Polícias Civil e Militar brigam sobre o fim da Ouvidoria

    Bancada da bala da Assembleia Legislativa de SP busca aprovar fim de órgão de controle das polícias; Delegacia Geral é contra

    Participaram da sessão de audiência pública on-line Major Mecca, Frederico D’Avila, autor do projeto de lei, Conte Lopes, Delegado Olim, o ex-ouvidor Benedito Mariano e o delegado Edison de Santi, que foi representar Ruy Ferraz

    Acostumados a não terem um relacionamento dos mais harmoniosos, com divergências públicas, a mais recente sobre exclusividade nas investigações, as polícias Civil e a Militar estão no centro de mais uma discussão: a extinção ou não da Ouvidoria da Polícia. Com 25 anos de existência, o órgão tem como uma das atribuições o recebimento de denúncias de violações, encaminhamento para órgãos corregedores, acompanhamento e cobrança.

    Enquanto a Polícia Civil declara apoio público à manutenção do órgão, PMs atualmente ocupando mandato parlamentar procuram desqualificar o trabalho da Ouvidoria. Uma das teses é a de que ela foi loteada pela esquerda e serve apenas para fazer pré-julgamentos de PMs. Em meio esse embate, o Comando da Polícia Militar se cala.

    O projeto de lei 31/2019 que pede o fim do órgão foi apresentado na Assembleia Legislativa no ano passado, com a autoria de Frederico D’avila e outros 18 deputados, em sua maioria com patentes militares à frente do nome. Na Comissão de Constituição e Justiça, a primeira em que um projeto precisa ser aprovado para poder tramitar e ir à votação em plenário, a proposta recebeu voto contrário do relator Emidio de Souza (PT). Se não passar pela CCJ, o projeto é arquivado.

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    As opiniões divergentes sobre o futuro do controle da atividade policial ficaram claras durante uma sessão virtual na Alesp (Assembléia Legislativa de São Paulo) na última segunda-feira (24/08). O encontro que foi presidido pela deputada estadual Janaina Paschoal (PSL), contou com a presença de um dos autores do projeto, o deputado Frederico D’avila (PSL), além de parlamentares da bancada da bala, como Conte Lopes (PP). O ex-comandante da Rota, coronel Alberto Sardilli, que não é político, também esteve na sessão.

    Já a Polícia Civil foi representada pelo delegado Edson de Santi, uma vez que o delegado-geral Ruy Ferraz Fontes não pode estar presente, e pelo deputado estadual Delegado Olim (PP).

    Paralelo aos policiais, o contraponto favorável à Ouvidoria ficou a cargo do sociólogo Benedito Mariano, primeira pessoa a ocupar o cargo de ouvidor ainda em 1995, e que deixou a cadeira no início deste ano, após cumprir novo mandato iniciado dois anos antes. Quem também tem conhecimento sobre o órgão e pode expressar a sua importância para a sociedade foi a procuradora aposentada Ana Sofia Schmidt de Oliveira, que trabalhou na Ouvidoria entre 1995 e 1997.

    O atual ouvidor Elizeu Soares Lopes não participou do evento, no entanto, em nota, afirmou que “a Ouvidoria não é inimiga das polícias, pelo contrário, ela é parte integrante do sistema de segurança pública do Estado de São Paulo e, como tal, defensora intransigente da qualidade do trabalho policial e da polícia”. Elizeu já havia dado declaração semelhante em entrevista à Ponte, em março.

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    O deputado Frederico D’avila foi o primeiro a falar e logo de cara mostrou desconhecer a data em que o então governador Mário Covas criou o órgão. Segundo ele, “a Ouvidoria da Polícia foi criada em 1997 por revanchismo em relação à corporação, uma vez que teve uma ação na Favela Naval que vitimou um morador. A Ouvidoria foi criada por revanchismo contra as polícias, principalmente a Polícia Militar”, sustentou.

    A ocorrência da Favela Naval, a qual o deputado se referiu, ocorreu em março de 1997, quando o conferente Mario Josino foi morto durante um bloqueio de policiais militares no interior da comunidade localizada em Diadema, na Grande São Paulo. Um cinegrafista filmou o momento em que o PM Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, atirou na direção do carro em que Josino estava como passageiro.

    D’avila, que não é policial, fez questão de enaltecer por diversas vezes os deputados da bancada da bala. Na sala em que fez a sua transmissão on-line era possível notar um quadro com uma foto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

    “Se a Ouvidoria fosse plural, onde lá existissem policiais civis e militares, promotores de Justiça, advogados criminalistas, membros da Alesp, eu até não teria proposto o encerramento. Mas desde sua origem não se tem uma Ouvidoria das Polícias, mas uma Ouvidoria de três ou quatro partidos políticos que pré-julgam as atividades policiais”, disse.

    Ex-comandante da Rota, o coronel Alberto Sardilli, também participou da reunião. Ele criticou um suposto loteamento da esquerda no órgão e se mostrou incomodado com supostas informações privilegiadas obtidas pela Ouvidoria e lançadas na imprensa.

