Polícia afirma que não entrou na casa onde matou jovem com deficiência intelectual; ‘Querem encobrir o caso mentindo’, diz mãe

A Polícia Civil do Maranhão informou que os policiais que mataram Hamilton Cesar Lima Bandeira, 23, na quinta-feira (17) em Presidente Dutra (MA), não invadiram a residência. “Como eles iam matar uma pessoa que estava dentro do quarto sem ter entrado na casa?”, questiona mãe

Morto com três tiros, Hamilton Cesar Lima Bandeira, 23 anos era conhecido por seu bom humor na comunidade | Foto: Arquivo Pessoal

Após matarem o jovem de 23 anos Hamilton Cesar Lima Bandeira na última quinta-feira (17/6), em Presidente Dutra (MA) por conta de postagens em redes sociais que remetiam a Lázaro Barbosa, criminoso procurado há 14 dias em Goiás, a Polícia Civil do Estado do Maranhão disse que não entrou na casa do avô de Hamilton e negou que a mãe do jovem tenha tentado abrir um boletim de ocorrência no mesmo dia. 

Em nota enviada à Ponte, a Secretaria de Estado da Comunicação Social do Maranhão afirmou que a Polícia Civil do Maranhão (PCMA) sublinha que “os policiais não entraram na casa”. “E esclarece que a mãe e a irmã compareceram à Delegacia, fizeram perguntas sobre o ocorrido, mas não pediram para registrar ocorrência. Ressalta que foi apresentada a elas a Portaria de Instauração do Inquérito Policial para apuração dos fatos. A PC informa que foram efetuados dois disparos, um na perna e outro no abdômen”, afirma o texto. 

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Ao contrário do que disse a Polícia Civil, a mãe de Hamilton, Ana Maria, 41 anos, confirmou novamente à Ponte que o direito de abrir um BO foi negado a ela e a sua outra filha. “Chegamos lá na delegacia, pedimos para fazer o BO, mas eles já tinham feito um BO com a versão deles, a minha filha pediu ainda o protocolo, o mandado de prisão, eles não deram nada, não deram nenhum papel para a gente, só falaram que o Hamilton foi pego em flagrante e que estavam averiguando o caso”. 

Ela também reitera que a casa foi invadida pelos policiais no início da tarde de quinta-feira (17/6). “O que eles estão falando é tudo mentira, eles já chegaram entrando, já se depararam com o Hamilton saindo do quarto e deram os três tiros, como eles iam matar uma pessoa que estava dentro do quarto sem ter entrado na casa? Eles querem encobrir o caso mentindo, mas a verdade vai aparecer”, diz Ana Maria, atendente em uma loja de conveniência em um posto de combustíveis.

Anteriormente em e-mail encaminhado à Ponte também nesta segunda-feira (21/6), a Polícia Civil do Maranhão (PC-MA) informou que esteve na residência. “Após denúncias de moradores, atendeu uma ocorrência de ameaça e apologia ao crime em uma residência no povoado de Calumbi. Ao chegar no local, o suspeito não acatou a ordem policial, atacando os agentes com uma arma branca (faca). Para conter a situação, policiais atiraram e um dos disparos atingiu o rapaz, que foi socorrido pelos policiais, levado ao hospital com vida, mas acabou vindo a óbito”.

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A Polícia Civil do Maranhão apontou que um inquérito policial foi instaurado para apurar as circunstâncias da ocorrência será acompanhado pelo Ministério Público e que posteriormente será encaminhado ao Poder Judiciário. Além disso, afirmou que a Secretaria de Estado de Direitos Humanos (Sedihpop) também está acompanhando o caso.

Conforme apurado pela reportagem, a Delegacia de Presidente Dutra havia publicado uma nota em sua conta do Instagram na sexta-feira (18/6) afirmando que Hamilton teria tentado reagir às ordens dos policiais com uma faca e que por isso os disparos com armas de fogo foram feitos. A nota entretanto foi apagada do perfil nesta segunda-feira (21/6).

A reportagem pediu esclarecimentos ao governador Flávio Dino (PSB), do Maranhão, por e-mail e ligação telefônica, mas até o momento Dino não se manifestou. O BO registrado conforme diz o post da delegacia foi pedido novamente.

Em nota enviada pela assessoria de imprensa, o Ministério Público do Maranhão informou que a investigação ficará sob os cuidados de outros delegados que não os de Presidente Dutra. Segundo o promotor de justiça Clodoaldo Nascimento Araújo, titular da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Presidente Dutra, “os delegados condutores do inquérito foram oficiados para que sejam realizados alguns procedimentos no âmbito da investigação, como a exumação do corpo pela perícia do IML para saber o local dos tiros; perícia nos projéteis retirados do corpo para exame de balística; e reconstituição do crime”.

