Prefeitura de SP quer expulsar espaço cultural com 9 anos de funcionamento na periferia

    CITA, no Campo Limpo, zona sul da cidade, conta com apoio da Secretaria de Cultura e promove campanha online para permanecer no local; Prefeitura quer ceder área para Secretaria de Saúde

    Mais de 10 coletivos ocupam o espaço cultural | Foto: Reprodução/Instagram

    No extremo sul da cidade de São Paulo, um espaço cultural luta para sobreviver. O Instituto Cantinho de Integração de Todas as Artes, carinhosamente chamado de Espaço Cultural CITA, recebeu uma intimação judicial para desocupar sua sede, localizada na rua Aroldo de Azevedo, no Jardim Bom Refúgio, no Campo Limpo. A ideia da Prefeitura de São Paulo, na gestão de Bruno Covas (PSDB), é fornecer o espaço para a Secretaria da Saúde.

    Com 9 anos de atuação, o CITA se tornou um dos polos culturais mais importantes da zona sul de SP. Lá, anualmente, dez coletivos movimentam arte e educação no território, seja ensaiando, realizando festivais ou usando o espaço para guardar suas coisas. Por ano, são 10 atividades continuadas, gratuitas, para quem mora ali na região.

    São cerca de 180 pessoas inscritas nas atividades fornecidas pelos coletivos, desde crianças de 6 anos até idosos de 67 anos. Seu “quintal” é a Praça do Campo Limpo, onde diversos eventos culturais agitam a região. Segundo a própria organização do Cantinho, o CITA apoia 80% dos festivais que acontecem na praça, que usam o espaço como apoio para logística e camarim.

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    Mais de mil pessoas circulam ali por mês. Dezenas de pessoas vivem ou tiram parte do sustento do espaço e cinco são diretamente sustentadas por ele. Para proteger o Cantinho, uma campanha foi criada nas redes sociais: #FicaCITA. Um abaixo-assinado também foi lançado e já conta com mais 5 mil assinaturas.

    Os coletivos que atualmente estão no local são: Bando Trapos, Cia Diversidança, Clã do Jabuti e Via Vento, de artes cênicas; Maracatu Ouro de Congo, Maracatu Baque Mulher SP e Candongueiros do Campo Limpo, ligados a culturas tradicionais; Megê Design Sustentável e NUPECI – Núcleo de Permacultura do CITA, de permacultura; e o Coletivo C9 Iluminação, de formação profissional.

    Em 6 de outubro, o CITA recebeu a Subprefeitura Campo Limpo, acompanhada pela Polícia Militar, comunicando que havia recebido uma denúncia de invasão no espaço por pessoas em situação de rua. Depois de elucidar a falsa denúncia, a chefe da fiscalização pediu, em uma segunda visita no dia seguinte, para que os responsáveis pelo CITA apresentassem as autorizações de que podiam estar naquele endereço e informou que haviam feito um laudo apontando que o espaço está operando em situação de risco.

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    Em documento protocolado nesta segunda-feira (19/10), o CITA afirma que não foi notificado formalmente porque nenhum dos representantes assinou o auto de fiscalização. Por isso, argumentam, não se pode começar a contagem de 15 dias para que a ordem de despejo seja cumprida. A ideia era entregar o documento na Subprefeitura de Campo Limpo, mas o CITA foi informado de que deveria fazer um agendamento online.

    Segundo a Prefeitura, em nota enviada à Ponte, a Secretaria da Saúde já mantém no terreno, atualmente, o SAE IST/Aids Jardim Mistutani e o CAPS Infantojuvenil Campo Limpo, que “prestam importantes serviços para a população local”. Na mesma área, a Prefeitura tem a intenção de implantar o Centro de Testagem e Acolhimento IST/Aids Parque Ipê, com recursos da Coordenadoria de IST/Aids em parceria com a Coordenadoria Regional de Saúde Sul. Para isso, será necessária realizar uma reforma do imóvel, “pois há diversos problemas e risco devido à presença de cupins e falta de manutenção nos últimos anos”.

