Em 3 dias, PM de SP mata o mesmo que, em média, mataria em uma semana

    Estatísticas de mortes decorrentes de intervenção policial apontam 2 homicídios registrados por dia neste início de 2019; entre o fim da noite de sexta-feira (29/3) até segunda (1/4) PM matou 14 pessoas

    Ações da Polícia Militar do Estado de São Paulo em três dias resultaram na morte de 14 pessoas, mesma quantidade que seria registrada ao longo de uma semana inteira quando levada em consideração a média de dois mortos por dia pela PM paulista neste início de 2019. Os dados oficiais são SSP (Secretaria da Segurança Pública) do estado.

    Entre o final da noite de sexta-feira (29/3), madrugada de sábado (30/3) até a noite de segunda-feira (1/4), ocorrências envolvendo PM terminaram com homicídios em seis bairros diferentes de São Paulo: Ipiranga (4 mortos), Parelheiros (2), Jardim Arpoador (1), Sacomã (1), Penha (1) e Parque São Rafael (1) – e em três cidades na Grande São Paulo – Itapecerica da Serra (2), Mauá (1) e Carapicuíba (1).

    Três pessoas morreram em apenas um desses casos, em suposta perseguição da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), considerada a tropa de elite da corporação. Os homens suspeitos estavam em um veículo Vectra e teriam atirado, segundo a versão dos policiais, e o revide matou o trio – um morto na hora, os outros dois após serem socorridos e levados ao hospital.

    Os casos de MDIP (Morte Decorrente de Intervenção Policial) registrados em janeiro e fevereiro de 2019 dão uma média de 2 homicídios praticados por PMs por dia. São 67 e 52 ocorrências registradas (119 no total) nestes meses, respectivamente, ao longo dos 58 dias iniciais do ano.

    Tomando por base essa média, seria necessária uma semana inteira (7 dias), para as 14 mortes registradas neste sábado, domingo e segunda-feira.

    A estatística do primeiro bimestre mostra resultado equivalente ao mesmo período do ano passado, quando 120 pessoas morreram em janeiro e fevereiro (61 e 59 casos, respectivamente), mas está 23% abaixo dos 153 casos registrados nos dois primeiros meses de 2017.

    No entanto, a estatística de março mostra crescimento de 43%, de acordo com dados da Corregedoria da PM: há um salto de 53 homicídios cometidos por policiais há dois anos frente a 76 ocorrências no mesmo intervalo de 31 dias ao longo de março de 2019.

    A curva ascendente deste mês, somada à quantidade acima da média de mortos em três dias, chamam a atenção do ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano. “Evidente que é preocupante quase 11 mortes decorrente de intervenção policial em quase 24 horas [sobre casos no sábado e domingo]. O mês de março é preocupante, é atípico do ponto de vista do aumento da letalidade”, afirma.

    Mariano se reuniu com o Corregedor da PM, o coronel Marcelino Fernandes, para cobrar apurações das 11 mortes. O encontro, ocorrido na segunda-feira, precedeu a ação da Rota com três vítimas. “Não me arriscaria dizer as razões ou justificativa do aumento. Como ouvidor, minha preocupação é essa curva ascendente de março. Em janeiro e fevereiro, manteve a média dos outros anos”, explica Mariano.

    No encontro, o ouvidor reforçou a recomendação feita pelo órgão de criar um setor dentro da Corregedoria que investigue somente casos de pessoas mortas pela polícia. Estudo da Ouvidoria constatou que somente 3% de todas as MDIP estão sob responsabilidade da Corregedoria, enquanto 97% das mortes são apuradas dentro dos batalhões e companhias às quais os PMs trabalham – e por profissionais próximos e com vínculos junto aos investigados.

    Tanto o secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, quanto o governador de SP, João Doria (PSDB), estão cientes da recomendação de Benedito Mariano. O ouvidor se reunirá com o general no dia 7 de abril para levar esta e outras demandas geradas de estudos da Ouvidoria.

    Para o coronel reformado da PM paulista, Adilson Paes de Souza, o crescimento nos homicídios causados por policiais pode ser gerada pela situação política vivida pelo país – e por São Paulo. “O que explica isso é uma certa influência do discurso cada vez mais exacerbado da atuação policial violenta, do pacote proposto pelo ministro Sérgio Moro, no qual há o alargamento do que é legítima defesa… Isso é um suporte para a política, que aumenta as mortes causadas. Pode ser uma das causas”, analisa.

    Questionada pela reportagem sobre as 14 mortes, a PM, comandada pelo coronel Marcelo Vieira Salles, enviou a seguinte nota: “A Polícia Militar esclarece que todas as circunstâncias relativas ao caso são alvo de apuração pelo competente Inquérito Policial Militar”.

    Segundo a SSP, a investigação específica sobre a ação da Rota com três mortos “foi registrada pelo DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) como roubo de veículo, resistência e morte decorrente de intervenção policial e é investigada pela 3ª Delegacia de Repressão a Homicídios Múltiplos. Um IPM (Inquérito Policial Militar) foi instaurado e a Corregedoria da Polícia Militar acompanha”, explica.

    Quanto aos outros casos de MDIP, a pasta sustenta à Ponte que “defende a investigação rigorosa de todas as ocorrências e tem trabalhado para reduzir os casos de morte em decorrência de intervenção policial. No primeiro bimestre deste ano, houve queda de 1% desses casos no Estado, em comparação ao mesmo período do ano passado”, diz, exemplificando como medida para reduzir estas ocorrências a Resolução SSP 40/2015, “que garante maior eficácia nas investigações de mortes em decorrência de intervenção policial, com o comparecimento das Corregedorias e dos Comandantes da região, além de equipe específica do IML e IC. Essas ocorrências são investigadas por meio de IPM pelos batalhões e também pela Polícia Civil, além de serem acompanhadas pela Corregedoria da PM”, detalha a SSP.

    *reportagem atualizada já que as primeiras mortes aconteceram no final da noite de sexta-feira (29/3) e não a partir de sábado (30/3), como informado anteriormente

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