PMs que, segundo as famílias, executaram 3 jovens negros em Salvador seguirão trabalhando nas ruas

Corporação comandada por governador Rui Costa (PT) disse em nota que policiais envolvidos não foram afastados das atividades; entidades cobram transparência em investigação

Velório de Patrick Sapucaia
Velório de Patrick Sapucaia, morto pela PM de Salvador em 02/03/2022 | Foto: Felipe Iruatã

A Polícia Militar da Bahia decidiu não afastar os policiais militares envolvidos numa ação que resultou na morte de três jovens negros na comunidade Solar do Unhão, que fica na região da Gamboa, em Salvador. O caso aconteceu na madrugada de terça-feira (1/3) e pessoas próximas contestam a versão da polícia.

Os PMs alegam que foram recebidos a tiros no local, mas moradores e familiares de Alexandre dos Santos, 20 anos, Patrick Sapucaia, 16, e Cleberson Guimarães, 22, afirmam que houve execução. Eles realizaram um protesto no mesmo dia – que pode ser visto ao longo da matéria nas imagens cedidas à Ponte pelo fotojornalista Felipe Iruatã.

Silvana Santos, mãe de Alexandre, em protesto pela morte do filho | Imagem: Felipe Iruatã

A corporação informou que instaurou um inquérito e que o caso está em fase de apuração preliminar na Corregedoria. “Os armamentos utilizados nas ocorrências que resultam em morte são de praxe encaminhados para perícia”, disse em nota.

Por meio do perfil no Instagram, a PM baiana negou que tenha praticado algum crime. A “Nota de Repúdio” diz que os militares não são criminosos, chama de “levianas” as acusações feitas pelos familiares e vizinhos dos mortos e alega que não há “conivência com quaisquer projetos de natureza criminosa ou genocida”.

Moradores acusam policiais em protesto | Imagem: Felipe Iruatã

“A orientação do Comandante Geral da PMBA, passada a toda a tropa é que a polícia exerça suas funções rigorosamente dentro da lei e em defesa da sociedade”, diz um trecho da publicação. As identidades dos policiais envolvidos não foram divulgadas.

Sangue dos jovens mortos | Imagem: Felipe Iruatã

Enquanto isso, os corpos Alexandre, Patrick e Cléberson foram enterrados nesta quarta-feira (2/3) em clima de forte comoção. Patrick, que além de filho, sobrinho e neto de policiais militares, estava no oitavo ano do ensino fundamental, e era ogã de Xangô, responsável por tocar os tambores no terreiro. Durante o sepultamento, e seguindo os rituais do candomblé, os orixás Xangô, Ogum e Oxum se manifestaram no povo de santo.

“Até quando a carne mais barata será a negra? Até quando a carne negra será abatida por balas? Até quando os corpos de nossos jovens serão alvos dessa política genocida do povo negro?”,disse a educadora social e ialorixá Alana de Carvalho, do terreiro de Angola Unzo Quesibi no Calabar durante o enterro de Patrick, conforme relatou o repórter Bruno Wendel, no site Correio 24h.

Cortejo fúnebre de Patrick Sapucaia, com rituais de candomblé | Imagem: Felipe Iruatã

Já Alexandre era irmão do atacante Juninho do Esporte Clube São Bernardo do Campo, time que disputa a terceira divisão do Campeonato Paulista. Ao Correio 24h, a mãe, a garçonete Silvana dos Santos, 48, disse que aconselhou o filho a não ir ao enterro porque teria jogo.

Ela relatou que tentou impedir que Alexandre fosse levado pelos policiais. “Eu tentei salvar o meu filho, mas um policial botou a arma na minha cara. Ele ainda estava com vida, pedindo socorro, dizendo que ia morrer. Mas infelizmente não consegui impedir que matassem o meu filho. Botaram ele e os outros no porta-malas da viatura e saíram”.

Enterro de Patrick Sapucaia, que tinha apenas 19 anos | Imagem: Felipe Iruatã

O Coletivo de Entidades Negras cobrou a investigação do caso e declarou que acionará organismos internacionais de direitos humanos por violações graves contra a comunidade negra, já que a PM baiana “institucionalizou a pena de morte à revelia do ordenamento legal”.

“Toda ação policial que tenha a morte como resultado, seja de um civil ou de um militar, é uma ação mal sucedida, o que faz  da Polícia Militar do Estado da Bahia um exemplo de fracasso, ineficiência e imprecisão técnica. Continuaremos sem nos calar jamais ao extermínio das vidas negras!”, diz trecho da nota.

Moradores reuniram cartuchos encontrados no local das mortes | Imagem: Felipe Iruatã

À Ponte, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA (Ordem dos Advogados do Brasil) Eduardo Rodrigues disse que o órgão criou uma comissão especial para acompanhar o caso e que solicitou o afastamento dos policiais envolvidos: “Pedimos uma apuração rápida e transparente”. Rodrigues também informou que solicitou à Corregedoria da PM os autos do inquérito e o cumprimento da promessa do governo de implantar câmeras nas fardas.

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Por meio de nota, o secretário da Segurança Pública Ricardo Mandarino disse que determinou “apuração rigorosa” do caso. “Se a investigação comprovar que houve excesso, os envolvidos serão responsabilizados”” garantiu. Já o governador Rui Costa  não se manifestou sobre as mortes nem pelas redes sociais.

Com imagens cedidas pelo fotógrafo Felipe Iruatã: perfil no Instagram

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