Promotoria denuncia nove PMs flagrados torturando homem em SP

Para promotor Marcel Del Bianco, que atua na Justiça Militar, policiais levaram vítima a “intenso sofrimento físico e mental, como forma de lhe aplicar castigo pessoal”. No entanto, documento não pede prisão dos denunciados; agressões ocorreram em junho de 2020

Vídeo mostra a agressão policiais militares a homem já rendido. Caso ocorreu no Jaçanã, zona norte da capital | Foto: Reprodução

O Ministério Público de São Paulo denunciou, na esfera militar, nove policiais militares pelo crime de tortura após serem filmados agredindo um homem que já estava rendido. O caso se deu em junho do ano passado em uma rua do Jaçanã, na zona norte da capital paulista. Não consta pedido de prisão no documento.

Entre os denunciados está um tenente, que tinha como função supervisionar o trabalho dos outros indiciados, um sargento e sete soldados, todos lotados no 43° Batalhão da Polícia Militar da capital. Um outro soldado também foi denunciado no mesmo processo, mas apenas por disparo de arma de fogo e não pelo mesmo crime que teria sido cometido pelos demais.

Nas imagens, é possível ver cinco PMs agredindo um homem, morador da comunidade, com socos, chutes e golpes de cassetetes. Enquanto é espancado, ele fala que é trabalhador, que foi buscar a namorada e que não estava fazendo nada.

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Segundo a denúncia, elaborada pelo promotor Marcel Del Bianco Cestaro, que dá expediente na Justiça Militar, o Inquérito Policial Militar concluiu que, no dia 13 de junho de 2020, pouco antes das 3 horas da manhã, na Rua das Flores, defronte a um escadão, no bairro Jardim Fontális, zona norte da capital paulista, os policiais “agindo em concurso e com unidade de desígnios, submeteram o civil W., sob seus poderes, com emprego de violência e grave ameaça, a intenso sofrimento físico e mental, como forma de lhe aplicar castigo pessoal”. Tais agressões foram gravadas por uma testemunha.

De acordo com a Promotoria, os denunciados são o tenente Wagner dos Santos, o sargento João Alberto Busnardo, e os soldados Bruno Ferreira de Jesus, Maycon Vinicius Santos da Silva, Eduardo Xavier de Souza, Igor Alvarenga Quizzeppi da Silva, Caio William Bruno Lopes, Francisco Xavier de Freitas Neto e Talyta Santa Brígida Rosa.

O promotor fez questão de ressaltar no documento o papel que cada PM teve durante à violência contra o homem. De acordo com a denúncia, os soldados Neto e Xavier “foram ao local dos fatos para atender notícia de perturbação do sossego, com aglomeração de indivíduos nas vias públicas. Ao chegarem, conseguiram realizar a dispersão das pessoas apenas com a presença da viatura”.

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Na sequência, ele se depararam com a vítima W. na via pública e decidiram por abordá-lo. Durante o ato, o soldado Xavier ameaçou jogar W. para baixo do escadão, fazendo com que este se agarrasse ao policial, tendo ambos caídos no interior do escadão, sofrendo ferimentos. Na sequência, o soldado Xavier se levantou e levou W. para o início do escadão”. Neto, então, foi até o carro policial e pediu reforço para as equipes que estavam pelas imediações. Com isso, todas as viaturas da 1° Companhia do 43° Batalhão que estavam pela região rumaram para a Rua das Flores.

O documento ainda aponta que, “com a chegada dos demais policiais militares, o soldado Xavier iniciou os atos de tortura contra a vítima W., como forma de lhe aplicar castigo pessoal em razão da queda anterior dos dois do escadão”. As agressões contaram com pontapés, socos e golpes de cassetete. O relatório explica que o soldado Vinicius permaneceu ao lado direito, enquanto o soldado Bruno e o soldado Quizzeppi “também apoiaram essas agressões”, já que foram flagrados pelas imagens captadas por uma testemunha.

Ainda de acordo com a denúncia, “W. permaneceu sentado no escadão, ocasião em que o soldado Lopes entregou o cassetete para o soldado Xavier, que passou a desferir novos golpes contra W., chegando a mandar W. tirar as mãos da frente do rosto, permitindo que os golpes atingissem diretamente a sua face”. Chefe imediato dos policiais no local, é mencionado que o tenente Wagner assistiu de perto o ato e, “além de não impedir as agressões, aquiesceu com a conduta do agressor”.

