Roubo em Botucatu (SP): política de segurança ‘usa força com motoboy e fala fino com 30 caras de fuzil’

    Para professor Rafael Alcadipani, ação expõe “falha grave na política de segurança pública”; quadrilha usou carro blindado e fez moradores reféns para roubar banco

    Fuzil usado no ataque possui símbolos ligados ao PCC | Foto: Arquivo/Ponte

    Uma quadrilha de aproximadamente 30 pessoas usou carros blindados, fuzis e fez moradores reféns ao atacar agências bancárias em Botucatu, cidade no interior de São Paulo, a 235 quilômetros da capital paulista, no fim da noite de quarta-feira (29/7) e início de madrugada desta quinta (30/7). O ataque repete o modus operandi de crimes cometidos em outras cidades de porte semelhante, como Ourinhos, em maio.

    Vídeos mostram a ação do grupo com a movimentação dos veículos pela cidade. Moradores registraram focos de incêndio propositais para atrapalhar a resposta da polícia, bem como imagens dos reféns rendidos pelos assaltantes. Um fuzil apreendido com o grupo possui o desenho de yin-yang, símbolo vinculado ao PCC (Primeiro Comando da Capital), e a inscrição 1533, números que representam as letras da facção – 15 para ‘P’ e 3 para ‘C’. A ação teria durado cerca de três horas.

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    Segundo o Ministério Público Estadual de São Paulo, existe a probabilidade de a facção paulista estar envolvida no ataque. No entanto, integrantes do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) apontam não terem informações suficientes para cravar a ligação do PCC ao ataque neste momento.

    Uma parte dos criminosos tentou fugir da cidade pela rodovia Marechal Rondon, tendo sido encontrados por viaturas da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a mais letal da PM paulista.

    Um dos homens envolvidos no roubo foi preso após suposta troca de tiros. No carro que ele dirigia, um modelo Ford Ecosport, havia parte do dinheiro roubado e armas, segundo a polícia.

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    Em maio deste ano, um grupo de 40 homens também atacou uma agência bancária e caixas eletrônicos na cidade de Ourinhos, a 370 quilômetros da capital paulista. O ataque guarda características semelhantes o ocorrido agora: homens encapuzados, de madrugada, com carros blindados, portando fuzis e fazendo moradores reféns.

    A ação ocorre um ano e três meses depois de ataque similar à cidade de Guararema, na Grande SP, em abril de 2019. Na oportunidade, um grupo de 11 suspeitos atacou duas agências bancárias na cidade. Informações do setor de inteligência da PM tornaram possível ação da Rota antes de a quadrilha deixar a cidade.

    Em trocas de tiros, as 11 pessoas foram mortas, parte delas com sinais de não terem resistido à ação policial, segundo a Ouvidoria da Polícia de SP. À época, o governador João Doria comemorou a ação e homenageou os PMs que atuaram em Guararema. “Estão de parabéns os policiais que agiram e colocaram no cemitério mais de 10 bandidos”, disse.

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    A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo não apontou quantas agências foram atacadas pelo grupo em Botucatu. No entanto, confirmou que dois policiais militares ficaram feridos em troca de tiros ainda na madrugada.

    Questionada pela Ponte, a pasta não detalhou informações já obtidas pela Polícia Civil sobre o ataque, nem se a corporação e a Polícia Militar possuíam informações sobre a ação.

    Segundo Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o ataque mostra “falhas severas na política de segurança” do estado.

    Ele classifica o crime em Botucatu como “terrorismo urbano” por conta da articulação empenhada e manifesta preocupação pelo fato de a quadrilha ter conseguido sucesso. Ele questiona a eficiência dos setores de inteligência das polícias Civil e Militar.

    Marcas do tiroteio entre integrantes do grupo e a PM | Foto: Arquivo/Ponte

    “Não é algo pequeno. São 30 pessoas chegando em carro blindado. É estranho. Tem tecnologia para controlar essas coisas”, analisa.

    Para o professor, a situação é gravíssima e suscita dúvidas. “Dá um sinal do problema da política de segurança adotada, que não está funcionando”, afirma, citando a necessidade de investir em inteligência e equipamentos para a Polícia Civil.

    Ao mesmo tempo em que o governo assiste uma ação criminosa de grande monta na pacata Botucatu, também é pressionado por casos recentes de violência policial, com PMs filmados pisando no pescoço de uma mulher negra e, de forma recorrente, usando técnicas de sufocamento para imobilizar suspeitos já rendidos.

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    As polícias ainda apresentam números recordes de letalidade policial, com o maior número para o primeiro semestre desde 1996, início da contabilidade feita pela SSP sobre mortes: 435 vítimas.

    Alcadipani vê conexão entre o aumento de letalidade e violência e a ineficiência da polícia para evitar um ataque de tais proporções como o ocorrido em Botucatu.

    “Uma polícia pouco inteligente usa a força para o cara da esquina, para o motoboy suspeito de algo. É uma polícia que fala grosso com o pequeno roubador e fala fino quando tem 30 caras com um fuzil”, critica Alcadipani em referência à ação violenta contra o motoboy Jefferson André da Silva, 23 anos, que participava de um protesto contra aplicativos de entrega.

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    A Ponte questionou a SSP-SP através de sua assessoria de imprensa privada, a InPress, sobre o ataque a Botucatu. Segundo a pasta, os policiais apreenderam fuzis, veículos, dinheiro e munições, materiais que ainda “estão sendo contabilizados e periciados”.

    “O Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) foi acionado e auxilia nas buscas, assim como o helicóptero Águia. A ocorrência está em andamento pela DIG (Delegacia de Investigações Gerais) do município”, explica a secretaria.

    Inicialmente, a assessoria marcou uma entrevista coletiva presencial na cidade, que fica 3 horas distante da capital paulista, sem transmissão online. No entanto, o horário marcado era 11h30, com aviso para a imprensa somente às 11h40, após o início previsto.

    A coletiva ocorreu já durante a tarde por conta do atraso das autoridades envolvidas com as investigações. Elas estavam em São Paulo e se deslocaram para Botucatu. O conteúdo da entrevista foi enviado à reportagem às 17h19.

    Atualização às 10h04 de sexta-feira (31/7): Após a publicação, o professor Rafael Alcadipani entrou em contato com a Ponte para esclarecer que a sua opinião é que “a política de segurança pública no Brasil fala grosso com as pessoas pobres e o pequeno criminoso e fala fino com o crime organizado, haja visto a proliferação de facções criminosas no país”.

    Reportagem atualizada às 18h33 do dia 31/7 para alteração de título

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