Rebelião em presídio é culpa do Estado, não de Defensoria, dizem entidades

    Grupos rebatem afirmação da gestão Márcio França (PSB) de que rebelião em Lucélia (SP) foi motivada por entrada de Defensoria Pública em presídio

    rebelião lucélia
    Após rebelião, presos são mantidos sentados no pátio da Penitenciária de Lucélia (SP) | Foto: arquivo pessoal

    “Seus lixo, acabou para eles agora”, é o que parentes de presos na Penitenciária de Lucélia, no interior de SP, relatam ter ouvido, na noite de ontem (27/4), de agentes do GIR (Grupo de Intervenção Rápida), a “tropa de choque dos presídios”, que se preparavam para entrar na unidade prisional, logo após o fim de uma rebelião de 22 horas.

    Pior foi o que os familiares ouviram depois: os gritos de “socorro”, “não mata a gente” e “não precisa me agredir, senhor” que se repetiram em vários momentos da madrugada deste sábado (28). Para muitas mães e mulheres de presos, porém, o que mais doeu foi ouvir o silêncio dos servidores públicos que deveriam lhe dar informações.

    Ao longo da manhã, parentes que estavam na frente da penitenciária relatam que viram a saída de aproximadamente 15 “bondes” (veículos que transportam detentos) saindo com destino a outras unidades prisionais. Também ouviram um tenente da Polícia Militar relatar que a rebelião havia deixado 42 feridos. Nenhum funcionário dos presídios, porém, informava os nomes: nem dos feridos, nem dos transferidos, nem dos que permaneciam na unidade.

    “Eu liguei várias vezes perguntando onde estava o meu marido, mas disseram que só vão me dar informação na quarta ou quinta-feira”, afirma a dona-de-casa Ianca Ivanov, 21 anos. Uma mãe de preso, que ouviu a mesma resposta dos funcionários, pergunta: “Você acha que a gente como mãe tem condições de esperar até quarta-feira para saber onde o filho se encontra?”.

    Como a rebelião quebrou grades e destruiu diversos setores da unidade, nenhum preso voltou às celas. Eles foram todos amontoados no pátio. “Passaram a noite de ontem e o dia de hoje todos sentados no chão, sem poder dormir e sem comer, sendo agredidos pelo GIR“, relata a promotora de vendas Bianca Sales, 27 anos, que tem um marido preso em Lucélia – ou talvez em outro lugar, já que ela, como outros familiares, não foi informada sobre quais detentos permanecem ali e quais foram levados nos “bondes” .

    Culpa de quem defende

    Enquanto presos e seus familiares sofriam com a dor e a falta de informações, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) do governador Márcio França (PSB) entrava num embate com grupos de defesas de direitos humanos sobre a responsabilidade pela rebelião em Lucélia. Em nota distribuída na quinta-feira (26/4), logo após o início do motim, a SAP culpou cinco defensores públicos pelo tumulto, por terem entrado na penitenciária, durante o banho de sol dos presos, para averiguar denúncias de maus tratos.

    Após entrarem na penitenciária, por volta das 14h, três dos defensores foram feitos reféns pelos presos, dando início à rebelião. “A direção informou aos defensores que não seria apropriado entrar naquele momento pois os detentos estavam no horário do banho de sol, porém, os defensores insistiram em entrar”, afirmou a nota da SAP. Os presos liberaram os reféns e se renderam 22 horas depois, por volta das 12h de sexta.

    Boa parte da unidade foi destruída na rebelião | Foto: arquivo pessoal

    A mesma posição de culpar a Defensoria também foi assumida por agentes penitenciários, entre eles o Agente Marcelo Augusto, dono de um blog e uma página no Facebook, na qual criticou a atitude dos defensores públicos, sem mencioná-los diretamente. “A rebelião acarretou um prejuízo dispendioso ao erário público, poderia ser evitada se ‘eles’ tivessem ouvido os agentes penitenciários”, escreveu.

    Familiares de presos e entidades de defesa dos direitos humanos saíram em defesa da Defensoria, numa nota assinada por grupos como Pastoral Carcerária, Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública, Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos), IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Conectas e Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), entre outros.

    https://www.facebook.com/idireitodedefesa/posts/1713065895399288

    “Os defensores públicos que foram mantidos reféns estavam no estrito cumprimento de seu dever legal. De modo que qualquer insinuação no sentido de responsabilizá-los de alguma forma por terem entrado na unidade é um completo absurdo, desprovido de senso de realidade e de conhecimento sobre as legislações elementares que regulam a disciplina carcerária”, afirma a nota, que responsabiliza o Estado pelas más condições dos presídios, que levam a rebeliões como a de Lucélia. “A opção por uma política criminal que prioriza o encarceramento e a presença apenas da face opressora do Estado dentro e fora das prisões, favorece a escalada da violência.”

    Parentes de presos ouvidos pela Ponte também afirmaram que os defensores públicos não tiveram culpa pela rebelião. “A culpa não é deles, é da direção do presídio, que vive cometendo abusos de autoridade, entregam comida podre para os presos e não dão atendimento médico para gente que está muito doente, com tuberculose e Aids”, afirma Bianca Sales.

    Segundo Bianca, um dos abusos que revoltou os presos é a revista corporal que o presídio passou a fazer nas mães e mulheres de presos após a instalação de um scanner corporal para as visitas. O equipamento deveria servir justamente para examinar o corpo das visitantes sem necessidade de revistas vexatórias, mas, como os funcionários não saberiam utilizar corretamente o scanner, o efeito foi o oposto. “No exame do scanner, aparece que a gente está com droga no corpo, mesmo que não tenha nada. Aí, se quiser fazer a visita, a gente precisa ir até o pronto-socorro e lá eles fazem toque anal e vaginal na visita. Um monte de gente já passou por isso”, conta.

    Outro lado

    Procurada, a Secretaria da Administração Penitenciária ainda não respondeu à Ponte sobre as denúncias.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas