PM mata dois jovens e população protesta no litoral do Maranhão

Daniel Gustavo Dias e Thierry Rodrigues foram mortos após abordagem; polícia diz que houve troca de tiros, mas parentes de Daniel afirmam que ele era mecânico e foi buscar peça para consertar carro de Thierry na terça-feira (31)

“A mão do meu irmão ainda tinha graxa quando eu vi o corpo dele”, lamentou, revoltada, Daniele dos Santos Dias, 26, quando viu o mecânico Daniel Gustavo dos Santos Dias, 18, no hospital. A indignação de ter perdido o caçula de três irmãos tomou as ruas de Turilândia, na Baixada Maranhense, na quinta-feira (2/6). Com cartazes de “trabalhador não é bandido” e “justiça para Daniel”, os parentes, junto com moradores de Santa Helena, que faz divisa com a cidade, protestaram até o quartel do 10º Batalhão da Polícia Militar. Dois dias antes, na terça-feira (31/5), o mecânico e outro jovem, Thierry Silva Rodrigues, foram mortos em uma abordagem policial.

A estudante Thâmara Santos, 20, companheira de Daniel, lembra que naquele dia o rapaz se arrumou cedo para trabalhar na oficina que fica em Turilândia. Ela o buscou por volta das 12h para almoçarem juntos e depois o levou de volta porque precisava buscar uma peça para fazer o conserto do carro de um cliente que estava parado na estrada. “Ele falou ‘amor, eu só vou buscar uma peça para ir e vou trazer para a oficina, não vou demorar, vou chegar cedo'”, lembra. O casal estava junto há dois anos.

“Ele pegou as ferramentas dele, colocou no carro e seguiu em viagem”, complementa Daniele. “Quando ele chegou no local, o carro não estava mais lá, ele voltou com o rapaz e, como era interior, era perto da casa da nossa vó, ele passou lá perguntando se ela tinha visto o veículo de cor tal e ela disse que não. Quando eles estavam voltando, minha vó mandou um áudio para a minha mãe umas 16h30 dizendo que o Daniel estava lá, que saíram e foram para casa e que avisasse para ela quando ele chegasse.”

Nesse trajeto de volta ao centro de Turilândia, teria ocorrido a abordagem. Um vídeo gravado por uma pessoa que passou de carro pela Rodovia MA-106 mostra dois homens parados em frente a um veículo preto, com as mãos para frente, enquanto três policiais militares parecem fazer algum tipo de vistoria. A família reconheceu Daniel e o carro dele nessas imagens.

Trecho de vídeo de abordagem gravado por testemunha em que família reconheceu Daniel e seu carro (à direita); e Daniel Gustavo de Santos Dias, 18, que era mecânico | Fotos: Reprodução/Arquivo Pessoal

Porém, à TV Cidade, afiliada da Record TV, a polícia deu uma versão diferente. Os dois seriam praticado um assalto no município de Governador Nunes Freire e estariam fugindo pela rodovia. Pela estrada, uma viatura em sentido contrário teria aparecido e ordenado que parassem, mas não obedeceram. Nesse momento, “eles sacaram armas de fogo e dispararam tiros contra os PMs, que revidaram. Uma das balas atingiu a viatura”. Depois, os rapazes foram levados ao Hospital Municipal de Santa Helena, mas não resistiram. Além do carro, os policiais teriam encontrado dois revólveres carregados e a quantia de R$ 1.480,00. O vídeo da reportagem não está disponível no site nem no canal do YouTube da afiliada.

A família ainda não teve acesso ao boletim de ocorrência, mas viu a reportagem pela televisão. “A emissora daqui disse que meu irmão era bandido, era faccionado, de criminoso, que houve confronto, a imagem dele foi manchada, mas eles não imaginaram que ele tem família para recorrer porque essa casa aqui ficou pequena com o tanto de gente da cidade que veio”, criticou Daniele. “Era um menino alegre, nunca fez nada para ninguém, a gente tinha muitos planos, de construir nossa casa… Agora, eu estou sem chão”, lamenta Thâmara.

Tanto ela quanto Thâmara disseram que não conheciam Thierry. A Ponte não conseguiu localizar familiares dele.

“O lema da polícia é servir e proteger. Mas proteger quem? Eu vi o corpo do meu irmão, ele foi executado com 13 tiros”, denuncia Daniele. A família pretende formalizar um boletim de ocorrência na segunda-feira (6/6) e procurar o Ministério Público Estadual para apurar o caso.

O que diz a PM

A Ponte solicitou a íntegra da ocorrência e questionou a Secretaria de Comunicação do governo Carlos Brandão Junior (PSB) sobre o vídeo da abordagem. A assessoria não atendeu aos pedidos e encaminhou a seguinte nota:

A Polícia Militar do Estado do Maranhão (PMMA) informa que no dia 31/05/2022 (terça-feira), policiais da 2ª Companhia do  10º Batalhão de Polícia Militar receberam informações, de membros da polícia do município de Governador Nunes Freire, onde dois homens em um veículo Classic, de cor preta, haviam efetuado um roubo na referida cidade e se dirigiam em direção à cidade de Turilândia. Ocasião em que foram interceptados na MA-106, próximo à entrada do município de Turilândia e, ao serem abordados, reagiram no intuito de frustrar a ação policial, visto que no local havia apenas três policiais, sendo que um dos militares fazia o desvio dos veículos que transitavam pela via.

Durante a reação, os dois ocupantes do veículo suspeito, se encontravam em posse de dois revólveres, efetuaram disparos em direção aos policiais, que reagiram para neutralizar a ameaça. A guarnição logo prestou socorro aos indivíduos, que foram levados ao hospital municipal de Santa Helena, onde foram atendidos, mas, infelizmente, não resistiram aos ferimentos.

Ajude a Ponte!

A PMMA ressalta que com os indivíduos foram encontrados dois revólveres cal .38 com sete munições deflagradas, sendo quatro em uma arma e três em outra. Além disso, um deles tinha passagem por homicídio e o outro era investigado por adulteração de veículos roubados nas cidades de Santa Helena e Turilândia, e também formalmente identificado por roubo a motocicleta em Governador Nunes Freire.

O Comando da PMMA informa ainda que tomou providências no sentido de apurar todos os elementos que envolvem a ocorrência, através do pronto afastamento dos policiais envolvidos, até que se conclua a referida investigação, e da escuta dos agentes de segurança, nesta sexta, no âmbito do Inquérito Policial Militar já instaurado na Delegacia de Santa Helena.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas