PM executou jovem em Paraisópolis 10 dias antes de massacre, segundo moradores

    Caso aconteceu 19 dias depois que sargento do mesmo batalhão foi morto; segundo moradores, PMs atrapalharam a chegada do Samu

    Vídeo mostra moradores observando a PM e a chegada do Samu | Foto: reprodução

    Uma suposta operação da Polícia Militar contra o tráfico de drogas na Rua Ricardo Avenário, em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, terminou com a morte de André Calixto de Souza, 25 anos, em 20 de novembro, 19 dias após o assassinato do sargento Ronald Ruas Silva, 52 anos, na Avenida Alcebíades Delamare, e 10 dias antes do massacre de Paraisópolis.

    Ruas pertencia ao 16º BPM/M, o mesmo batalhão que atuou na ação que resultou na morte de Calixto e dez dias depois no Baile da DZ7, quando 9 jovens foram mortos, no dia 1º/12. Após a morte do sargento, ocorrida a uma distância de mais de 5 quilômetros da favela, o comando da PM anunciou a Operação Saturação, com o objetivo de “intensificar o policiamento para combater o tráfico no local e prender criminosos, sem previsão de término”, segundo informe oficial.

    A comunidade denuncia que André foi executado. De acordo com moradores ouvidos pela Ponte, a PM atrapalhou a chegada do Samu (Serviço Móvel de Urgência) ao local onde a vítima estava ferida e que não houve troca de tiros. “Ele ficou agonizando no chão até a chegada do socorro. Isso é recorrente aqui na comunidade, é prática comum”, afirma um morador que, por medo, pediu para não ser identificado.

    Imagens gravadas por um celular registram a movimentação de moradores próxima do local do crime e é possível ver uma parte da ambulância do Samu. Na sequência, alguém diz: “Não se aproxima, não”. Então a pessoa que está gravando diz: “olha aí, não estão deixando o resgate subir”.

    O caso foi registrado como “morte em decorrência de intervenção policial” e no boletim de ocorrência há uma lista de inúmeros itens que estariam com ele, como drogas, dinheiro em espécie e uma .40 da marca Taurus, a mesma usada pela polícia. Participaram da ação os policiais Diego Ferreira Santos Santana, Jair dos Santos Silva e Vinícius Marçal da Costa. Segundo o B.O., o PM Marçal foi atingido no joelho pelo suspeito quando o PM Santana gritou o alerta “polícia, polícia, largue a arma”.

    A versão da dona de casa Nivea Gomes, 37 anos, que mora perto do ocorrido, também confronta a dos policiais. Ela conta que André Net, como era conhecido o rapaz, não estava armado e que estava na companhia de alguns amigos. “Ele não estava armado, não mexia com drogas. Existe uma biqueira ali na região, mas o André não trabalhava lá. Ele não trocou tiro com a polícia”, relatou à Ponte.

    Nivea perdeu um irmão de maneira muito semelhante – em uma abordagem policial em que foi alegado troca de tiros – há cerca de 3 anos.

    “O André estava saindo do portão, o policial já deu o primeiro tiro que deve ter pegado nele. Ele saiu correndo em direção a uma laje, pedindo socorro, porque tinha medo que se a polícia abordasse ele, fosse forjar alguma coisa nele. Sou moradora de Paraisópolis e sei bem como acontece aqui. Não tem nem 3 meses que a polícia entrou na casa da minha mãe sem mandado”, continuou. “Ele pulou um muro, caiu e a polícia chegou nele. Uma vizinha que estava vendo tudo gritou ‘não mata ele’. O policial virou, mandou desligar o celular e fingir que não tava vendo nada”.

    Nivea também reforça a versão de que o Samu chegou no local, mas a PM impediu que o socorro chegasse mais rápido perto da viela onde estava André. A dona de casa não era próxima da vítima, mas o encontrava frequentemente pelas ruas da comunidade e que ele era bem conhecido e querido por todos.

    No B.O., feito apenas com a versão dos policiais, está registrado que o Samu (Serviço Móvel de Urgência) foi acionado e socorreu a vítima. De acordo com a versão dos PMs da Força Tática do 16º BPM/M, eles foram averiguar duas denúncias de um suposto ponto de venda de drogas.

    Desde a morte do sargento Ruas, moradores da favela afirmam que a repressão policial aumentou. Segundo reportagem da Ponte, publicada em 12 de novembro, as abordagens violentas viraram rotina. Nivea confirma essa situação e afirma que muitas coisas nem chegam ao conhecimento da opinião pública. “Agora a polícia está um pouco afastada por causa da repercussão do que aconteceu no baile funk. Eles estão com medo de fazer alguma coisa errada na comunidade, porque eles sabem que hoje todo mundo tem celular, rede social. Mas quando a mídia se afastar…”, disse.

    A dona de casa relatou que na semana posterior ao assassinato do Ruas, ela estava em um ônibus que faz a linha Paraisópolis-Santo Amaro e, na Rua Bragança Paulista, a polícia parou o coletivo e pediu que todos descessem para averiguação. “Só por que vem de Paraisópolis tem gente suspeita dentro? Um dos policiais alegou que tinha que verificar se não tinha nenhum criminoso saindo da comunidade pelo coletivo”, relatou.

    Procurada, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informa que o caso está sendo investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e que um IPM (Inquérito Policial Militar) foi instaurado para apurar as circunstâncias do caso.

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