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Contra a soldado Talyta pesa a informação de que ela “também observou as agressões, fazendo a segurança dos torturadores, aderindo, assim, à conduta dos demais denunciados”. O sargento Busnardo também estaria “atuando na segurança, e presenciou os atos de agressão praticados por seus subordinados, aquiescendo com as condutas deles”.
O promotor Marcel Del Bicando ainda explica em sua texto que, “além das agressões, os denunciados, mantendo a vítima sob seus poderes, a ameaçavam de morte a todo tempo, causando lhe intenso sofrimento mental”. Ferido e mesmo sem possibilidade de locomoção, ele foi deixado no local sem que recebesse ajuda dos policiais. O socorro foi prestado por uma amiga da vítima, que o conduziu até sua residência.

No entanto, por volta das 6 horas, quando W. voltava para casa, ele foi novamente abordado por alguns dos PMs denunciados que, já avisados que o vídeo circulava pelas redes sociais, o encaminharam para um hospital da região.
A denúncia ainda cita que os policiais militares do sexo masculino se recusam a passar por reconhecimento pessoal, limitando a vítima a reconhece-los através de álbum fotográfico.

A gravação que mostra os policias torturando a vítima foi encaminhada para perícia técnica, “não havendo nenhum indício de “cortes, supressões, inserções ou quaisquer montagens aparentes”.

Coação

Já nas dependências da UPA Jaçanã, o soldado Xavier teria se dirigido à vítima e falado para ele “facilitar as coisas”, e determinou a W. que “dissesse perante a autoridade policial que havia fugido da abordagem e que as lesões ocorreram quando a vítima e o soldado caíram no chão, não tendo sofrido qualquer agressão por parte dos policiais militares”. Com medo, a vítima contou a versão de que havia resistido à prisão tanto para a Polícia Civil como para o Plantão de Polícia Judiciária Militar.

Inicialmente, o caso foi registrado como resistência no 73º DP (Jaçanã) pelo delegado Denis Kiss. A versão narrada pelo soldado PM Eduardo Xavier de Souza foi de que durante o patrulhamento suspeitaram do jovem, que se “debateu para tentar se desvencilhar” e, por conta disso, “ocasionou a queda de ambos no chão”.

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À época, o governador João Doria (PSDB) se posicionou pelo Twitter. Doria disse que é “absolutamente condenável as atitudes dos policiais militares que abusaram da força” e que “o Governo de SP não compactua com qualquer tipo de violência”. Os PMs também chegaram a ser afastados do serviço.

O documento ainda denuncia o sargento Busnardo e o soldado Quizzeppi por invasão de domicílio, já que, naquela mesma data, “entraram em casa alheia contra a vontade expressa de quem de direito”. O imóvel em questão era da mesma pessoa que socorreu W., no entanto, tal crime foi cometido antes da agressão ao homem, no momento da dispersão da multidão que estava nas ruas e o que teria ocasionado a ida dos PMs até o local.

Disparo em via pública

A denúncia ainda esclarece que o soldado André Luiz Vieira Junior efetuou disparou arma de fogo em via pública. Ele era o encarregado da viatura que tinha como motorista o soldado Quizzeppi. “Durante a dispersão das pessoas que ocupavam as vias públicas, o soldado André desembarcou da viatura e subiu a pé a Rua Manoel Benedito. Ao chegar próximo à esquina com a Rua das Flores, efetuou dois disparos para o alto, sem que houvesse qualquer situação que legitimasse os disparos”.

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Segundo o relatório, em um primeiro momento André negou os disparos. Posteriormente, confrontado com os resultados dos laudos periciais, “admitiu os disparos, alegando que assim agiu em legítima defesa porque a população teria se voltado contra a equipe, mas nada comunicou ou registrou a respeito”.

Procurado, o Tribunal de Justiça Militar informou que a denúncia do Ministério Público ainda não foi analisada pelo juiz. A Ponte também tenta contato com as defesas dos PMs.

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