Por coronavírus, Justiça autoriza PM a registrar ocorrências sem delegados

    PMs estão desobrigados de levar parte das ocorrências com adolescentes às delegacias de Jales e Urânia (SP); para Sindicato dos Delegados, decisão é inconstitucional

    Decisão vale para a região de Urânia, no oeste paulista | Foto: Divulgação/SSP

    A Justiça de São Paulo decidiu que a Polícia Militar pode registrar boletins de ocorrência envolvendo adolescentes durante a pandemia de Covid-19 em Urânia e Jales, no interior oeste do estado. Assim, a tropa não precisa levá-los ao delegado de polícia, responsável pelo registro dos casos.

    O pedido partiu do capitão Alex Akisani Tominaga, comandante da 2ª Companhia de PM de Jales, distante 586 quilômetros da capital paulista, e vizinha de Urânia. Segundo ele, a ideia é evitar “conduções desnecessárias” durante a pandemia de coronavírus.

    Responda à pesquisa Jornalismo e coronavírus

    Em sua argumentação, o comandante alegou que os policiais militares e viaturas “podem ser vetores de transmissão” e, por isso, pedia que a própria PM pudesse encaminhar diretamente os casos “menos graves, mesmo que em situações flagranciais”, para a Vara da Infância e Juventude.

    A juíza Marcela Corrêa Dias de Souza, da Comarca de Urânia, acatou o pedido (leia a decisão clicando aqui) do capitão Tominaga no dia 13 de abril com validade até o fim do isolamento social. Na sexta-feira passada (17/4), o governador João Doria (PSDB) ampliou o prazo de isolamento até o dia 11 de maio.

    Segundo a juíza, os PMs devem tentar formas alternativas de apresentá-lo ao delegado de polícia, como por vídeo chamada, mas estão liberados para registrarem eles mesmos as ocorrências.

    Leia também: Delegado reclama de abordagem de PMs: ‘precisam aprender pra estar nos Jardins’

    Os militares só podem fazer o documento com a presença dos pais ou responsáveis legais no local da elaboração. Em seguida, encaminhar o documento ao juízo da Infância e Juventude e cópia para a delegacia responsável pela região.

    “Posto isso, destaca-se que estamos vivendo um período atípico de pandemia, e diversas medidas estão sendo tomadas pelas autoridades de todos os setores para conter a disseminação do Covid-19, ocasionada pelo novo coronavírus”, argumenta a magistrada.

    A decisão provocou reação de representantes da Polícia Civil. O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo enviou reclamação à Corregedoria Geral da Justiça paulista, alegando que a decisão é inconstitucional.

    Leia também: Conheça a associação de PMs que promete livrar policiais que matam civis em SP

    De acordo com o sindicato, chefiado pela presidenta Raquel Kobashi, autorizar a PM de registrar ocorrência sem passar pela Polícia Civil “tipifica crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade”.

    A alegação é a de que, se a PM cumprir tal função e ela própria encaminhar o registro à Justiça, ultrapassaria “os limites das suas atribuições de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública” estabelecidos na Constituição.

    O advogado e ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) Ariel de Castro Alves concorda com a avaliação de Raquel sobre as atribuições da PM, contudo considera que a decisão é plausível dado o cenário de pandemia. “Estamos num período excepcional, medidas que previnam contaminações devem ser priorizadas. Desnecessário o deslocamento dos jovens até as delegacias para cumprimento de procedimentos meramente burocráticos, em casos de acusações de atos infracionais sem violência ou grave ameaça”, afirma.

    Ariel destaca que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê celeridade nos atos administrativos e da área da infância, e que os registros podem ser posteriormente questionados pelos órgãos competentes. “É uma situação extraordinária imposta por um momento excepcional. É mais adequado, sim, que os policiais militares façam o registro e liberem na presença dos pais e responsáveis. Esses registros serão encaminhamos para delegacias, promotoria, Vara da Infância e Juventude, que poderão questioná-los e avaliar a aplicação de medida socioeducativa”, pondera.

    Outro lado

    A Ponte questionou a SSP sobre o pedido do comandante da PM de Jales, a decisão favorável da Justiça e a reclamação de representantes da Polícia Civil e a InPress, assessoria de imprensa terceirizada da secretaria, respondeu que “A pasta não comenta decisões judiciais”:

    As seguintes perguntas foram enviadas:

    A SSP concorda com a decisão da magistrada?
    A secretaria vê alguma irregularidade em PMs registrarem B.O.s, atribuição da Polícia Civil?
    A pasta dialogou com as partes envolvidas, caso do comandante da 2ª Cia de Jales e representantes da Polícia Civil? Caso sim, qual o resultado da conversa?
    Na argumentação, o capitão Tominaga argumenta que o pedido visa evitar a contaminação por Covid-19 em “conduções desnecessárias”. A SSP considera apresentar um adolescente infrator à autoridade policial como condução desnecessária?
    Quais medidas tomadas pela SSP junto à Civil para evitar contaminações em atendimentos?
    Qual protocolo de segurança dos policiais civis em plantão?

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    1 Comentário
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários
    trackback

    […] do Tribunal de Justiça de São Paulo mantém a Polícia Militar proibida de registrar ocorrências sem a presença de delegados durante a pandemia. A ação corre desde abril nas cidades de Jales e Urânia, interior […]

    mais lidas