Punição de adolescentes: piorar para ficar como está

    Ao invés de propor medidas para evitar que as pessoas sejam mortas ou aumentar esclarecimento de crimes, o Congresso Nacional hoje se contenta com medidas inócuas, como o endurecimento das penas

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    No dia 14 de julho, o Senado aprovou mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aumentando de 3 para 10 anos o prazo máximo de internação para adolescentes autores de ato infracional equiparável a crime hediondo. Para entrar em vigor, a mudança terá que ser aprovada na Câmara dos Deputados, o que não deve ser difícil, já que a casa acaba de aprovar em primeiro turno, numa manobra questionada, a redução da maioridade penal de 18 para 16 nos crimes contra a vida.

    Ambas as mudanças afetarão bastante o modelo da justiça juvenil desenvolvido no Brasil com a promulgação do ECA, colocando em xeque o modelo de punição pautado pela integração do jovem que cometeu uma infração ao mundo formal do trabalho, da escola, das leis. Novos ataques podem surgir nos próximos meses já que o cenário político é francamente favorável à redução de direitos e ao endurecimento penal.

    Contudo, como medida para reduzir a violência, as mudanças terão baixíssimo efeito, se não forem inócuas. Endurecer leis e aumentar penas, como medidas pontuais, não tem o poder de interferir nas causas e dinâmicas da violência. O Brasil tem aumentado penas e ampliado o número de presos há quase duas décadas e, mesmo assim, é o país com o maior número absoluto de homicídios do mundo, as maiores taxas de violência policial já calculadas, e a violência é a segunda maior preocupação apontada nas pesquisas de opinião.

    Simplesmente aumentar penas não produz nenhuma mudança nas dinâmicas sociais que produzem a morte violenta – que tem alvo preciso no Brasil, focalizado nos jovens, negros, pobres, que têm acesso a armas de fogo. Nem contribui para mudanças institucionais nas formas de trabalho das polícias e da justiça criminal, para dar mais efetividade a programas de prevenção à violência, melhorar a investigação dos crimes, agilizar a tramitação dos processos.

    Agir apenas sobre a quantidade da pena significa continuar aceitando que quase 60 mil homicídios acontecerão todos os anos no Brasil, aceitar a morte de jovens por arma de fogo como um fato inevitável. Significa continuar a conviver com uma taxa de esclarecimento de crimes que não é superior a 8% segundo dados recolhidos pelo Conselho Nacional do Ministério Público e por pesquisas de universidades. Significa continuar a aguardar que um crime de homicídio leve de 3 a 8 anos para ser julgado pela justiça comum.

    O ataque ao modelo da justiça juvenil levado a cabo pelo Congresso Nacional convive com a aceitação de que a morte violenta ocorra e que, apenas ao final da investigação policial para esclarecer a autoria, ao final do julgamento pelo Tribunal do Júri, o que pode levar até oito anos para ocorrer, o infrator – caso identificado – será punido com uma pena mais dura.

    A lógica é equivocada por reproduzir a aceitação da seletividade punitiva – posto que nenhuma mudança mais séria nos programas de prevenção, na investigação policial e na justiça criminal está sendo proposta ou discutida.

    Ao invés de propor medidas para evitar que as pessoas sejam mortas, ou possibilitar que um número maior de crimes seja esclarecido, o Congresso Nacional hoje se contenta em propor que aqueles que forem pegos – as exceções ­– tenham punição mais dura. Enquanto a impunidade nos crimes contra a vida continuará a ser a regra geral.

     

    Jacqueline Sinhoretto é professora do Depto de Sociologia da UFSCar e líder do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos – GEVAC

     

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