‘PMs da UPP atiram a esmo para ter revide dos traficantes’, diz morador

    Moradores de Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, no Rio, relatam invasões de casas e outras violações por parte de PMs; um jovem foi morto e uma mulher foi ferida na segunda-feira (12/6) por disparos que, segundo testemunhas, partiram de policiais da UPP local

     

    Moradores levam Fabiano José da Costa Júnior, de 19 anos, morto no Pavão-Pavãozinho. | Foto: Reprodução/DefeZap

    A semana começou em clima de tristeza e revolta para moradores das favelas Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, localizadas na divisa dos bairros de Copacabana e Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro. Na segunda-feira (12/6), Fabiano José da Costa Júnior, de 19 anos, foi morto por policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) local, segundo moradores, e uma mulher identificada apenas como Cleonete foi baleada no braço, durante a mesma operação. Também há relatos de agressões a moradores por parte de policiais do Batalhão de Choque da PM que participaram da operação.

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    Um vídeo enviado ao DefeZap, que não será exibido na reportagem para não expor moradores a riscos, mostra o momento em que o jovem foi socorrido por pessoas da comunidade, que levaram seu corpo para o Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon. Mas, de acordo com uma moradora, após ser atingido na cervical, Fabiano morreu no local.

    Um morador, que não será identificado por segurança, afirma que o disparo que atingiu o jovem partiu de policiais da UPP que estavam em um prédio na rua Saint Roman, no Cantagalo, que oferece uma visão privilegiada da comunidade do Pavão. O prédio, que ainda não foi ocupado por nenhuma família por faltar a realização de acabamentos, tem sido usado como base por alguns policiais da UPP, segundo ele.

    “Ficam ali mirando em quem passa e o morador fica no fogo cruzado, entre eles atirando do prédio e o revide de traficantes. E na maioria das vezes o transformador é atingido e a comunidade inteira sofre com a falta de luz. Dessa vez eles entraram nesse prédio, que é do lado de um conjunto de creches, onde há muitas crianças ao redor, e fizeram o disparo dali”, afirma.

    Ao lado da edificação, há um conjunto escolar. “Eles é que têm que se conscientizar de que eles não podem levar o morador jamais ao risco. Se existe um prédio ao lado, eles vão esperar acontecer a mesma coisa que aconteceu com a menina Maria Eduarda?”, revolta-se o homem, referindo-se ao episódio em que a adolescente Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, foi atingida por disparos efetuados por policiais e morreu dentro da Escola Municipal Daniel Piza, na Pavuna, onde estudava. “Se existe uma escola do lado, eles jamais podem fazer operação ali naquele prédio. É só um muro que divide o prédio e a escola”, enfatiza.

    Policiais em frente ao muro que separa o prédio que eles usam como base/observatório da escola | Foto: Arquivo pessoal
    PM subindo o morro do Pavão, na zona sul do Rio | Foto: arquivo pessoal

    Ele conta ainda que alguns policiais da UPP Pavão/Cantagalo têm simulado tiroteios em horários escolares: “eles chegam em determinadas localidades da comunidade e começam a atirar a esmo para poder ter um revide da parte dos traficantes”. Do alto do prédio, segundo ele, os policiais fazem “uma série de disparos, sem olhar em quem estão atirando, quem está vindo, colocando a vida de moradores e crianças em risco”, denuncia.

    Para ele, a relação das polícias com a comunidade precisa mudar. “Eles não estão nem um pouco preocupados com a vida das crianças, dos moradores”, critica. “A comunidade não é composta por 100% de marginais. Ela é composta por pessoas de bem e uma minoria comete crimes. E não tem da parte da polícia respeito aos moradores da comunidade”, desabafa.

    O tiroteio, que começou de manhã cedo na segunda, durou até terça (13), período durante o qual os moradores de Pavão-Pavãozinho e Cantagalo ficaram sem luz porque policiais atiraram contra o transformador. “Eles deram um tiro no transformador para acabar com a luz da comunidade, que já estava sofrendo com falta de água porque uma tubulação tinha estourado na rua Sá Ferreira [em Copacabana]. Então, além de ficar sem água a gente ficou sem luz”, diz o morador.

    Fios totalmente danificados depois de disparos da PM | Foto: Arquivo pessoal

    Paredes, chão e muros de casas de moradores foram perfuradas por projéteis, como mostram as fotos abaixo, enviadas à Ponte Jornalismo:

    Diferentes casas foram atingidas pelos disparos | Fotos: arquivo pessoal

    PMs do Choque invadiram casa e agrediram morador

    Um morador do Cantagalo, que não será identificado por temer represália, relata à Ponte que cinco policiais do Batalhão de Choque da PM invadiram a casa dele, o agrediram e apontaram armas para o seu pai.

    “Uns bandidos que estavam numa laje jogaram uma bomba e um policial falou ‘me cegou, me cegou!’. Aí os bandidos correram, os policiais chamaram reforço e começaram a bater nas portas das casas. Bateram na minha porta e eu não abri, porque eu não sabia quem era. Eu perguntei ‘quem é?’ e não falaram nada. Aí um policial que estava do outro lado da laje falou ‘abre a porta’. Eu abri e, nessa, o policial colocou uma doze na minha cara e chutaram meu rosto. Dois entraram e colocaram a pistola na cara do meu pai”, conta o jovem de 23 anos.

    Marca no rosto deixada por agressão de policiais | Foto: Arquivo pessoal

    “Eu não vi mais nada, quando vi já estava do lado de fora [de casa], eles na maior gritaria ‘levanta, levanta, levanta!’. Nisso eu acordei meio desnorteado, um policial falou ‘vão bora, vão bora’ e eles foram”, diz ele. “Eu fui lesado, espancado, oprimido por eles. Se não fosse Deus pra me guardar, eu não estava nem aqui contando isso”, completa.

    Costas de morador ferido por chutes de policiais dentro da própria casa | Foto: Arquivo pessoal

     

    Outro lado

    A Ponte Jornalismo questionou o Comando de Polícia Pacificadora e a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro sobre as violações denunciadas por moradores. Também questionou a Polícia Civil acerca da apuração das circunstâncias da morte do jovem pela Divisão de Homicídios da Capital e o registro da ocorrência da moradora baleada.

    Ao Comando de Polícia Pacificadora, a reportagem enviou as seguintes perguntas:

    1. Em que circunstâncias foi morto Fabiano José da Costa Júnior, na segunda-feira (12)?
    1. Em que circunstâncias uma moradora foi baleada no braço?
    1. Há relatos de que policiais da UPP têm invadido um prédio que fica na região da Rua Saint Roman, no Cantagalo, e realizado disparos a esmo, inclusive em horários escolares. Como o Comando de Polícia Pacificadora se posiciona com relação a isso?
    1. Também há relatos de que a falta de luz na comunidade na segunda-feira deveu-se ao fato de PMs terem atirado no transformador. Como o Comando de Polícia Pacificadora se posiciona com relação a isso?

    Por meio de sua assessoria de imprensa, a corporação enviou a seguinte nota:

    “Segundo o comando da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Pavão/Pavãozinho/Cantagalo, policiais em patrulhamento na tarde desta segunda-feira, 12/06, foram atacados por criminosos na localidade conhecida como “Beco do Mituca”. Houve confronto e o Batalhão de Choque (BPChoque) foi acionado para reforçar área.

    Posteriormente, o comando da Unidade recebeu a informação de que um homem e uma mulher feridos deram entrada no Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon. O homem não resistiu. O caso foi registrado na 13ª DP (Ipanema).

    Sobre as denúncias, os relatos de invasão ao prédio e tiros a esmo foram repassadas ao comando.  Quanto a falta de energia na comunidade, a UPP esclarece que foi ocasionado pelo rompimento de um fio durante o confronto”.

    As perguntas seguintes foram enviadas à PMERJ, que não respondeu até a publicação desta matéria:

    1. Em que circunstâncias foi morto Fabiano José da Costa Júnior, na segunda-feira (12)?

    2. Em que circunstâncias uma moradora foi baleada no braço?

    3. Moradores afirmam que policiais do Choque invadiram casas sem mandado e agrediram pessoas. Como a PMERJ se posiciona sobre isso?

    4. Há relatos de que policiais da UPP têm invadido um prédio que fica na região da Rua Saint Roman, no Cantagalo, e realizado disparos a esmo, inclusive em horários escolares. Como a PMERJ se posiciona com relação a isso?

    5. Também há relatos de que a falta de luz na comunidade na segunda-feira deveu-se ao fato de PMs terem atirado no transformador. Como a PMERJ se posiciona com relação a isso?

    6. Que equipes da PMERJ participaram das ações ocorridas entre segunda e terça-feira desta semana no Pavão e Cantagalo?

    Os seguintes questionamentos foram enviados à Polícia Civil, cuja assessoria de imprensa afirmou que verificaria as informações, mas não deu retornou até esta publicação:

    1. A Divisão de Homicídios foi acionada para apurar as circunstâncias da morte de Fabiano José da Costa Júnior, na segunda-feira (12), por PMs da UPP local? A área onde aconteceu a morte foi periciada?

    2. Uma moradora também foi baleada no braço por policiais. A ocorrência foi registrada? Se sim, em que circunstâncias ela foi ferida?

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