Parentes saíram às ruas do Jardim São Jorge, na periferia de São Paulo, contra acusação de roubo a carro que recai sobre o grupo: ‘Aconteceu com os quatro e acontece com tantos outros aí fora’
Parentes, amigos e moradores do Jardim São Jorge, localizado na zona oeste da cidade de São Paulo, ocuparam as ruas do bairro para cobrar a liberdade de quatro jovens, presos há 37 dias. Recai sobre eles acusação de terem roubado o carro de um motorista do aplicativo Uber.
O reconhecimento pela vítima foi irregular, sem os procedimentos previstos no artigo 226 do Código de Processo Penal, como o de colocar pessoas semelhantes ao lado dos suspeitos a serem reconhecidos, e ainda envolveu o reconhecimento de suspeitos negros por um branco.
Mães, pais, irmãs, irmãos e tias dos rapazes organizaram e puxaram o ato em conjunto com a Rede de Proteção da Juventude e Combate ao Genocídio. Eram quase cem pessoas andando pelas ruas do bairro e ecoando o grito “Justiça!”.
Os irmãos Fabrício Batista dos Santos e Pedro Henrique Batista dos Santos, junto dos amigos Washington Almeida Silva e Leandro Alencar de Lima e Silva estão presos no CDP (Centro de Detenção Provisória) 2 de Osasco. O motorista do Uber roubado reconheceu o quarteto como autor do crime envolvendo o seu carro, modelo Renault Logan, próximo ao Shopping Raposo no dia 10 de dezembro de 2018. Os jovens negam, conforme relatam os familiares.
Nesse mais de um mês, as famílias passaram o Natal e Ano Novo sem os jovens, uma sensação nova, estranha para eles. “No fim de ano, a gente pensa em passar em casa, ficar com a família reunida e festejar. Dessa vez, não teve nada disso”, relembra Adaílton Carlos dos Santos, pai de Pedro e Fabrício. “Não foi muito bom”, conta Brendon, um dos cinco filhos de Adaílton, e irmão mais novo dos dois que estão presos.
Brendon empunhava uma placa com as fotos dos dois irmãos, impressas ao lado de imagens com Leandro e Washington no meio do protesto. Seguiu assim desde o supermercado Paraná, na esquina da Rua Domingos Rosolia com a Rua Professor João de Lourenzo, passando pelas ruas Giácomo Garrini, Elvira Cirnes Brochado, Horácio dos Santos e Luíza Josefina Voiron até retornar à Domingos Rosolia. O trajeto do protesto durou cerca de 40 minutos, com distribuição de papéis contando a injustiça que eles estão passando, segundo os parentes.
A busca por justiça movia aquelas pessoas, essencialmente Luci Batista Santos, mãe de Pedro e Fabrício, e Maria Betania de Lima Oliveira, mãe de Leandro. “Criei o meu filho na igreja evangélica desde os 4 anos, não criei filho para roubar. Ele nunca roubaria uma pessoa”, desabafa a mãe, com uma camisa em que estava escrito “nas mãos de Deus”. “Nós não podemos deixar isso passe calado, não podemos deixar que isso aconteça com eles. Aconteceu com os quatro e acontece com tantos outros aí fora”, discursou.
As familiares contam que os quatro estavam em frente a casa onde Pedro e Fabrício moram com os pais desde as 18h. Ficaram por lá até 22h, dançando e ouvindo música nesse tempo. Decidiram sair para levar Washington e, no caminho, foram abordados. Durante a abordagem, elas contam que a PM afirmou que o documento de um dos jovens estava com problemas e iriam levá-los até a delegacia. Os rapazes acabaram sendo levados de viatura até a rua onde estava o carro roubado. A PM os retirou do carro e mandou que eles olhassem em direção ao volante da viatura, sem visão para a rua. Nesse instante, a vítima da PM com o motorista passou e ele fez o reconhecimento, contam os parentes.
Já a versão dos PMs é de que encontraram o motorista e foram em busca do carro. Ao localizar o Renault Logan com motor ainda quente, perceberam quatro jovens olhando para a ação policial. Foi quando os PMs decidiram pela abordagem e encontraram os suspeitos do roubo ainda do lado do carro. Eles foram reconhecidos na rua e na delegacia, sem as exigências do Código de Processo Penal.
Durante o trajeto da manifestação, dona Luci parou exatamente onde o veículo roubado foi deixado pelos criminosos. Ela fez apelo para que as pessoas liberem imagens de câmera de segurança para que “os verdadeiros bandidos sejam reconhecidos e seja feita justiça com seus filhos”.
Uma moradora denunciou ter acontecido um roubo a motorista do aplicativo Uber na última semana com os mesmos moldes da ação à qual os quatro jovens respondem. “Eram quatro criminosos, pegaram o motorista, sequestraram e depois soltaram ele. Como acontece a mesma coisa se os quatro foram presos? Está claro que não são eles”, afirmou.
Maurício Monteiro, de 49 anos, segue até agora sem acreditar que Fabrício, Pedro, Washington e Leandro estão presos. O professor de boxe é responsável há sete anos por um projeto social em que ensina a luta para jovens do bairro. Segundo ele, suas preocupações estavam longe dos quatro, pois sempre deram sinais de “estarem no caminho certo”. “É tudo moleque bom, de boa, educados e disciplinados, nunca deram trabalho. Até falava para eles que o meu projeto não era exatamente para garotos assim, preferia os moleques difíceis para ensinar coisa da vida. Nunca imaginei ver o que está acontecendo, fiquei em choque quando ouvi”, relata. Monteiro também integra a Rede e auxiliou na organização do ato.
Um dos manifestantes demonstrou preocupação com a prisão, segundo ele, injusta. E argumenta ser esta uma lógica implementada pelo governo de São Paulo. “Estão falando que o João Doria [governador de SP] quer privatizar os presídios. Muito cuidado, pessoal! Vão nos transformar em números e, para eles, os ricos e empresários, número é sinônimo de dinheiro. Vai acontecer cada vez mais o que está se passando com esses quatro moleques do bairro”, disse.
Duas viaturas da Polícia Militar do Estado de São Paulo – uma ronda escolar e uma base comunitária -, comandada pelo governador João Doria, estiveram no local por precaução. Antes do ato, o sargento responsável pela ação conversou com Maurício. “Qual o contexto da comunidade com a PM?”, questionou. “Tem gente que não sabe separar a ação de uma equipe com a da nossa. Trouxemos uma base e uma ronda propositalmente. Vimos que se trata de pessoas de bem, famílias e várias crianças, nosso medo é que parasitas se aproveitem do movimento e façam algo”, declarou o PM. Não houve nenhum tipo de incidente no decorrer do ato, apesar da preocupação da PM presente no local.
Em seguida ao diálogo, os manifestantes saíram de onde estavam reunidos e deram a volta em dois quarteirões do Jardim São Jorge, o mesmo trajeto feito pelos quatro rapazes na noite do dia 10 de dezembro de 2018. Por volta das 20h, o encontro teve fim. Cada um pôde ir para a sua casa, diferentemente do que aconteceu com Fabrício, Pedro, Washington e Leandro naquela oportunidade. Eles seguem presos no CDP 2 de Osasco.