Professores e até mesmo alguns policiais são contra Doria colocar PMs em escolas de SP

    Projeto do governador paulista prevê dupla de policiais em colégios considerados vulneráveis para aumentar a segurança, mas profissionais avaliam a ação como uma forma de ‘coerção’; Associação de Cabos e Soldados é favorável por aumentar o salário com ‘bico oficial’

    Doria, ao centro, anuncia projeto ao lado do secretário de educação, Rossieli Soares (primeiro à dir.), e da segurança general João Camilo Pires de Campos (primeiro à esq.) | Foto: Governo de SP

    A morte de dez pessoas em um ataque a tiros na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, e a confusão gerada por alunos em uma escola de Carapicuíba, quando uma professora quase foi agredida, fizeram o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), defender a Polícia Militar como solução para todo e qualquer conflito. Em proposta, o governo tucano prevê a inclusão de dois PMs para escolas consideradas problemáticas.

    O projeto Escola mais Segura tem intenção de introduzir policiais aposentados, da reserva e profissionais que estão de folga para fazer a ronda de até três unidades. Ao todo, 622 policiais – máximo de 432 da ativa – atuarão a partir de setembro nos colégios , conforme explicado à Ponte pela assessoria de imprensa da Secretaria da Educação.

    A ação ainda prevê a inclusão de 56 psicólogos e 28 assistentes sociais em toda a rede de 1.587 escolas, divididas nas 28 diretorias de ensino; a integração das câmeras de segurança dos colégios com o COI (Centro de Operações Integradas), vinculado à SSP (Secretaria da Segurança Pública); e o envio de um PL (Projeto de Lei) à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) para punir alunos.

    “Foram escolhidas inicialmente 216 escolas prioritárias, tomando como base análises técnicas feitas pela Secretaria de Educação, Secretaria da Segurança Pública e a Fundação Seade para a definição das unidades mais vulneráveis”, explicou Doria, em coletiva de imprensa na semana passada. “Aluno que depredar escola pública vai ter que pagar. Não importa qual seja a sua condição socioeconômica, onde ele viva ou qual escola. Se ele não pagar, ele será penalizado judicialmente”, completou.

    Além de institucionalizar o bico, que é quando os policiais atuam fora do horário de trabalho para aumentar a renda, a proposta é vista como ineficiente por profissionais da educação. Eles argumentam que a crise na área é devida à falta de estrutura e superlotação das salas, o que influencia em problemas disciplinares.

    “A educação não combina com coerção. Acredito que precisaria dar um tom mais humano para a escola, diminuir o número de alunos por salas de aula, introduzir mais professores mediadores, inclusive com formação específica para estas questões. Quando se põe policiamento, se desvirtua o processo de educação como processo civilizatório”, explica Maria Izabel Azevedo, presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e que atualmente cumpre mandato como deputada estadual pelo PT-SP.

    Ao se posicionar contrariamente ao projeto, Maria Izabel sugere que o encerramento de projetos que incluem a sociedade no âmbito escolar, como o Escola da Família (no qual as escolas abriam no fim de semana para atividades culturais e esportivas), também contribuem para o distanciamento e insatisfação dos alunos.

    “Não tem políticas públicas para se fazer a escola ampliada para toda a população, fecham o Escola da Família, como se tinha, e acha que por um policial vai resolver. Vai ficar um clima ostensivo”, critica. “Tenho certeza que o policial tem formação para lidar com bandido, não com aluno indisciplinado. Precisamos de equipes multidisciplinares, psicólogos, professores mediadores. Não é resposta para segurança, é meio para dizer, da forma mais fácil, que não se pode fazer nada dentro da escola, então fará fora”, completa.

    Professores se mobilizam para que policiais também se posicionem contrariamente ao projeto de Doria. Douglas Oliveira, professor de sociologia em Araraquara, é um deles. Junto de Lamira Oliveira, que leciona biologia também no interior do estado, escreveu uma carta aos PMs, na qual elenca uma série de similaridades entre as classes e mostrar que a ideia do governador está para além das atribuições públicas de policiais.

