Protesto em São Paulo exige justiça para Bruno Pereira, Dom Phillips e Maxciel dos Santos 

O ato contou com a presença de profissionais da Funai, indígenas e jornalistas e também pediu proteção para os territórios ameaçados pelo crime organizado

Centenas de pessoas participaram de um protesto em repúdio aos assassinatos de Bruno Pereira, Dom Phillips e Maxciel dos Santos | Foto: Pedro Biava

Unidos pela dor e revolta por conta das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips anunciadas na última quarta-feira (15), pouco mais de 100 pessoas reuniram-se em um ato no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), na Avenida Paulista na manhã deste sábado (18).

Além das mortes ocorridas na região do Vale do Javari, no Amazonas, os manifestantes também pediram justiça por Maxciel dos Santos, indigenista morto em 2019, em Tabatinga (AM), com tiros na nuca. Ele era colega de Bruno e trabalhava na Frente de Proteção Etnoambiental da Fundação Nacional do Índio (Funai), o caso até hoje não foi solucionado.

Bruno Pereira e Dom Phillips desapareceram durante deslocamento no rio Itaquaí, nos limites da Terra Indígena (TI) Vale do Javari, no Amazonas, em 5 de junho. Dez dias depois (15), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, afirmou em uma rede social que foram localizados “remanescentes humanos”. Pela versão oficial, as vítimas foram executados a tiros e os corpos, esquartejados e enterrados.

“Marco temporal é urgente”

Durante a manifestação organizada pela associação de servidores da Funai (INA – Indigenistas Associados), pelo Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal de São Paulo (Sindsef-SP) e pela Central Sindical e Popular Conlutas, foram entoados pedidos de justiça e de derrubada do presidente da Funai, Marcelo Xavier, e do presidente da República, Jair Bolsonaro. “Proteção pro Javari, justiça lá, justiça aqui!”, bradavam os manifestantes presentes.

Ao menos três manifestações foram convocadas neste sábado em São Paulo, Brasília e Manaus| Foto: Beatriz Drague Ramos/Ponte Jornalismo

Uma delas era Sonia Aramirim, 47 anos, indígena da Terra Indígena (TI) Jaraguá, da região norte de São Paulo. “Eles foram calados através do assassinato, os servidores da Funai tentam fazer o máximo possível para nos apoiar”, lamentou. “Esse ano já morreram três pataxós, no sul da Bahia, os Guaranis Kaiowás estão sofrendo genocídio declarado.”

Segundo a representante do povo Xucuru-Cariri, o julgamento do Marco Temporal é urgente, pois os territórios correm perigo, uma vez que o próprio presidente é contra a demarcação das TIs. “Enquanto isso, o presidente da República irá distribuir as nossas terras sem conversa com as populações e ele sabe que assim estará matando cada vez mais o nosso povo.”

Sonia Aramirim da Terra Indígena (TI) Jaraguá foi até o Masp se manifestar | Foto: Beatriz Drague Ramos/Ponte Jornalismo

Nesse sentido, uma servidora da Funai que não pode se identificar na reportagem, por temer represálias, afirma que o sucateamento do órgão tem se intensificado nos últimos cinco anos, deixando os profissionais cada vez mais vulneráveis: “Não temos condições de trabalho, não temos uma embarcação adequada, não temos colete salva-vidas, a prova de balas, não há estrutura para fazermos o nosso trabalho”.

Ela conhecia Maxciel e era colega de Bruno desde 2010, quando ingressaram na carreira na região do Alto Solimões (AM). Segundo ela, as buscas não ocorreram na velocidade necessária. “Desde que eu fiquei sabendo tive a sensação de que algo ruim tinha acontecido com ele [Bruno] e foi muito doloroso pelo processo de desaparecimento. A gente sabe que passado esses holofotes todos os nossos colegas de lá vão ficar em perigo.”

Hoje alocada em São Paulo, essa servidora desistiu de viver no Amazonas, por motivos entre os quais estão a insegurança e as ameaças. “Em 2019, quando o Maxciel foi morto, eu tinha medo de sair na rua e ser identificada como da Funai, um medo constante. Lembro de passar dois meses sem sair de casa para ir a um restaurante na cidade, porque os boatos eram de que todo mundo que trabalhava na Funai estava ameaçado”, conta. “É muita tristeza, angústia, revolta, saber que pode ser eu, qualquer amigo, tenho muita vontade de voltar para a Amazônia, pois sou do Norte.”

Britânico lamenta a morte do colega

Assim como ela, o jornalista Sam Cowie também perdeu um parceiro de trabalho. Sam era amigo de Dom Phillips, há nove anos, também inglês o jornalista passou a atuar no Brasil como correspondente de veículos como o The Guardian, The Financial Times, Al Jazeera, BBC e outros. Neste sábado ele lembrou dos últimos momentos com o colega, em um bar no Rio de Janeiro, quando assistiam a um jogo de futebol em 2019. “O bar em que estávamos pegou fogo e saímos correndo, mas depois voltamos para pagar a conta. Depois eu me mudei para SP e Dom morava no Rio, desde então nos encontrávamos quando viajamos para a cidade do outro”, conta Cowie.

