PMs invadem casas em busca de jovem que já estava preso. No lugar dele, torturam e prendem seus irmãos

Welington Rocha foi absolvido na Justiça da acusação de ter matado um PM, mas, segundo denúncias, policiais militares continuam a perseguir o jovem e sua família na Favela da Ilha, em São Paulo

Carro da Polícia Militar em operação na favela da Ilha, na zona leste de SP | Foto: Movimento Nome dos Números

Policiais militares do Batalhão de Choque invadiram pelo menos cinco casas, sem mandado judicial, na Favela da Ilha, localizada no Parque Santa Madalena, na zona leste da cidade de São Paulo, em busca de Welington Rocha, o Lelo, de 28 anos, na manhã de 14 de maio, conforme relatos de moradores.

Lelo, porém, não estava em casa, e por um bom motivo. O jovem que os policiais buscavam prender já estava preso. Lelo, que é negro, foi detido em 18 de julho de 2018 e atualmente cumpre pena em regime semiaberto no Centro de Progressão Penitenciária de Franco da Rocha, na Grande São Paulo.

Sem conseguir encontrar Lelo, que estava numa prisão a 50 quilômetros dali, os policiais agrediram um irmão dele até convulsionar, segundo testemunhas, e acabaram levando preso um outro irmão dele, Luiz Fernando da Rocha. Ele foi preso na rua, mas os PMs afirmam que ele seria o dono de drogas que teriam sido encontradas dentro de um barraco.

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Uma das casas invadidas pelos PMs foi de familiares de Lelo. Os policiais militares teriam apresentado fotos do rapaz e perguntado sobre o paradeiro dele. “A gente estava tomando café, quando eles entraram sem permissão e começaram a perguntar se tinha alguém devendo ou com passagem. Todos falamos que não. E eles disseram que já sabiam do fato que aconteceu do outro menino [referindo ao Lelo]. A gente falou que ninguém tinha nada a ver, mas eles falaram que a gente precisava falar”, conta uma sobrinha de Lelo, que estava no local. 

De acordo com a sobrinha, os policiais não acreditavam que Lelo estava preso e levaram um irmão dele, morador da casa, para um quarto da residência. Ali, iniciaram uma sessão de tortura que durou cerca de meia hora. “Todo mundo falava que ele estava preso, mas os policiais diziam que, se a gente não falasse onde ele estava, todo mundo iria preso por tráfico e a casa ‘viraria’ uma refinaria [de drogas]”, conta. 

O depoimento de uma testemunha, documentado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, afirma que o irmão do Lelo “levou um tapa no peito, em seu ombro, [os policiais] apagaram a luz do quarto e também colocaram a arma dentro da sua boca”. O documento ainda destaca que, durante as agressões, a vítima teve uma convulsão, pois sofre de epilepsia.

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Depois do período de tortura na casa, os PMs teriam perguntado sobre Luiz Fernando da Rocha, um outro irmão de Lelo. A família disse que Fernando estava trabalhando como servente de pedreiro na própria favela. 

“O policial me perguntou onde ele estava trabalhando, eu indiquei que era na frente de casa. Chegando lá, pegaram o Fernando e levaram lá para cima, no meio dos barracos, e não voltaram mais”, conta a sobrinha. A Polícia Militar atribuiu ao irmão de Lelo drogas supostamente encontradas em um barraco e o prenderam em flagrante por tráfico. 

“Ressalte-se que o boletim de ocorrência indica que houve a prisão de um indivíduo [Luiz Fernando], sem drogas, sem dinheiro e que, sem motivo aparente, confessou ser traficante e indicou o local em que as drogas foram encontradas”, diz o defensor público Diego Polachini, ao pedir a liberdade provisória de Fernando. 

O defensor também destaca que “houve ingresso dos policiais no domicílio sem mandado judicial, não se cumprindo os requisitos mínimos para se demonstrar a autorização, como, por exemplo, por escrito ou filmagem do momento, em clara burla ao sistema judiciário que deveria ser o responsável pela autorização dos mandados de busca e apreensão”. 

Segundo testemunhas, participaram das ações ilegais as viaturas 92122, do 2º Batalhão de Choque (Anchieta), e 93000, do 3º Batalhão de Choque (Humaitá), a Tropa de Choque.

Histórico de violência 

Não foi a primeira vez que a família de Lelo e outros moradores da Favela da Ilha se tornaram alvos de violência policial. Em reportagem da Ponte publicada em outubro de 2016, moradores relataram agressões sofridas por Lelo e um adolescente de 13 anos. Na ocasião, os policiais ameaçaram voltar e “disseram que por causa do Lelo todo mundo ia morrer”, conforme relato de uma testemunha na época. 

Na época, o rapaz afirmou que as agressões e perseguições contra ele e sua família haviam começado antes, na véspera do Natal de 2013, quando o policial militar Edmar Rodrigo Exposto Gomes, 21 anos, foi assassinado na favela.

Desde então, moradores relatam que os policiais militares apontam Lelo como autor desse homicídio. O rapaz chegou, inclusive, a ser acusado e julgado pela morte do policial militar. No entanto, em 2016, o Tribunal do Júri o absolveu desse crime.  

Dois anos depois da absolvição, foi condenado por tráfico de drogas. Essa condenação o levou para prisão, um ano depois, e é por causa dela que cumpre pena atualmente. 

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Lelo deixou o presídio na última terça-feira (18/5), quatro dias após a ação da polícia, beneficiado pela saída temporária do Dia das Mães. Chegando na favela onde vive, foi informado por moradores e familiares que a polícia estava atrás dele para matá-lo. Desesperado, procurou por ativistas de direitos humanos que atuam na região para pedir ajuda.

O rapaz recebeu apoio do movimento Nome dos Números e assistência jurídica do Centro de Direitos Humanos de Sapopemba, região vizinha à favela da Ilha. No mesmo dia, foram ao DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, onde registraram um boletim de ocorrência de ameaça, e na Corregedoria da Polícia Militar, onde também foi registrado sobre a possível perseguição.

O caso também é acompanhado pela Ouvidoria de Polícias do Estado de São Paulo. “Recebemos a denúncia, achei consistente e requisitei apuração da Corregedoria da PM, inclusive sobre o episódio intermediei ao DHPP, diante das gravidades da denúncia”, disse o ouvidor Elizeu Soares Lopes.

Outro lado

A Ponte enviou para Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e para a Polícia Militar as informações relatadas pelos moradores sobre a possível prisão injusta de Luiz Fernando Rocha e perseguição de Welington Rocha, e fez os seguintes questionamentos:

1. A Polícia Militar tinha autorização judicial para entrar em alguma residência da avenida Marginal do Oratório durante a operação policial no dia 14 de maio?

2. Foi encontrado algo de ilícito na casa de Luiz Fernando Rocha ou durante a revista pessoal realizada nele?

3. Por que os policiais militares apresentavam fotografias do detento Welington Rocha e procuravam por ele na favela onde ele residia antes de ser preso?

4. Como estão as apurações feitas pelo DHPP e Corregedoria da PM?

A Ponte aguarda uma resposta.

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