    O percursionista e arte-educador Jota Vianna, coordenador do coletivo Maracatu Ouro do Congo e articulador do Espaço Cultural CITA, relata que o CITA já sofreu perseguições religiosas. “Antigamente, a região era uma senzala. Quanto mais a gente traz a pauta racial, mais somos perseguidos. E boa parte dos coletivos são de religiões de matrizes africanas. Fazemos um trabalho diretamente ligado à cultura negra e à cultura afro-brasileira. Tem toda uma cena da cultura negra e afro da região”.

    Fachada do CITA | Foto: Reprodução/Instagram

    “Enfrentamos uma dificuldade no cotidiano, porque ali na Praça do Campo Limpo tem muito evento evangélico e já aconteceu de a gente estar tocando e ouvir no microfone que é demônio que está tocando. Sentimos esse racismo religioso muito forte. A região do Campo Limpo tem muitos vereadores e candidatos evangélicos”, aponta Jota.

    Há uma questão também de conflito interno na prefeitura. Em agosto, o CITA foi contemplado com um prêmio de R$ 30.000, da Premiação de Coletivos Culturais que Realizam a Gestão Comunitária de Espaços Públicos Ociosos, edital promovido pela Secretaria de Cultura. “Esse edital foi feito para dar o aval para as ocupações permanecerem onde estão, dar uma segurança, mas ele não está sendo respeitado”, diz o produtor cultural Mario Gomes Jr. “Nitidamente há um conflito entre as duas secretarias”, pondera Vianna. “A Secretaria de Cultura reconhece a importância do CITA, mas a Secretaria de Saúde nos quer fora daqui”.

    À Ponte, o advogado Bruno Martinghi Spinola, que defende o CITA, narra a briga judicial para permanência do espaço cultural. “Eles [organizadores do CITA] entraram com o pedido de cessão do espaço em 2011. Isso acarretou em um processo administrativo e esse processo se perdeu, foi extraviado dentro da prefeitura”.

    Esse processo de Cessão de Uso do Espaço, explica, foi protocolado junto à Secretaria Municipal de Cultura e busca viabilizar a permanência e continuidade das atividades culturais reconhecidas pela comunidade. “Então foi aberto um procedimento para apurar o que houve e tentar achar as peças que compunham esse processo. O que vai acontecer agora é que vamos cuidar da defesa administrativa e pedir para que um laudo possa analisar de maneira mais funda e relatar que os problemas não são estruturais, são coisas simples para resolver”.

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    No laudo de vistoria, a Prefeitura informa que o local foi “ilegalmente ocupado por um grupo de pessoas apenas identificadas pela sigla CITA” e que a vistoria foi realizada em 29 de junho. A “recomendação” é de que haja a desocupação imediata do imóvel e a demolição do prédio.

    Spinola aponta que o risco de a ordem de despejo ser cumprida é grande. “Caso a prefeitura não acatar a nossa defesa, a ordem de despejo pode ser cumprida, inclusive com o uso da força policial. Acarretando um risco gravíssimo às atividades que eles vêm realizando a muito tempo no espaço”.

    “A sociedade civil, aqueles que apoiam a cultura e que defendem o fomento à cultura, podem pressionar a Prefeitura, a Subprefeitura e a Secretaria de Cultura para que eles compreendam a importância do CITA e tomem medidas para acolher o pedido de licença de uso e para que eles verifiquem a legalidade para que o CITA possa continuar realizando suas atividades lá”, pede o advogado.

    Outro lado

    A reportagem procurou a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura, nesta gestão comandada por Bruno Covas (PSDB), e a Subprefeitura de Campo Limpo.

    Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que a a Subprefeitura de Campo Limpo esteve no local no último dia 7 de outubro e que foi constatado risco estrutural no local, por isso “foi lavrado um auto de interdição e de desocupação da área”, explicou.

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    “Os responsáveis pelo Espaço Cultural CITA compareceram à administração regional para entrar com recurso pedindo o aumento do prazo para desocupação do imóvel. A solicitação está em análise”, continuou.

    “A Secretaria Municipal de Cultura reconhece a importância do trabalho do Espaço Cultural CITA, o que consta no edital de Mapeamento e Credenciamento de Espaços Culturais, e se dispõe a auxiliar nas tratativas para a resolução do caso”, completou a Prefeitura.

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