    “Nós sabemos que, no fundo, se sentem contemplados quando, em atos, entoamos que ‘Você, aí fardado, também é explorado!'”, argumentam. “Gestão de escola estadual é obrigação constitucional dos Executivos das Unidades Federativas, e nosso alunato não é Questão Policial. Deve partir de vocês uma cobrança ao Comando Maior da Polícia Militar paulista para que este homem seja demovido desta ideia”, diz outro trecho do documento.

    Em entrevista à Ponte, Douglas explica que a ação faz parte de uma série de retiradas de direitos que ocorre no país desde 2016, com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT). “É uma série de medidas para transformar o país em um estado penal, de tirar direitos, desmontar toda rede de proteção social que construímos desde a década de 1930”, diz, antes de detalhar o motivo de ser contra a proposta de PMs na escola.

    “Entendemos que a Ronda Escolar é importante, dá segurança aos professores e estudantes de modo geral. A polícia tem funções constitucionais e sua importância. A questão é internalizar isso na escola. O PM não é criado para mediar conflito escolar”, sustenta o professor. “O Doria propõe agora um projeto absurdo de cobrir toda a rede estadual com câmeras, monitoramento a cargo da SSP e o PM vai olhar na tela dele e poderá decidir ir para a escola de acordo com o que ele enxergar, não sendo chamado pela comunidade. Muitos professores são contra”, continua, dizendo que a ação é uma tentativa de “militarização de princípios”.

    Para ele, há uma redução de investimentos na educação. Exemplifica com o fato de as escolas não terem mais bibliotecas, mas salas para leitura. “Os professores têm demandas demais, tem de resolver tudo no estado atual e somos tão cobrados quanto profissionais. Além disso, somos quase criminalizados, como por exemplo pelo ‘Escola sem Partido’, que é defendido por políticos e pelo presidente. O que precisamos é ter condição de trabalho, materiais, e isso não vem”, afirma.

    A visão dos policiais

    Não só professores são contrários à entrada de PMs nos colégios com participação ativa na educação. Há policiais que discordam da proposta do governador paulista Doria sob o entendimento de que a ação é uma militarização camuflada da escola.

    “Fica claro que não é sequer uma proposta de segurança, é uma tentativa do governo de disciplinar as escolas públicas que têm população pobre, preta e é feita em unidades na periferia. É uma forma de militarizar a educação e não levar segurança às escolas”, argumenta Alexandre Felix, policial civil há 24 anos e integrante do grupo Policiais Antifacismo. “O que o governo propõe é isso: uma política de disciplinar pessoas, os pretos, pobres e periféricos que frequentam escolas com carências gigantescas”, emenda.

    Nascido em Guaianazes, bairro no extremo leste da capital paulista, Felix estudou a vida inteira em escolas públicas. Para ele, colocar a polícia dentro de espaços escolares em regiões chamadas de perigosas é mais danoso do que uma resposta à criminalidade ou à violência.

    “A PM cumprirá um papel disciplinador, a coisa da obediência, de respeito, do ‘sim, senhor’ para responder aqueles que são considerados ‘superiores’. É de um absurdo sem tamanho”, explica. “Já se tem fixado na cabeça dessas pessoas que a policia é violenta, que agride, que maltrata. Não são os territórios violentos, são as pessoas. Se elas recebem esse tratamento, elas vão responder de forma violenta. Somos a favor da desmilitarização da polícia, não da militarização da educação”, completa.

    Felix é um dos policiais contatados pelo professor Douglas e está de acordo com a carta, sustentando suas críticas. “Não entendemos como saudável nenhum tipo de proposta que coloque policiais dentro das escolas. Defendemos o inverso: trazer escola, comunidade, representações de povos para dentro da polícia para fazer uma nova política de segurança. Vivemos dizendo que segurança não é só polícia, é uma política pública”, afirma, elencando a necessidade das escolas terem corpo docente para resolver conflitos com psicólogos e assistentes sociais em cada unidade.

    Bruno Santos entende dessa realidade. O ex-agente penitenciário atua hoje como professor em São Paulo, lecionando de matemática até biologia para o 5º ano. Também integrante do Policiais Antifascismo, ele considera que outras ações trariam resultados mais práticos na segurança escolar, todas envolvendo a educação, não a segurança pública.

    “Em vez de segurança com poder repressivo, tem que dar condições efetivas para o trabalho dos docentes. Colocar dois professores por sala de aula, por exemplo, reduzir a quantidade de alunos, que hoje são 40, 45 alunos a cada sala. Isso interfere na qualidade do trabalho, no avanço do aluno”, exemplifica.

    Para ele, o laço que professores e alunos criam surge como papel importante na hora do ensino e tem interferência direta em questões de segurança. “Tem crianças que passam mais tempo junto com o professor do que os próprios pais. A educação também tem um papel afetivo e o professor assume esse papel. Muitas vezes os pais não estão tão presentes, a criança sai de casa e o pai já foi trabalhar, volta e ele está dormindo”, afirma Bruno.

    Por outro lado, há policiais militares favoráveis à proposta. A aprovação vai além de considerarem que o militarismo trará “de volta o respeito que está faltando” e de que, com a presença de um policial à paisana, “o pessoal vai ter um comportamento diferenciado”. Esses PMs também apoiam o Escola mais Segura por afetar diretamente no salários dos policiais. Com o projeto de Doria, cada PM receberá adicionais diários de R$ 254,68, para oficiais, e R$ 212,24, para praças. É uma forma de aumentar o salário, considerado defasado pela categoria, com um “bico oficial”.

    “É uma boa ideia do governo estadual, é mais um bico extra que oferece. O salário está muito baixo, é o 26º pior do Brasil, à frente apenas do Espírito Santo. Mesmo sendo para poucos, vai ajudar”, explica Cabo Wilson Morais, presidente da Associação dos Cabos e Soldados paulistas, pontuando que a entidade se posicionou contrariamente à Operação Delegada (em que policiais atuam no patrulhamento da cidade de São Paulo durante suas folgas), mas cedeu por pressão dos próprios praças da PM, que consideram bom o “bico oficial”.

    “É um bico oficial na hora de folga. Não é isso que gostaríamos. Queríamos um bom pagamento, salário digno. Infelizmente, nosso país está em crise, não dá para pagar o policial da forma ideal”, lamenta, dizendo acreditar no prometido por Doria. “Apesar de estarmos acreditando na promessa do governador Doria, que o estado de SP vai ter o melhor salário do país, essa não deixa de ser uma medida que vai ajudar uma parte dos policiais. Em razão do estado de necessidade do policial, ele acaba aceitando fazer [o bico oficial]. O justo é estar com sua família, estudando para se qualificar, não trabalhar para ganhar uns trocados a mais”, critica.

    Posicionamento por meio de links

    A Ponte procurou a SSP (Secretaria da Segurança Pública), administrada pelo general João Camilo Pires de Campos, e a Secretaria da Educação, gerida por Rossieli Soares, para destrincharem pontos do “Escola mais Segura”.

    A SSP enviou links do anúncio oficial da criação do projeto e de quando Doria prometeu reação judicial e criminal contra alunos que depredarem escolas, na esteira do ocorrido em Carapicuíba, para explicar a forma de atuação na nova medida proposta pelo governo. Sobre a questão do pagamento, enviou reportagem de quando o então governador Geraldo Alckmin criou o Dejem (Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar) e atualizou os valores a serem pagos.

    A Educação seguiu a mesma linha, disponibilizando o link com anúncio do projeto para retirada de dúvidas. Por telefone, a assessoria explicou que o projeto está em fase de estudos, por isso nem todas as respostas podem ser detalhadas nesse momento, há menos de três meses de sua implementação oficial, a partir de setembro, como confirmado no telefonema.

    A reportagem enviou as seguintes perguntas às secretarias:
    1. Segundo o governador, PMs da reserva e da ativa atuarão em patrulhamento externo nas escolar. Como funcionará essa ação?
    2. Doria aponta que serão policiais em folga, ou seja, será um bico oficial. Qual avaliação da PM/Secretaria da Educação sobre os policiais trabalharem em suas folgas?
    3. Os PMs terão acesso às salas de aula e áreas comuns das escolas? Em quais tipos de ocorrências eles atuarão? Os PMs precisarão de autorização da direção para entrarem nos espaços?
    4. Os policiais usarão armas neste trabalho?
    5. Quanto tempo a SSP demorará para integrar e conectar as câmeras de seguranças de escolas ao seu sistema de acompanhamento?

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