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Nesta terça-feira (22/6), o advogado da família George Otávio, 27 anos, confirmou à Ponte que os policiais foram afastados. “Ambos estão sendo investigados pela Superintendência de Prevenção e Combate à Corrupção (Seccor) do estado do MA, estamos em conversa com o MP para exumação do corpo para perícia, não vamos deixar as provas passarem”, afirmou.  

Segundo ele nesta etapa ainda não é possível acusar por conduta ilícita os nenhum dos agentes sem a devida investigação, mas diz que há fortes indícios de crimes cometidos pelos policiais. “Precisamos de maior cautela, pois poderá dificultar as investigações. Até então nós apuramos que os agentes podem responder por inviolabilidade domiciliar, atentado a incolumidade física, abuso de autoridade e homicídio doloso. Há indícios de outros [crimes], porém não há provas suficientes ate o presente momento. Ao final a família ainda terá que lutar mais uma vez na Justiça por reparação a imagem e honra e pela perda do ente que foi executado dessa forma desastrosa”.

Ele ressalta que a família está concentrada na busca pela responsabilização pela morte de Hamilton. “Sequer pensam em danos morais contra o Estado, vez que, dinheiro nenhum vai trazer Hamilton de volta”, diz o advogado.

O caso

Hamilton Cesar Lima Bandeira tinha deficiência intelectual e tomava remédios controlados. Ele passou a ser alvo da polícia de Presidente Dutra depois de postar uma imagem na rede social Instagram com a seguinte legenda: “Eu sou teu ídolo, Lázaro. Boa sorte, Lázaro (sic)”. Lázaro Barbosa, 32 anos, é procurado pela polícia em Goiás há 12 dias sob suspeita ter matador ao menos cinco pessoas – um caseiro, em 5 de junho; um casal e os dois filhos, no dia 12. Os crimes foram em Cocalzinho de Goiás.

De acordo com a mãe, três dias antes de ser morto pela Polícia Civil, Hamilton tentava conseguir os medicamentos controlados que tomava. “Ele ligou para a mulher trazer os remédios dele, inclusive uma assistente social vinha conversar com ele, com a gente, para nos orientar, mas infelizmente não deu tempo. Ele tinha 23 anos, mas tinha mentalidade de um rapaz de 12 anos porque tinha um distúrbio mental”. 

O jovem tomava remédios controlados por conta de problemas mentais, disse a mãe | Foto: Arquivo pessoal

Hamilton foi morto por volta do meio-dia de quinta-feira (17/6), quando o avô do rapaz foi surpreendido com a chegada de três policiais, contou Ana Maria. “Meu filho entrou no quarto e deitou na cama. Quando o avô dele sentou para comer, os policiais chegaram e perguntaram se tinha mais alguém na casa. Foi quando o avô levantou da cadeira e falou: ‘estou só eu e o meu neto’. Nesse momento, Hamilton se levantou da cama, abriu a cortina [o quarto não tem porta] e, sem poder dizer nada, tomou três tiros seguidos, sem ele poder nem se defender”. 

No segundo tiro, Hamilton caiu e falou para o avô [a quem chamava de pai]: “Pai, está doendo demais!”. “Os policiais pegaram ele pelas pernas e pelos braços e o jogaram na viatura como se fosse um animal. Ele até machucou o rosto porque bateu nos ferros da viatura. Levaram imediatamente para o Socorrão [Hospital Regional de Urgência e Emergência de Presidente Dutra], mas ele já chegou lá sem vida”, contou Ana Maria.

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Assim que soube da morte do filho, Ana foi ao hospital e, depois foi à delegacia da Polícia Civil do Maranhão em Presidente Dutra, onde tentou registrar um boletim de ocorrência com a versão dos familiares sobre o que se passou dentro de sua casa, mas o delegado César Ferro, segundo a mãe, se negou a registrar o documento.

A última vez que Ana viu o filho foi na terça-feira (15/06). “Estávamos almoçando na casa da minha mãe, ele estava brincando falando para o meu pai que tinha visto moças bonitas”, conta a mãe que agora quer justiça pela morte de seu filho. “Eu quero justiça, quero lutar pela memória do meu filho, sei que não vai trazer ele de volta. Eu sei que a batalha vai ser difícil, mas não vou desistir. Enquanto estiver viva, vou lutar pela memória do meu filho”.

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