“Se eles não podem andar lá, quem pode?”, questionou o jornalista Sam Cowie | Foto: Beatriz Drague Ramos/Ponte Jornalismo

Sam recebeu a notícia do desaparecimento de Dom quando saía de um avião após uma viagem. “Tinha muita gente perguntando se eu sabia dele. Eram só 24 horas, não pensei muito naquele momento, depois comecei a ler os relatos dos indígenas e aí comecei a pensar o pior, porque o Bruno não ficaria perdido.”

A organização do crime ambiental no Brasil vem se recrudescendo nos últimos três anos, segundo o jornalista que também atua cobrindo a área socioambiental. “Segundo dados da CPT [Comissão Pastoral da Terra] o ano mais violento foi 2017, mas não se pode medir só pelas mortes, o que eu posso falar é que a consolidação do crime organizado e de máfias que tem influência política, no judiciário, que empregam pistoleiros, milicianos. Esse mundo tem se empoderado nos últimos três anos.”

Números da Comissão Pastoral da Terra (CPT), indicam que pelo menos 19 pessoas foram mortas por conflitos no campo neste ano no Brasil. Dessas, 15 ocorreram na Amazônia Legal. Os dados não levam em conta os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Do Phillips. Em 2021, houve um aumento de 75% dos homicídios em comparação a 2020. Dos 35 casos registrados pela CPT em todo o Brasil, 28 ocorreram na Amazônia, aponta a entidade.

“Se eles não podem andar lá, quem pode?”, questionou o jornalista em resposta aos que afirmam que Dom e Bruno foram viver uma “aventura” na Amazônia. “Era o emprego dele, é a função dele, ele já conhecia a região, ele estava com uma pessoa que conhecia a região mais do que qualquer outra pessoa não indígena.”

“Um exemplo de indigenista.” É dessa forma que um outro profissional da Funai, que não pode se identificar, se lembra de Bruno, colega de profissão há 11 anos: “O setor que o Bruno trabalhava de indígenas isolados talvez seja um dos setores mais nevrálgicos da Funai. Ele foi totalmente tomado pelos ruralistas, com cargos de comissão indicados pelos ruralistas, missionários e toda essa corja que está aí”.

A morte do indigenista Maxciel também foi lembrada durante o ato | Foto: Beatriz Drague Ramos/Ponte Jornalismo

Tem uma série de normativas que a gestão atual da Funai implantou para impedir a garantia de direitos dos povos indígenas, alega o servidor. “Uma delas é a de só atuarmos em terras homologadas, o que restringe o nosso trabalho em cerca de 50%. Na terra que não está demarcada, a gente não pode atuar, sem contar o sucateamento da própria instituição.”

Greve na Funai

Diante disso tudo, servidores da Funai de Brasília entraram em greve e devem realizar um ato nacional no próximo dia 23 para exigir a saída de Marcelo Xavier. “A sinalização que a gente tem da direção até o momento”, afirma o servidor, “é que será descontado o salário e não foi aberta nenhuma negociação com esse grupo de servidores”. E termina: “Logo que houve o desaparecimento do Bruno e Dom, a direção da Funai soltou uma nota esdrúxula, que desrespeitava a memória deles e até agora não houve retratação quanto a isso”.

Casé Angatu, 58 anos, representante da TI Tupinambá de Olivença, na Bahia, alegou que os territórios demarcados e não demarcados não têm garantia de segurança nenhuma sob o atual governo. “O Bruno é um militante da causa, aquelas mortes eram dirigidas a nós. Para nós não morrermos, muitos dos indigenistas e sertanistas dão a vida. Estamos nesse ato para lembrar que a memória deles está presente agora e sempre.”

“A memória deles está presente agora e sempre”, disse Casé Angatu| Foto: Beatriz Drague Ramos/Ponte Jornalismo

Também presente no ato, a diretora teatral e integrante do Movimento Artigo 5º, Regina Galdino, 59 anos aponta que a responsabilidade de cobrar respostas sobre os crimes e as mortes ocorridas entre indígenas e defensores dos direitos humanos é de todos. “Os indígenas não tem esse tempo da próxima eleição. As pessoas estão sendo assassinadas em uma velocidade rápida. A gente fica inerte? Alguma coisa tem que ser feita com urgência.”

Regina Galdino criticou a violência vivida pelos povos indígenas no Brasil| Foto: Beatriz Drague Ramos/Ponte Jornalismo

Até o momento, Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “pelado”, réu confesso do crime e Oseney da Costa de Oliveira estão presos em Atalaia do Norte. Nesta sexta-feira (17), Jeferson da Silva Lima, vulgo “Pelado da Dinha”, um terceiro suspeito de participar do crime, teve um mandado de prisão expedido em seu nome.

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Apesar da rede de pesca ilegal e da ocorrência de diversos crimes ambientais e do narcotráfico, que atua na região amazônica a Polícia Federal descarta um mandante do crime e da como incerta a motivação do mesmo. Ao menos três manifestações ocorreram neste sábado: em São Paulo (SP), Brasília (DF) e Manaus (AM).

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