Rapaz diz que foi torturado para confessar crime que não cometeu

    PM prendeu desempregado que levava cesta básica para casa, em SP, e bateu tanto nele que o fez “desmaiar duas vezes”, segundo relato. No DP, apanhou menos: “só uns tapas”

    PMs usaram bombas contra moradores de favela de SP  Foto: Reprodução/Nome dos Números

    O desempregado Fernando Menezes dos Santos, 26 anos, foi detido durante operação da Polícia Militar na região conhecida como favela da Ilha, no bairro São Lucas, zona leste de São Paulo, na quarta-feira da semana passada (19/4). De acordo com moradores que testemunharam a ação, o rapaz foi abordado pelos policiais enquanto levava uma cesta básica para casa. Os PMs o acusaram de ter atirado pedra contra uma viatura do 19º BPM/M (Batalhão da Polícia Militar Metropolitano), na entrada da favela.

    Fernando afirma que apanhou dos policiais militares, para ir à delegacia, e depois de policiais civis, para assinar a “nota de culpa”, que cobrava fiança de R$ 2.900 por dano à viatura da PM. “Apanhei muito. Me enforcaram, me imobilizaram, até eu desmaiar duas vezes. Tomei murro até umas horas. Apanhei aqui na frente da favela, quando os policiais vieram me algemar. Na delegacia, eu só levei uns tapas na cara para assinar o papel”.

    A operação que a PM fez no meio do bairro, na altura 6500 da avenida do Oratório, onde há uma ponte que dá acesso à favela, começou com uma perseguição  a dois suspeitos em um carro roubado e terminou com tiros e bombas sobre os moradores, segundo informações do coletivo de direitos humanos Nome dos Números, que acompanha os casos de violência do Estado na região.

    De acordo com a nota do coletivo, os dois homens que estavam no veículo roubado tentaram fugir a pé, depois de bater o carro. Um tentou se refugiar em um bar e o outro pulou no rio que margeia a favela. “Os policiais começaram a disparar contra ele dentro do córrego. Diante da cena, os moradores que ali estavam começaram a gritar do outro lado do rio”, afirma a nota.

    Após a reação dos moradores, policiais usaram bombas de efeito moral e tiros para dispersar a população. Ao mesmo tempo, outros PMs entraram na favela e começaram a fazer abordagens. Foi quando abordaram Fernando.

    “O Fernando desceu para pegar uma cesta básica com um pessoal que tinha dado para ele. Eu estava indo para o mercado e vi um pessoal correndo e chorando e escutei barulho de polícia. Então desci para ver se ele [Fernando] estava na casa desse pessoal. Chegando lá, ele estava. Ficamos um pouco, pegamos a cesta básica e viemos embora. Quando a gente já estava longe do ocorrido, um monte de policial abordou o Fernando”, explica uma prima do rapaz.

    Segundo ela, com a arma apontada para Fernando, os PMs perguntavam onde ele ia com a cesta e o chamaram de ladrão. Na sequência, a prima de Fernando conta que os militares perguntaram sobre os antecedentes criminais do rapaz. “Perguntou se ele tinha passagem, ele falou que tinha. Então os policiais já cercaram ele, mandou eu ir embora, e falaram que iam levar ele para averiguação”. A “detenção para averiguação”, em que não há flagrante delito nem ordem judicial, é considerada uma prática ilegal.

    A partir desse momento, a prima de Fernando conta que os PMs não permitiram mais que ela ficasse próxima de Fernando, e que, se ela insistisse, seriam “obrigados a agir de outra maneira” para retirá-la. “Acabei me retirando e fui chamar outro rapaz. Os policiais também não quiseram falar com ele, e quando fui ver de novo o Fernando já estava sentado no chão, de perna aberta, parecendo um bandido mesmo.”

    A prima do desempregado ainda conta que, minutos depois, com a chegada de outras pessoas contra a prisão de Fernando, policiais empurraram a esposa do jovem, deram tiro para o alto e usaram bombas de gás para dispersar os moradores.

    Fernando passou a noite no 69º DP (Teotônio Vilela) e, na quinta-feira (20), depois da realização da audiência de custódia,  foi liberado e vai responder em liberdade.

    Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo), que é administrada pela empresa terceirizada CDN Comunicação, disse que o jovem foi preso em flagrante por dano qualificado. A nota da assessoria da pasta ainda afirmou que “policiais atendiam ocorrência no local, quando Fernando e outras duas pessoas passaram a atirar pedras na viatura, os outros dois autores conseguiram fugir”.

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