    “A tropa entende o mecanismo da Ouvidoria com tranquilidade. O que a tropa se incomoda e que isso deixa, de certa forma, a atuação da polícia um pouco acuada, é esse pré-julgamento lançado à imprensa. A Ouvidoria é composta basicamente desde sua existência, 20, 25 anos atrás, de três partidos. Eu não vejo isso como democrático”, pontuou

    Se por um lado pessoas mais próximas à PM se demonstraram contrárias ao órgão, o mesmo não pode ser dito da Polícia Civil. O delegado Edson de Santi, que representou Ruy Ferraz Fontes, manifestou apoio. “Nós, pela Delegacia Geral, não somos favoráveis a sua extinção. É uma via a mais de acesso da população ao governo, ao Estado. Muitas pessoas desinformadas não acreditam em procurar as nossas corregedorias, Corregedoria da Polícia Civil, da Polícia Militar”.

    Na visão de Santi, muitas pessoas pensam que denunciar abusos das forças policiais para a própria polícia não vai surtir efeito. “Sobra para elas procurar a Ouvidoria e denunciar eventuais desvios de conduta. Então, nós somos favoráveis a essa terceira via”, explicou.

    Seguindo a linha de raciocínio da instituição que faz parte, o deputado Delegado Olim (PP) também se mostrou contrário ao encerramento no atual momento, divergindo de sua convicção inicial, já que consta como um dos autores do projeto de extinção. “Não é hora de acabar com a Ouvidoria”. No entanto, ele ressaltou que o ouvidor não está lá para emitir opinião, mas para ouvir.

    O secretário de Segurança Pública de São Paulo, general João Camilo Pires de Campos, assistiu uma pequena parte da transmissão. Ele, que no papel é o chefe das polícias, sustentou que a Ouvidoria é respaldada por lei federal.

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    A procuradora aposentada Ana Sofia Schmidt de Oliveira integrou a assessoria jurídica da Ouvidoria e defendeu sua existência.

    “Será que é a Ouvidoria que abala a credibilidade da polícia? Não é Ouvidoria, não é a imprensa, não a viralização nas redes sociais de um vídeo gravado pelo celular de um morador da periferia que testemunha uma abordagem violenta. Não é isso que abala a credibilidade da polícia. É a violência policial em si”, frisou.

    Durante seu tempo de fala, Ana Sofia contou ter lembrado das pessoas que procuraram o órgão no primeiro ano de seu trabalho buscando por justiça e acolhimento. “Nessa audiência pública eu sinto falta dessas pessoas. Usuários da Ouvidoria”, frisou.

    Outro deputado que participou do ambiente virtual foi Major Mecca (PSL). Ex-policial militar e crítico do governador João Doria (PSDB), o parlamentar componente da bancada da bala revelou que o órgão só existe em virtude “da falta de uma de campanha, de um trabalho do governo do Estado para esclarecer ao cidadão como funciona a polícia”.

    Após dizer que a Ouvidoria é uma mentira, Mecca pontuou como usaria o orçamento disponibilizado. “Por que que não pega o dinheiro que é gasto com a Ouvidoria todo mês e investe numa campanha de esclarecimento ao cidadão de bem de como se comportar durante uma abordagem policial?”.

    Ainda em seu tempo de fala e sem mostrar constrangimento, Mecca declarou ser contra campanhas que pedem o registro de policiais que cometem desvios de conduta. “Não é incentivar o cidadão a ficar fotografando o policial, quando o mais importante seria o cidadão fotografar e filmar o criminoso, que tá promovendo o comércio de drogas”, criticou.

    O ex-ouvidor Benedito Mariano mostrou descontentamento com tantas falas pedido a extinção do cargo que ocupou por sete anos, em um órgão que chegou a ser “símbolo de controle social da atividade policial em todo país”. “Quem quer extinguir a Ouvidoria da Polícia não valoriza as conquistas democráticas e não valoriza o estado democrático de direito. A Ouvidoria da Polícia contribuiu para melhorar as instituições policiais”, destacou.

    Ele ainda lembrou três casos de jovens mortos recentemente por policiais militares: Guilherme, 16 anos, Rogério, 19, e David, 23. Nenhum dos três estava armado, cometendo crime ou atacando policiais.

    “As famílias se sentiram à vontade em procurar órgãos internos da polícia ou a Ouvidoria?”, questionou. Dos três casos, apenas o acusado pelo assassinato de Guilherme, o sargento Adriano Fernandes de Campos, está preso.

    O procurador mineiro Rogério Greco também participou da audiência e saiu em defesa de uma reforma no órgão. Para ele, o cargo de ouvidor deveria ser ocupado por alguém da própria polícia.

    “Talvez, esse projeto é mais um pedido de socorro, um desabafo na verdade, porque a gente só vê o policial como objeto de crítica. A gente quer valorizar a atividade policial”, pontuou.

    Construa a Ponte

    Em outro trecho da nota enviada pelo atual ouvidor Elizeu Soares Lopes, ele procurou ressaltar a importância da Ouvidoria, que, na visão dele, deve ser encarada como uma conquista histórica e um espaço de diálogo entre poder público e a sociedade civil sobre segurança pública. “Há nela um relevante papel, no controle da atividade policial e na busca da preservação dos direitos humanos. Sua atividade protege as instituições, a sociedade e os próprios policiais, através da fiscalização e da mediação com as polícias Civil, Militar e Técnico-Científica”.

    Procuradas, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) e a Polícia Militar não se pronunciaram.

    Errata em 26/8, às 15h15 – A reportagem originalmente informava que não havia data para o projeto de lei ser votado em plenário, mas na realidade ainda nem existe essa possibilidade, já que a proposta ainda precisa passar pela primeira comissão do processo legislativo da Assembleia Legislativa.

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