Professor expulsa mãe com filha pequena de sala de aula em universidade

    Mãe solteira e sem apoio dos pais, Waleska estava com a filha Alicia dentro da sala, quando ouviu de professor de ciências sociais que ‘só deveria estar ali quem tem condições’

    Em novembro, Alicia completou cinco anos e ganhou festa da mãe | Foto: arquivo pessoal

    A vida de Waleska Lopes, 24 anos, mudou radicalmente aos 18, quando engravidou de Alicia. Mãe solteira, ela teve que se virar. De lá para cá, trabalhou como doméstica, professora de matemática, fez estágio em engenharia e hoje é atendente de telemarketing. Moradora de Natal, começou os estudos em engenharia no interior do Rio Grande do Norte, mas decidiu largar o curso pra se formar em ciências sociais na capital. Durante todo esse tempo, teve ao lado a fiel companheira, Alicia, que hoje tem 5 anos. A dificuldade financeira era o único problema enfrentado pelas duas até a última terça-feira (6/3) em uma sala de aula da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

    Sem ter com quem deixar a filha, Walesca leva a menina pra assistir as aulas. Ambas moram em uma casa de universitários com outros dois estudantes. Walesca não tem ajuda dos pais, que moram no Rio de Janeiro, por conflitos entre eles, principalmente com o pai. Já o ex-namorado, pai de Alicia, vive no interior do estado. Ele vê a menina apenas duas vezes por ano, nas férias escolares. Quando vivia perto, passava dois meses sem visitá-la. Hoje, paga pensão de R$ 120 pra auxiliar a criação da garota. Os pormenores da história de Waleska e Alicia foram ignorados por Alípio Sousa Filho, doutor em sociologia pela Universidade de Paris V René Descartes, na França, e professor da UFRN.

    Era a terceira aula da disciplina Introdução à Sociologia. Segundo Waleska, Souza Filho já havia se mostrado arisco em relação à presença da menina na sala ao fazer comentários sobre aquele não ser espaço para crianças. Neste dia, as falas se transformaram em expulsão da sala. “Eu cheguei e sentei lá atrás da sala para que ela não atrapalhasse a aula, a avisei em casa pra não levantar, ficar sentada, quietinha no lugar dela. No fim da aula, ele foi e começou a falar que eu não poderia mais assistir a aula dele, que nós fossemos embora, que se quisesse estudar tinha que dar um jeito de não levar ela na aula e me mandou embora”, conta Waleska.

    Depois dela e a menina saírem da sala, Alípio seguiu criticando. “Como vou ficar me podando, falando de sexualidade, gênero, racismo, violência e tem uma criança, que não tem discernimento, condições cognitivas e emocionais de ouvir isso. Ela volta pra casa como?”, disse, com frases como “se vira” e “só vai [pra universidade] quem tem condições”. “Ah, e não tem o que fazer? Ela teve essa garota com um homem, tem parentes, a criança não caiu do céu. Encontre uma maneira de criar uma rede de solidariedade para cuidar da criança”, prosseguiu o doutor em ciências sociais, reconhecido dentro da universidade como “defensor das minorias, mulheres e LGBTs”, segundo comentários em páginas da UFRN.

    As duas moram juntas e sozinhas desde quando a menina tem dois meses | Foto: arquivo pessoal

    O caso gerou reação na faculdade. Inclusive porque Alípio ameaçou acionar o Conselho Tutelar se Waleska levasse a filha de novo à aula. “Ele é o único professor a reclamar disso, os outros professores estão aceitando de boa. Nunca aconteceu isso com a gente. Faço faculdade há cinco anos, estudava engenharia antes. Desde que a Alicia mamava ia comigo pras aulas e todos os professores acolheram”, diz a mãe, que teme, sim, o Conselho ser acionado. “Conversei com alguns advogados e me disseram que era ameaça infundada, que não tinha direito algum, pra não me preocupar. Mas temo”, segue.

    Nem mesmo nas aulas de engenharia aconteceu caso semelhante, segundo relato da estudante. Ela não imaginava viver um caso de discriminação justamente em um curso como ciências sociais, em tese, mais receptivo com direitos fundamentais. Afinal, desde os cinco meses de gravidez, quando separou do ex-namorado, recebeu apoio pra criar sozinha a menina.

    “Mesmo no restante da gravidez, a mãe dele ajudou muito, continuei morando na casa até a Alicia nascer. Dois meses depois, fui morar sozinha com ela. Arrumei emprego como professora, levava ela e íamos tocando a vida. É muito complicado. Fiquei desesperada no começo, mas a gente vai pegando a manha e vai aprendendo a viver. Tem sempre amigos que apoiam, ajudam”, explica a estudante, que sonha virar professora… da UFRN.

    “Espero conseguir alguma coisa melhor para a gente, tentar um trabalho na área. Não tenho como desistir, é seguir. Já andamos até aqui e vamos andar até o final, sempre juntas. Quero trabalhar na UFRN, dentro dessa universidade, sentar do lado desse professor”, diz, colocando antropologia como área que mais gosta no curso.

    O sonho de Waleska é virar professora da própria UFRN | Foto: arquivo pessoal

    A Ponte questionou a assessoria de imprensa da UFRN sobre o ocorrido, porém, não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

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