Sérgio Vaz recebe prêmio de direitos humanos: ‘Tá no meu nome, mas é nosso’

    No exato dia em que comemora 30 anos do primeiro livro lançado, poeta idealizador da Cooperifa recebe homenagem na Assembleia Legislativa de SP pelo trabalho desenvolvido na quebrada paulistana

    D. Quixote de la Perifa, como é conhecido Vaz, recebeu prêmio na Alesp | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    O chão era de terra batida. A região da zona sul de São Paulo, em torno do Jardim Guarujá, foi reconhecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) o lugar mais violento do mundo. Ali, Sérgio Vaz lançava seu primeiro livro no dia 10 de dezembro de 1988. Neste mesmo dia, passados 30 anos, o poeta recebe o prêmio Santo Dias de direitos humanos. Um reconhecimento pela mudança feita na quebrada.

    Vaz fez da cultura um agente capaz de mudar realidades. Seja dentro das pessoas, seja no Bar do Zé Batidão, onde realiza o Sarau da Cooperifa todas as noites de terça-feira na zona sul de São Paulo. Os versos escritos ao longo dessas três décadas ajudaram a fazer da periferia paulistana um lugar melhor. O próprio Vaz reconhece tal feito, iniciado com o “Subindo a ladeira mora a noite”, nascido na década de 1980.

    “Trinta anos atrás a cena literária e cultural não é a mesma que é hoje na periferia. A gente teve que ralar muito e, hoje, vejo que a periferia, apesar de todos os problemas, está um pouco melhor. Nesses trinta anos, fizemos desmatamentos na cultura e pavimentamos ruas”, conta o poeta, contudo, atribuindo os avanços às ações coletivas.

    A homenagem recebida na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) é direcionada à pessoas ou instituições com ações em prol dos direitos humanos. Leva consigo o nome do operário Santo Dias, morto a tiros pela ditadura militar em 1979. Seu nome virou sinônimo de resistência e combate às violações de direitos. Santo Dias morava na zona sul de São Paulo, a quebrada que Sérgio Vaz ajudou a mudar parte do cenário.

    “É só analisar aquela região, agora tem uns dez saraus acontecendo só ali. Coletivos culturais cresceram, tivemos agora a Feliz, Feira Literária na Praça do Campo Limpo, temos a Mostra da Cooperifa, tem o Panelafro… Totalmente mudado. É outra vida culturalmente, demos um axé muito louco com vários coletivos, não só a Cooperifa”, conta o produtor cultural.

    Honraria é entregue para pessoas e organizações com legado pró-direitos humanos | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    E a mudança é interior, também. Segundo Vaz, a mentalidade de quem morava nas quebradas há 30 anos era a de encontrar uma forma de se mudar dos locais mais afastados do centro da cidade, onde o poder público se apresenta da forma mais cruel – seja na ausência de políticas públicas, seja com a violência policial. Em 2018, diz Vaz, a mente é outra.

    “Agora queremos mudar a periferia. Isso mudou na gente: este é o nosso lugar, é onde vamos viver, onde criaremos nossos filhos, então temos que melhorar isso aqui. ‘Ah, mas e o governo?’ Isso é problema do governo. A cultura é um braço forte”, explica. “Começamos a sonhar com as mãos, mudando a quebrada e nosso entorno. Não é uma coisa altruísta, até acho que é egoísta, de pensar: moro aqui, porque tem que ser zuado?”, continua.

    Dom Quixote de la Perifa, como é conhecido o poeta, adotou o apelido também por conta do primeiro livro que leu: Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, escrito na idade média. As aventuras do protagonista daquela história, cheio de ideais em meio à realidade complexa que se mostra diante de páginas e capítulos, se assemelha com as de Sérgio Vaz em sua caminhada. E caminhada vitoriosa.

    Desde o “Subindo a ladeira mora a noite” (1988), passando por “A margem do vento” (1991), “Pensamentos vadios” (1994), “A poesia dos deuses inferiores” (2005), “Colecionador de Pedras” (2007), “Cooperifa – Antropofagia Periférica” (2008), “Literatura, pão e poesia” (2011), “Flores de Alvenaria” (2016) até chegar no “Oração dos Desesperados” (2016). O legado escrito é fácil de listar. Difícil é compreender a dimensão do legado completo com as obras ou com um prêmio.

    Poeta posa com familiares, amigos e integrantes da Cooperifa, a quem ele dedicou ‘o nosso’ prêmio | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    “Ainda não sei a dimensão de receber o Santo Dias. Fiquei feliz pelas coincidências. As pessoas mais próximas estão felizes e, talvez, outras não estejam porque nem saibam que exista um prêmio como esse, de alguém tão importante como foi o Santo Dias na luta contra a ditadura. Não sei o impacto ainda”, confessa Sérgio Vaz, que faz questão de, mais uma vez, pluralizar a conquista.

    “Alguns amigo ficaram muito felizes porque sabem que não é meu, é de todos. Está em meu nome, mas a Cooperita está toda aí para ajudar a segurar. Talvez por ser o idealizador, as pessoas gravam o meu nome, é um tanto automático. É nosso, vai para o mesmo lugar que a gente mora, está tudo certo”, explica o poeta da periferia.

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