PM reprime ato do Passe Livre com violência

    Passeata contra aumento de tarifa seguia pacífica até um grupo de black blocs depredar um banco. A reação da polícia veio na forma de porrada e bomba contra todos os manifestantes e quem mais estivesse na rua

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    O primeiro grande ato do Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo desde as Jornadas de Junho de 2013 reuniu ontem pelo menos 5 mil pessoas e se manteve pacífico durante uma hora. A maré virou depois que um grupo de dezenas de black blocks depredou uma agência bancária. A reação da Polícia Militar veio na forma de balas de borracha, cassetadas e bombas de gás lacrimogêneo contra todos os manifestantes e quem mais estivesse na rua.

    Tudo começou em paz. As revistas sistemáticas de todos os participantes do protesto, anunciadas dois dias antes pelo comandante da operação, o major Larry Almeida Saraiva, não aconteceram. A maioria dos participantes do ato, que pedem o fim do aumento das tarifas de transporte público, que subiram de R$ 3 para R$ 3,50, não teve problemas para se concentrar diante do Theatro Municipal, no centro da cidade.

    Ali, uma assembleia com todos os manifestantes definiu o trajeto que seria percorrido pela passeata. Duas integrantes do MPL apresentaram o plano para o major Larry, que elogiou a postura dos ativistas. “Sabemos o caminho e isso facilita. Já estamos abrindo caminho por onde vamos passar. Estamos em diálogo com o movimento”, afirmou na saída do ato. Fazia sol e calor. Era a primeira vez na semana que uma tarde terminava sem chuva, e crianças andavam de skate e plantavam bananeira diante dos “robocops” da PM.

    A marcha deixou o Theatro Municipal às 18h10 e subiu a Rua da Consolação em direção à Avenida Paulista. Pelas contas da PM, havia cerca de 5 mil manifestantes. O movimento contabilizou 30 mil. Destes, cerca de 200 eram black blocs, que acabariam dando início à violência. A Polícia Militar reuniu cerca de 800 homens, incluindo a Tropa de Choque e policiais deslocados de batalhões da zona norte e sul.

    “Não estudou, virou gambé”

    Na Consolação, o protesto inicialmente fechou a rua apenas no sentido Paulista, conforme alinhado entre o movimento e a polícia. Próximo ao Cemitério da Consolação, contudo, um grupo de manifestantes mascarados tentou bloquear a rua no sentido centro, gritando: “você aí do lado, também é explorado!”. PMs da Força Tática fizeram uma barricada humana, com escudos, para forçar os manifestantes a voltar para o outro sentido da rua. O MPL bem que pediu para que todos obedecessem, mas não teve jeito. O grupo de mascarados voltou a invadir a pista sentido centro e espalhou sacos de lixo na rua para bloquear o trânsito.

    “A polícia começou a jogar bomba aleatoriamente e a gente ficou encurralada”

    A tensão subiu quando parte dos manifestantes começou a xingar os PMs que acompanhavam o ato de “assassinos” e a puxar palavras de ordem que diziam “é, é, é não estudou virou gambé” e “não estudou, tem que estudar, pra não virar Polícia Militar”, além de “coxinha, libera minha farinha” e “coxona, libera minha maconha”.

    O protesto pacífico terminou quando a marcha começou a chegar na Avenida Paulista, onde a PM havia montado nova barricada, com a Tropa de Choque e o carro blindado Centurion, por volta das 19h30. A maioria dos manifestantes nem chegou à Paulista. Nesse momento, black blocs atearam fogo em sacos de lixo e quebraram as vidraças de uma agência do banco Santander, na Consolação. Os policiais reagiram atirando bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral e disparando balas de borracha.

    Em nota, a PM afirma que usou “técnicas de dispersão” para “conter aquelas pessoas que, lamentavelmente, agrediram policiais a pedradas, além de atacar estabelecimentos comerciais, bancos e veículos do transporte público”. Para quem estava na rua, a repressão não pareceu tão técnica. O alvo dos policiais foi muito além dos black blocs, atingindo todos os manifestantes e pessoas que passavam pela rua. “A polícia começou a jogar bomba aleatoriamente e a gente ficou encurralada na Consolação, sem ter para onde correr”, contou a estudante Ariane Oliveira, 19 anos, enquanto seu nariz sangrava por causa do gás lacrimogêneo e recebia um curativo de um dos voluntários da passeata.

    Em fuga, as pessoas se escondiam dentro de bares e lojas que baixavam as portas de ferro. As estações Consolação e Trianon-Masp foram fechadas. Na avenida Angélica, manifestantes depredaram uma agência do Banco do Brasil e botaram fogo em lixo na rua. Concessionárias de veículos na Rua Augusta também tiveram os vidros quebrados.

    Vidro e sangue

    Enquanto black blocs quebravam vidros, a polícia derramava sangue. O fotógrafo freelancer Felipe Malavasi Bruno levou um tiro de bala de borracha na virilha. Sua namorada, Victoria Kaherine Silva, 16 anos, disse que ele se identificou como fotógrafo antes de ser baleado: “Ele levantou a câmera para dizer que estava a trabalho, mas mesmo assim miraram e atiraram nele”.

    A estudante Fernanda Barreto, 19 anos, conta que entrou com um grupo de manifestantes numa padaria para fugir do gás lacrimogêneo e lavar o rosto. Ao ver a polícia agredindo pessoas nas ruas, começaram a gritar “polícia fascista”. “Os PMs entraram na padaria, puxaram meu namorado e começaram a arrebentar ele com cassetete. Fui entrar no meio e apanhei”, disse Fernanda, mostrando vergões vermelhos nas coxas, braços e embaixo no queixo.

    Feridos rodaram por duas horas dentro dos ônibus da PM até serem levados para delegacia.

    Não parou por aí. “Eu comecei a olhar para o policial que tinha me batido e perguntar se ele não tinha coração. Outro PM me perguntou se eu estava encarando o policial porque queria dar a boceta para ele”, disse Fernanda. Ela disse ser contra as táticas violentas dos black blocs. “Eu parto do princípio de que, se está depredando, tem que ser detido. Mas eu não joguei pedra em ninguém. Nem eu, nem meu namorado.”

    Tanto o namorado de Fernanda, Silas Rodrigues, quanto o fotógrafo Felipe, baleado na virilha, estavam entre os 51 detidos pela polícia. Além de Felipe, havia outros três feridos entre as pessoas presas, que passaram duas horas rodando em dois ônibus da PM antes de finalmente serem levados ao 78º DP, nos Jardins. Eles foram ouvidos e liberados na madrugada de hoje. Não há informação de PMs feridos.

    Na nota emitida logo após o ato, o MPL não reconheceu a responsabilidade do grupo de manifestantes mascarados que deu início à violência e culpou apenas a polícia. “Quando a marcha subia a rua da Consolação, a PM iniciou a repressão, prendendo um grupo de manifestantes”, afirma a nota, omitindo que os manifestantes haviam depredado uma agência bancária. O texto afirma que “os governos deixam sua resposta à justa reivindicação popular contra a tarifa: longe de discutir a revogação dos aumentos que decretaram, Alckmin e Haddad respondem só com violência” e convoca para um segundo ato, na próxima sexta-feira (16).

    A Polícia Militar respondeu à nota do movimento, afirmando que “lamenta que, por meio do silêncio, o Movimento Passe Livre (MPL) endosse os atos de vândalos que depredaram o patrimônio público e privado”.

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