu nesta sexta-feira (26/2) que o ex-PM Victor Cristilder Silva Santos e o guarda civil municipal Sérgio Manhanhã não são culpados pelos crimes de homicídio doloso qualificado, formação de quadrilha e tentativa de homicídio. A decisão saiu por volta das 15h30.

Os crimes ocorreram na noite de 13 de agosto de 2015, quando um ataque a tiros matou 17 pessoas, além de deixar outras sete feridas. Os ataques ocorreram em Osasco e Barueri.

A sexta-feira (26) chuvosa iniciou tensa no Fórum de Osasco, cerca de 30 pessoas da família das vítimas e familiares dos policiais permaneceram em vigília do lado de fora do prédio, desde às 10h da manhã.

Após a decisão, o silêncio e as lágrimas das familiares das vítimas da chacina misturaram-se ao som de gritos de alivio dos familiares do ex-PM e do GCM que rezavam e clamavam pela justiça do outro lado da calçada. 

Dona Zilda Maria de Paula, representante das famílias das vítimas da chacina, estava revoltada após a decisão. “Se meu filho foi quem tivesse matado, eu não punha minha cara a tapa. Isso dá aval para fazer outras chacinas. As famílias estão revoltadas. Meu filho era único. Infelizmente a gente tem que aceitar o sistema. Se eu fosse rica [seria diferente]. A luta vai continuar”.

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Marcelo Alexandre de Oliveira, promotor do 4º Tribunal do Júri, diz que o resultado era esperado. “Essa decisão não surpreendeu porque quando se faz um segundo julgamento, com uma decisão do Tribunal de Justiça anulando a condenação, isso dá uma grande força para a tese defensiva. A gente veio para cá com um prognóstico bastante difícil. O entendimento era o mesmo, mas o prognóstico era bastante negativo”, explica.

“Minha posição é de que havia provas [para condenar os réus], mas a posição dos desembargadores do Tribunal de Justiça, que eu respeito, foi outra. A força de uma decisão que anula uma sentença condenatória, de três desembargadores, é incontestável. Não cabe outro recurso, o ordenamento jurídico não permite um recurso. Esse caso terminou”, diz o promotor.

Marcelo ainda apontou que não há motivos para pedir a anulação do processo. “Pede-se a anulação quando a magistrada, no caso, pratica um erro, uma irregularidade. Ela é a melhor juíza com quem já trabalhei. Conduziu o julgamento de forma absolutamente perfeita, com imparcialidade, extremado comprometimento com a Justiça e dedicação”.

A defensora pública Maíra Coraci Diniz lamentou o resultado. “Eu lamento que o resultado tenha sido esse, a Defensoria esteve sempre ao lado das mães, principalmente para garantir que a imagem dos filhos delas mortos não fosse maculada, esse é o papel principal e é difícil dar uma notícia dessa”.

Enquanto isso, algumas pessoas das famílias dos dois acusados comemoravam aos gritos na calçada em frente ao Fórum, bradando “justiça!”.

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Júlio Sugiyama, 46 anos, sobrinho de Sérgio Manhanhã, diz que os anos foram de apreensão. “No dia de hoje aconteceu o que a gente esperava, ele ficou em um lugar que não deveria estar e a Justiça fez o papel dela, agiu conforme o que tinha que ser feito. Não temos motivos para comemorar porque a prisão era um lugar que ele não deveria estar, os anos foram de apreensão. Nós sentimos pelos familiares que perderam seus entes queridos, sabemos o quanto é doloroso perder alguém da família. Desejamos que os verdadeiros culpados paguem pela pena”.

Familiares de um dos acusados também passaram a semana em vigília diante do Fórum Criminal de Osasco. Foto: Beatriz Drague Ramos/ Ponte Jornalismo.

O advogado dos réus, João Carlos Campanini, comemorou a decisão: “A gente fica emocionado porque fazer justiça nesse Brasil, num caso desse tamanho, do lado do réu, é uma coisa extremamente difícil. Desde o começo estava provado que esses homens não mataram essas pessoas. Todo mundo entende a dor dessas famílias, mas eu não posso condenar inocente, numa investigação mal feita, às pressas. A polícia não conseguiu colocar na cadeia quem tinha matado, não posso jogar na cadeia inocentes por conta das vítimas que morreram. A acusação não tinha prova nenhuma, nunca teve prova. Agora eles vão para casa”.

Quase seis anos de processo

O processo correu por quase seis anos na Justiça. Os ex-PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain foram condenados em setembro de 2017 a cumprir 255 anos, 7 meses e 10 dias; e a 247 anos, 7 meses e 10 dias de prisão, respectivamente.

Em março de 2018, um outro julgamento aconteceu. Nele, Victor Cristilder Silva dos Santos foi condenado pelas execuções de 17 pessoas e a tentativa de matar outras 7 em 13 de agosto de 2015 em Osasco e Barueri, cidades da Grande São Paulo, com pena de 119 anos, 4 meses e 4 dias de prisão. 

Mas em 2019, o ex-PM Victor Cristilder Silva Santos e o Guarda Civil Municipal (GCM) de Barueri Sérgio Manhanhã tiveram suas sentenças anuladas pelo Tribunal de Justiça de SP. Na época, o TJ alegou que as provas usadas pela acusação eram insuficientes para confirmar a participação dos dois na chacina.

Segundo as investigações, os assassinatos foram praticados para vingar a morte do PM Admilson Pereira de Oliveira, em 8 de agosto de 2015, e do GCM de Barueri Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, no dia 13 do mesmo mês. Em 2019, o Ministério Público explicou que mensagens de WhatsApp foram fundamentais para ligar os acusados.

Durante o julgamento de julho daquele ano, a acusação afirmou que o início e o fim dos ataques foram autorizados por meio de conversa entre o ex-PM e o GCM no aplicativo de mensagens. Na época, os desembargadores foram unânimes em validar a prova.

Julgamento levou cinco dias

O longo julgamento, composto por sete jurados, pelo Ministério Público (MP), advogados dos acusados, Defensoria Pública e pela juíza Élia Kinosita, durou a semana inteira.

Na segunda-feira (22/2) apoiadores concentraram-se desde o início da manhã em frente ao Fórum para realizar uma vigília que teve duração até o resultado do julgamento. Foram ouvidas seis pessoas neste primeiro dia do julgamento. Depois foram ouvidas aquelas convocadas pela defesa dos réus.

Também no primeiro dia, os depoimentos de duas testemunhas que sobreviveram à chacina foram ouvidos pelo Ministério Público, pela defesa e pela juíza. Elas fazem parte do grupo de sete pessoas feridas pelos tiros. A outra testemunha ouvida foi o filho de um dos mortos. Além disso, dois delegados que investigaram o caso prestaram depoimentos e um capitão da Polícia Militar que atendeu a ocorrência foram ouvidos.

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No segundo dia (23/2) dez testemunhas foram ouvidas, sendo quatro de acusação e seis de defesa. Na quarta-feira (24/2), terceiro dia do júri, foram ouvidas oito testemunhas restantes da defesa dos policiais, e contou com a presença dos dois réus, que estavam vestidos com o uniforme da carceragem. Sérgio Manhanhã iniciou o julgamento utilizando algemas, que depois foram retiradas.

O pedido de uso de roupas civis foi negado pela juíza da Vara do Tribunal do Júri de Osasco, Élia Kinosita. Na quinta-feira (25/2) os réus foram interrogados até o meio da tarde, na sequência a acusação e a defesa debateram por cerca de duas horas e meia, terminando por volta das 23h da noite.

Os dois réus foram levados de volta ao CDP de Pinheiros, onde irão aguardar o alvará de soltura. Foto: Beatriz Drague Ramos/ Ponte Jornalismo.

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Após os debates entre defesa e acusação, na quinta-feira, o último dia (26/2) foi de réplicas e tréplicas, da defesa e da acusação. Ao final o júri votou para decidir o resultado e a juíza leu a sentença de absolvição dos réus.

Victor Cristilder Silva Santos e Sérgio Manhanhã saíram dentro de carros e escoltados pela polícia militar. Eles estão presos no Centro de Detenção (CDP) de Pinheiros e serão soltos após a expedição do alvará de soltura, previsto para a manhã deste sábado (27/2).

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