PM vai a júri popular por matar atriz no interior paulista

    Lua Barbosa foi baleada pelo cabo Marcelo Aparecido Domingos Coelho em uma blitz quando andava de moto com o namorado, em Presidente Prudente, em junho de 2014

    Lua Barbosa, a palhaça Meia Lua Quebrada, em uma apresentação | Foto: Reprodução/Facebook

    O cabo Marcelo Aparecido Domingos Coelho será submetido a julgamento em júri popular pelo assassinato da atriz e produtora cultural Luana Carlana de Almeida Barbosa, que interpretava a palhaça Meia Lua Quebrada, como era chamada, foi baleada pelo PM em uma blitz quando andava de moto com o namorado, em Presidente Prudente, no interior paulista, no dia 27 de junho de 2014.

    A 13ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) reafirmou a decisão da 1ª instância para levá-lo ao tribunal do júri por homicídio simples. A data do julgamento ainda não foi marcada, pois a advogada do cabo havia entrado com recurso contra a primeira decisão. A defesa alega que o policial não teve a intenção de matar a atriz e que houve cerceamento da defesa quando negado um pedido para realizar nova perícia em sua arma.

    Para justificar a ação, o cabo Coelho argumenta que o casal desobedeceu a ordem de parada na blitz de trânsito, feita na avenida Joaquim Constantino, e manobraram a moto em sua direção. A reação do PM foi sacar a arma e se afastar, segundo ele. Nesse momento, o capacete de Felipe Barros, namorado de Luana, teria batido na pistola do policial militar e disparado acidentalmente contra a atriz, que estava na garupa. Felipe aponta que não parou o veículo por problemas de freio, que não houve impacto no capacete e que o cabo apontou a arma na sua direção.

    O TJ negou recurso por entender que a defesa só se manifestou após o tempo para coleta de provas, chamada de fase de instrução, quando se pode solicitar nova avaliação pericial. O inquérito finalizado constatou que a arma não poderia disparar com um impacto, como dito pelo PM. Além disso, a sentença indica que não ficou clara a ausência de intenção, cabendo ao juiz do caso decidir se houve ou não crime contra a vida. “O que se observa é que a defesa, em suas argumentações, não demonstrou força para sobrepor a prova acusatória que, nesse momento, se mostra robusta e suficiente para levá-lo a júri popular”, sustentou o relator e desembargador Cardoso Perpétuo.

    Desde 1996, os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares contra civis são de competência da Justiça comum. O desembargador também sustenta na decisão que não é preciso ter certeza da prática de homicídio doloso para que o PM Marcelo Aparecido Domingos Coelho seja submetido ao julgamento popular, já que “a dubiedade de prova não beneficia o réu na fase de pronúncia”.

    Esse entendimento é similar ao proferido pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) que anulou a decisão do TJM (Tribunal de Justiça Militar), em 2015, que na esfera criminal absolveu o cabo Marcelo por homicídio culposo (quando não há intenção), e transferiu o processo para a competência da Justiça Comum. Os ministros da 3ª Seção do STJ argumentam que, no caso de dúvida sobre o dolo do crime, impera o princípio “in dubio pro societate”, que significa “a favor da sociedade”.  O MP (Ministério Público) denunciou Coelho por homicídio doloso (quando há intenção).

    Espaço de arte batizado em homenagem à atriz | Foto: Reprodução/Facebook

    Em abril de 2015, o Comando Geral da PM chegou a exonerar o policial por entender que ele cometeu “atos atentatórios à instituição e aos direitos humanos fundamentais, consubstanciando transgressão disciplinar de natureza grave” ao “disparar arma por imprudência, negligência, imperícia, ou desnecessariamente”, conforme o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar.

    No entanto, em outubro de 2017, o cabo Coelho foi reintegrado ao 18º batalhão após entrar com recurso. Isso porque o juiz Marcos Fernando Theodoro Pinheiro, do TJM, entendeu que a absolvição na esfera criminal também valia no quesito administrativo. “Não é razoável a mesma conduta estar acobertada pela excludente da legítima defesa na ótica penal e sob o ponto de vista disciplinar, não. Os seus elementos – moderação, injustiça e iminência da agressão e uso dos meios necessários – são exatamente os mesmos”, escreveu o magistrado.

    O caso de Luana, na época, só passou a ser investigado pela Polícia Civil após pressão de amigos e familiares com requerimento feito pela Ouvidoria. Inicialmente, a delegacia seccional da região classificou o crime como homicídio culposo e encarregou a apuração apenas à Polícia Militar, justamente corporação a qual o cabo é integrante. Com a pressão, o inquérito aberto pela Civil categorizou o homicídio como “dolo eventual” pelo fato de o policial ter assumido o risco, mas não previa a morte como consequência.

    À Ponte, a advogada do PM, Renata Cardoso Camacho Dias, disse que entrou com recurso de embargos de declaração contra a sentença da 13ª Câmara. Segundo ela, compete ao TJM o julgamento do caso por homicídio culposo.

    A Secretaria de Segurança Pública informou que, após ser reintegrado à PM paulista, o policial está realizando funções no setor de logística do 18º BPM/I (Batalhão de Polícia Militar do Interior) – baseado em Presidente Prudente e contemplando 21 cidades no extremo oeste de São Paulo. O inquérito policial militar foi encerrado, bem como os demais procedimentos administrativos.

    ‘Não quero que minha filha seja só estatística’

    Amigos e familiares de Luana tentam manter viva a sua memória desde o dia 27 de junho de 2014. As manifestações exigindo justiça se fazem presentes todos os anos, como um ato artístico marcado para o dia 7/7, na Praça 9 de Julho, também em Presidente Prudente. Um grupo de artistas da cidade batizou um ponto de cultura como “Galpão da Lua”, em homenagem à atriz. Lua faria 29 anos no dia 26/6.

    “Ela era minha filha mais velha. Tenho outra que tem síndrome de Down e que completou 25 anos agora, idade que a Luana tinha quando morreu. Está sendo bem difícil porque elas eram muito apegadas”, conta Marcos de Almeida Barbosa, de 62 anos, pai da atriz.

    Para Marcos, a decisão da 13ª Câmara é “o mínimo que se pode esperar, porque a maioria dos crimes que acontecem cometidos por agentes do Estado permanecem impunes”. “Nós marchamos todos os anos porque eu não quero que minha filha seja apenas uma estatística”, desabafa.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas