PRF, que matou Genivaldo, alega sigilo sobre motociatas sem capacete de Bolsonaro

Questionada sobre não ter multado o presidente por fazer motociatas sem capacete, Polícia Rodoviária Federal diz que informação tem ‘caráter estratégico’; corporação é a mesma que matou homem negro por estar sem capacete em SE

Jair Bolsonaro (PL participa de motociata sem capacete em Caruaru (PE) em 23 de junho deste ano | Foto: Isac Nóbrega/PR

Os motivos pelos quais o presidente da República Jair Bolsonaro (PL) pode pilotar motocicletas sem usar capacete, em diferentes eventos pelo país, sem ser multado pela Polícia Rodoviária Federal é segredo de Estado, segundo a própria PRF. Em resposta a um questionamento feito via Lei de Acesso à Informação (LAI), a corporação afirma que ao dar as informações poderia “prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos” do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

O pedido, feito no dia 25 de setembro, faz cinco perguntas para a Polícia Rodoviária Federal, tendo como base a motociata feita por Bolsonaro em um evento de campanha no Agreste de Pernambuco em 17 de setembro. Na ocasião, o candidato à reeleição ao Planalto se deslocou por mais de 60 quilômetros, entre as cidades de Santa Cruz do Capibaribe e Caruaru, sem o equipamento de segurança.

“Por qual razão o presidente não estava de capacete ao transitar de motocicleta pelas rodovias do estado? Existe alguma norma que desobriga o chefe de estado de obedecer às determinações do Contran? Em caso positivo, qual a norma? Não havendo essa norma, por que o presidente pode circular por diversas vias sem ser abordado pela Polícia Militar ou Polícia Rodoviária Federal e devidamente punido por cometer a infração?”, são alguns dos questionamentos feitos no pedido de informação.

“Informamos que o acontecimento em tela tratava de um evento presidencial, previamente informado à autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via, no caso a própria Polícia Rodoviária Federal. Contudo, as informações solicitadas envolvem operação de caráter estratégico, envolvendo o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, cujo planejamento foi mormente idealizado pelo Gabinete de Segurança Institucional-GSI, sendo que a PRF apenas apoiou a logística do evento”, justifica a PRF.

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Ao se negar a dar explicações sobre a falta de punição às infrações de trânsito cometidas por Bolsonaro, a Polícia Rodoviária Federal se fez valer de um dispositivo da LAI para se recusar a dar explicações.

“Com base no art. 23, inciso V , da Lei de Acesso à Informação, o qual preconiza o caráter restrito das informações que possam prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos do GSI, cientificamos a impossibilidade de se fornecer as informações solicitadas”, afirma a instituição.

O trecho do texto da Lei de Acesso à Informação citada pela PRF afirma que o conteúdo é restrito visando não a “prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas”. Para Júlia Rocha, coordenadora do programa de acesso à informação e transparência da ONG Artigo 19, o evento sobre o qual a PRF foi questionada nada tem a ver com as forças armadas.

“Não há relação nenhuma. O pedido é sobre um evento público que envolve a pessoa mais pública do Brasil, que é o presidente, e realizado com dinheiro público. É importante que qualquer atividade deste tipo seja o mais transparente possível”, afirma Júlia. “Esse tipo de resposta é bastante grave porque tenta encobrir possíveis erros do alto escalão do governo federal e isso é muito danoso”, complementa.

Dois pesos e duas medidas

Em 25 de maio deste ano, a mesma Polícia Rodoviária Federal que se recusa a dar explicações para a não aplicação de multas de trânsito ao presidente da República por não usar capacete em rodovias federais, transformou uma viatura em câmara de gás para matar Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, no em Umbaúbas, no Sergipe, por não estar usando o equipamento de segurança.

O Ministério Público Federal (MPF) em Sergipe pediu a prisão dos agentes que torturaram e mataram Givaldo. William de Barros Noia, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e Kleber Freitas foram presos após a conclusão das investigações policiais e com o resultado dos trabalhos periciais, que comprovaram a gravidade da conduta nos crimes contra Genivaldo.

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Para o MPF, ficou claro que “que a abordagem de Genivaldo, realizada sem a observância dos padrões operacionais da PRF e de os parâmetros mínimos de civilidade, consistiu em gravíssimo episódio de violência policial, pautado por xingamentos e agressões, e que resultou na morte da vítima, mesmo sem que esta, em momento algum, tenha demonstrado hostilidade à equipe policial”.

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Ainda de acordo com o Ministério Público Federal, William Noia e Paulo Nascimento agrediram um jovem e um adolescente que trafegavam em motocicleta sem capacete dois dias antes de participarem do assassintato de Genivaldo de Jesus. O fato só foi sabido durante as investigações da morte ocorrida dentro da viatura da PRF

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