Presos são transferidos por risco em barragem e ativistas denunciam tortura

    Frente pelo Desencarceramento relata agressões e presos amontoados nus em pátio de presídio em Ponte Nova (MG) após transferência de São Joaquim de Bicas, onde barragem da Vale pode romper

    Presos aglomerados nus (à esq.) e outro é socorrido em Ponte Nova | Foto: Divulgação/Frente pelo Desencarceramento

    Familiares denunciam a transferências de presos em Minas Gerais pelo risco de rompimento uma barragem em São Joaquim de Bicas, região metropolitana de Belo Horizonte (MG). Caso a represa da Vale na cidade sofresse algum acidente como os de Brumadinho e Mariana, existe o risco dos presos ficarem isolados.

    Os bondes, como são chamadas as viagens de presos entre unidades prisionais, acontecem em meio à pandemia de coronavírus, segundo a Frente Estadual Pelo Desencarceramento. As transferências teriam o suposto risco de rompimento como motivo, o que o governo do estado, administrado por Romeu Zema (Novo), nega.

    São presos levados de Bicas 1 para outras unidades, algumas há centenas de quilômetros do presídio. Uma delas é Ponte Nova, distante cerca de 200 km em viagem de quatro horas de carro.

    Maria Teresa dos Santos, mãe de preso e coordenadora da Frente, diz que há transferências em outras unidades, dependendo do grau de risco da barragem romper, que vai de 1 a até 3.

    “Em Itabira, tem barreira no nível 1, indo para o 2. Se romper, não vai atingir o presídio, mas impede o acesso. Não tem rua para chegar, nem água, comida, nada”, explica.

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    A mulher conta que isso motivou o envio das aprisionados para unidades até 600 km distantes das famílias, o que “gerou revolta”. “O preso tem que cumprir pena próximo de sua família para ser assistido”, afirma, citando as Regras de Mandela sobre presidiários.

    Os envios estão diretamente ligados a revoltas recentes, como em Ponte Nova. Imagens recebidas pela Ponte mostram os presos nus, aglomerados no pátio da unidade durante a noite.

    Dona Teresa explica que há torturas na unidade, o que não acontecia em Itabira. Os novos detentos se rebelaram. “Eles não têm o hábito de apanhar do agente nem receber comida imprópria, juíza constantemente investigando. Foram para Ponte Nova e já saíram de Itabira apanhando”, sustenta.

    Uma familiar conta como aconteceu o motim em Ponte Nova, contido pelos agentes prisionais. Em áudio obtido pela Ponte, ela fala que o jumbo (sacola com comida, itens de higiene e medicamentos) tem ficado retido.

    “Começaram a cortar a luz, a água, que tem tempo determinado para cair, e transferiram presos para outra ala. Nisso, jogaram o jumbo fora, rasgaram carta e fotos que eles têm”, detalha.

    Uma das revoltas aconteceu no dia 28 de setembro. “Não tem ventilação na cena e ouvimos que eles iam começar a quebrar as coisas, virar a cadeia porque perderam todos os direitos”.

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    Há relatos de que as pessoas têm sido torturadas por agentes prisionais. A denúncia aponta que as pessoas são levadas para ala de de castigo e são agredidas. “Lá eles ficam sem colchão e não tem roupa”, continua.

    À Ponte, Maria Teresa explica que é um ato extremo o preso decidir colocar fogo em seu colchão. “É a unica forma de ver que tem algo errado no presídio. Quando queima ele fica 3 ou 4 meses dormindo na pedra, é o auge do desespero”, diz.

    A Frente tentou integrar o comitê criado pelo estado para controlar a pandemia de coronavírus nos presídios, mas teve o pedido negado. Em documento, o governo de Romeu Zema (Novo) disse que “não entendia pertinente” a participação da sociedade civil por “por se tratar de reuniões internas da Secretaria, nas quais outros órgãos governamentais participam como convidados”.

    O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura acompanha a situação e as denúncias de Minas Gerais. Solicitou informações sobre três unidades em Minas Gerais: Nelson Hungria, Ponte Nova e Antônio Dutra Ladeira.

    Daniel Caldeira, integrante do Mecanismo, detalha ter recebido apenas uma resposta. Nela, o governo apontava que não recomendava racionamento de água e luz, como denunciado. Não confirmava casos de tortura.

    “É uma inversão de valores, nós dependermos dos familiares, que não têm tido acesso aos presos, para sabermos da situação interna”, afirma, ao comentar o isolamento dos detentos e falta de vistorias dos órgãos competentes.

    Daniel afirma ter recebido a informação de um preso ter perdido uma das orelhas em revolta na unidade de Ponte Nova. “Não é possível confirmar por não estarmos lá. Falta fiscalização”.

    A Ponte questionou a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) de Minas Gerais, administrada pelo general Mário Lúcio Alves de Araújo neste governo de Romeu Zema (Novo), sobre as denúncias.

    Segundo a pasta, a unidade de Ponte Nova está “sob controle” e nega que presos estão amontoados nos pátios durante a noite. “Não há denúncias formalizadas em canais oficiais sobre supostas situações de ‘torturas’ praticadas por servidores da penitenciária”, garante.

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    A Sejusp ainda classifica como “rotina de gestão prisional” as transferências de presos mesmo durante a pandemia de coronavírus. “São respeitadas todas as medidas de prevenção para a proteção e a segurança de presos e servidores”, detalha.

    A reportagem também questionou se a situação de barragens gerou as transferências. Segundo a pasta, “não é verdadeira a informação”. “Conforme informado anteriormente, transferências são uma rotina de gestão prisional. Esclarecemos, mais uma vez, que informações sobre transferências não são divulgadas, por razões de segurança”.

    À Vale, perguntou qual a situação das barragens próximas aos presídios de Itabira e São Joaquim de Bicas e espera resposta.

    Atualização às 10h08 de quarta-feira para incluir nova nota da Sejusp-MG.

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