Policiais são responsáveis por 1 em cada 4 assassinatos no Rio de Janeiro

    Dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) referentes a 2017 mostram ‘estado perdido e falta de política de segurança’, avalia pesquisador da USP

    Mortes em ação das polícias na capital é o maior desde 2012 | Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

    A atuação de policiais militares e civis na cidade do Rio de Janeiro foi responsável por 527 homicídios decorrentes de intervenção em 2017. Os números são do Instituto de Segurança Pública (ISP) e, no total de 1.598 mortes violentas na cidade em 12 meses, os crimes praticados por policiais representam 25%.

    Comparado com o ano anterior, o aumento é de 13,8% em relação às 463  mortes registradas em 2016. Os resultados apresentados para 2017 são os maiores desde 2012 e apresentam crescimento contínuo há três anos.

    O Estado registra números menores na proporção: em 5.607 mortes, 1.124 foram praticadas por policiais (16,7%). Porém, a Baixada Fluminense registrou o maior índice de aumento: 343 mortos, o maior número desde 2007 e 527% acima dos 65 casos de 2012, o ano com menor quantidade.

    Para Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), o crescimento acentuado e contínuo se dá pelo fato de não haver uma política pública definida para a segurança pública.

    “O Rio de Janeiro apresenta um governo perdido, sem saber o que fazer e cria a percepção de guerra por parte da polícia. Este fato faz a corporação tomar uma iniciativa desesperada por não saber o que fazer. Não tem estratégia, é partir pra guerra desesperadamente”, avalia Paes Manso.

    Números também em ascensão no estado | Gráfico: Anistia Internacional

    Confira abaixo a entrevista com o pesquisador:

    Ponte – As mortes praticadas por policiais alcançaram a marca de 25% do total de homicídios. O que faz este número manter a rota de crescimento desde 2013?

    Bruno Paes Manso  O Rio de Janeiro tinha um problema grave de segurança pública. Com o José Beltrame (secretário de segurança pública de 2007 até 2016) e a instalação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) houve regressão dos conflitos, diminuiu a letalidade dos policiais. As UPPs tinham problemas e foram sendo apontados ao longo do tempo, mas esta política ajudou a reduzir os conflitos com os traficantes e as incursões de policiais aos morros. Era indiscutível. O que houve? Com a crise fiscal do Estado, as prisões dos ex-governadores e a crise política, veio esse refluxo de desestabilização da política de segurança pública que vinha dando certa continuidade.

    Qual o reflexo dessas crises?

    Criou-se um desequilíbrio enorme, tanto no mercado de drogas quanto na polícia, que voltou à prática histórica no Rio que é a de incursões nos morros e apetite de guerra. Isso voltou a acontecer. É algo que vem de há muito tempo em decorrência da crise. Foi uma mudança completa, retorno aos tempos passados, estes que demoraram para serem revertidos com UPP. Havia um consenso de que essa fase tinha passado, agora, ela volta com tudo de novo.

    Com estes números em ascensão contínua, dá para dizer que esta lógica de aumento seguirá por anos?

    Impossível prever. A gente cai do cavalo quando tenta, pois tudo é tão variável, são milhares de pequenos itens. O que se percebe é que os dados aparentam uma perda de controle politico da situação. Uma polícia matando nesses níveis revela um governo sem autoridade para lidar com o controle das práticas policias, sem um norte de política pública. Isso é fundamental para reverter esse quadro: fortalecimento político e um novo norte para a segurança pública. O RJ tem um governo perdido, sem saber o que fazer e a percepção de guerra que a polícia assume é uma iniciativa desesperada da corporação que está sem saber o que fazer, não tem estratégia e parte para a guerra desesperadamente.

    Este percentual, de 25% do total praticadas por policiais, é comum?

    São Paulo apresenta números parecidos, são próximos dos 25%. No passado, o Estado tinha 5%, mas em 1999, 2000, quando se registrava muito mais mortes e a proporção era muito menor. Diminuíram muito as mortes nesses anos, então a proporção aumentou bastante. A polícia continua violenta, mas as mortes em geral reduziram, o que faz a proporção ser maior do que sempre foi. Em sociedades com poucos homicídios, é preciso cruzar a proporção com a quantidade. No Rio, o número é elevadíssimo, só que a quantidade é importante. A proporção pelo quadro mostrado no Rio, que é grande, de 5 mil mortes, apresenta um número dramático das mortes provocadas pelo Estado.

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