Primeira morte de preso pela Covid-19 no Brasil é registrada no RJ

    Vítima tinha 73 anos e apresentava sintomas desde 9 de abril; caso não consta na estatística nacional da pandemia nas prisões, que indica mais de 50 infectados

    Homem estava preso no Instituto Penal Cândido Mendes, unidade exclusiva para idosos | Foto: Reprodução/Google Street View

    O estado do Rio de Janeiro confirmou a primeira morte de preso por coronavírus no Brasil. Um homem de 73 anos, que se insere dentro do grupo de risco para a doença, não resistiu seis dias após apresentar os primeiros sintomas e morreu na quarta-feira (15/4). A morte não consta nos dados oficiais do governo sobre contaminações da Covid-19 nos presídios.

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    Segundo informações da Seap (Secretaria Estadual de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro), o homem se sentiu mal no dia 9 de abril e foi diagnosticado com quadro de hipertensão, sendo medicado e liberado. O atendimento aconteceu no Pronto Socorro Geral Hamilton Agostinho, no Complexo de Gericinó, em Bangu, centro da capital fluminense.

    O quadro evoluiu para dores abdominais no dia 11 e, novamente atendido no Hamilton Agostinho, foi medicado e retornou mais uma vez ao Instituto Penal Cândido Mendes, unidade específica para presos acima de 60 anos. A penitenciária abriga 305 pessoas, 24% acima da capacidade total, de 246 presos. Dois dias depois, o idoso teve “sudorese fria e prostração”, segundo a Seap, e falta de ar.

    Apesar de ter sido entubado no dia 14 e, portanto, estar com a ventilação mecânica, o homem morreu às 10h50 do dia seguinte. Os médicos haviam coletado material para o teste de coronavírus, que ficou pronto na quinta-feira (16/4) e deu resultado positivo para a doença.

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    No dia 24 de março, a Defensoria Pública do estado entrou com pedido de habeas corpus coletivo para os presos provisórios com mais de 60 anos. De acordo com a entidade, a Justiça não deu nenhuma resposta até o momento.

    “Não há o menor sentido em manter encarcerados os grupos vulneráveis, em especial idosos, grávidas e mulheres que estão amamentando, ainda mais quando os presídios estão superlotados”, critica Rodrigo Baptista, defensor-público geral do Rio de Janeiro, à Ponte. “O risco é para as pessoas presas, seus familiares e para quem trabalha no sistema prisional. Ainda há tempo de salvar vidas nos presídios”, argumenta.

    Em nota, a Seap lamentou a morte e assegura que os presos que tiveram contato com o homem “estão isolados”. “A secretaria ressalta que os internos estão sendo acompanhados e todos os atendimentos médicos, quando necessários, estão sendo realizados no local”, afirma.

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    Em artigo escrito para a Ponte, Irmã Petra Silvia, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, alertou para a tragédia que seria caso o coronavírus entrasse no sistema prisional.

    “As prisões estão superlotadas. Exigir que presos que tenham suspeita de ter o vírus sejam isolados, ou que mantenham distância de dois metros dos outros presos dentro da cela é algo inviável, assim como a realização da higienização diária destas celas, lembrando que a água é racionada até para o consumo humano, e materiais de limpeza são escassos”, argumentou.

    Estatísticas desatualizadas

    A informação da primeira morte dentro do sistema prisional brasileiro no Rio de Janeiro constou nas estatísticas oficiais do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, liderada por Sérgio Moro, apenas horas após a confirmação do estado. O ministério criou uma espécie de painel de monitoramento para informar suspeitas, confirmações e óbitos no cárcere.

    Até as 14h30 desta sexta-feira (17/4), o site mantinha como zero o total de óbitos, enquanto soma 162 suspeitas de contaminação e 51 detecções da doença. Os dados específicos do Rio de Janeiro estavam zerados para todos os itens.

    Em consulta às 17h50 desta sexta-feira, a morte do homem no Rio de Janeiro passou a constar no sistema do Depen. No entanto, o estado segue sem nenhum caso de presos com suspeita ou confirmação da doença, o único número apresentado é o da morte do senhor de 73 anos.

    O Distrito Federal divulgou, na segunda-feira (13/4), que havia 23 casos confirmados de presos com a doença em suas unidades. Além deles, 18 agentes penitenciários também haviam contraído a doença, segundo a administração penitenciária.

    No dia 7 de abril, o mesmo sistema do Depen apresentava 118 casos suspeitos de coronavírus nas prisões brasileiras e nenhuma morte. Porém, naquele momento, as bases de dados dos estados já apresentavam divergência com a do ministério.

    No dia 8 de abril, o Pará confirmou a primeira contaminação de Covid-19 no sistema penitenciário nacional, informação que não constava até aquela data nas estatísticas nacionais.

    Minas Gerais, por exemplo, tinha, pelas estatísticas nacionais, 34 casos suspeitos, enquanto os dados locais apontavam para “próximo de 50” presos com sintomas da Covid-19.

    Em São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciária confirmou nesta sexta-feira (15/4) que quatro presos e dois agentes penitenciários estavam com coronavírus, todos em Sorocaba, no interior do estado – um a mais do que na quarta-feira (15/4), primeira confirmação oficial de casos nos presídios estaduais. Dos infectados, três estão em tratamento e um recebeu alta, estando em quarentena. Ao menos 48 presos estão isolados.

    Antes das confirmações e mortes, o ministro Sério Moro elogiou o monitoramento do Depen em artigo escrito para o jornal O Estado de São Paulo, em 30 de março, e disse que não havia motivo para alarde diante da possibilidade de a pandemia entrar nos presídios.

    “Não existe nenhum motivo para um temor infundado em relação ao sistema penitenciário. Não existe um caso de infectado dentro do sistema penitenciário”, afirmou o ministro, em entrevista coletiva no dia 1º de abril, contrariando pedido de urgência cobrado pela Human Rights Watch, entidade internacional de direitos humanos, que alertou sobre a situação perigosa para “presos, funcionários e para a sociedade”.

    À Ponte, o Depen explicou que os dados tem um delay (atraso) pois as informações são disponibilizadas pelos próprios estados e informou que irá apurar cada caso. “Para cada caso confirmado de Covid-19 nas unidades prisionais, o Depen vai abrir um processo no sistema SEI [Sistema Eletrônico de Informações] e fazer o monitoramento do caso a partir das ações da Unidade da Federação”.

    Atualização às 17h52: atualização das estatísticas do Depen com inclusão da morte do homem no Rio de Janeiro. Soma de um caso de preso infectado com Covid-19 em São Paulo.

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