Revisão de condenação de Barbara Querino é adiada por Justiça de SP

    Mesmo com álibi e reconhecimento irregular, dançarina negra foi condenada e tinha expectativa de provar inocência, mas relator pediu mais tempo para analisar caso

    Nesta segunda-feira, Babiy recebeu apoio de advogados e ativista em evento na OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo) | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu adiar a revisão criminal do caso da modelo e dançarina Barbara Querino, a Babiy, condenada por roubo e que ficou presa 1 ano e 8 meses na Penitenciária Feminina de Franco da Rocha, em São Paulo. Ela foi libertada no dia 10 de setembro, mas em condicional, e, desde as primeira horas fora da cadeia só pensava em provar que foi vítima de uma injustiça.

    A expectativa era que isso acontecesse nesta terça-feira (29/10), quando a revisão do caso entrou na pauta da 16ª Câmara Criminal do TJ-SP, no centro da capital paulista, em sessão na qual participaram os desembargadores Newton de Oliveira, Guilherme Nucci, Adalberto Camargo Aranha Jr. e Gilberto Leme Garcia. O procurador Cesar Dario Mariano manteve a tese de acusação, mas o relator, desembargador Guilherme Nucci, pediu mais tempo para análise.

    Como não há mais espaço para argumentação das partes, a previsão é que o julgamento aconteça online em data ainda não definida. Resiliente, Babiy preferiu não se pronunciar sobre o adiamento e simplesmente disse que agora vai “seguir a vida como está”.

    Roberto Tardelli, advogado, ex-procurador de Justiça e que atua na defesa de Babiy, afirmou que está indignado e criticou, em especial, o fato de que Barbara foi exposta em imagens na delegacia segurando uma placa como se já estivesse sentenciada. “Ela foi apresentada desde o início como autora do crime. O sentido de estarmos aqui é evitar o erro judicial. Nós não somos agentes de segurança, somos agentes da lei. Manter essa condenação é um erro ciclópico, transcende a acusada. Gastei 40 anos para que ninguém inocente fosse condenado”, afirmou.

    Roberto Tardelli consola Babiy: momento de provar inocência foi adiado | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    O outro defensor, o advogado Flavio Roberto Campos, destacou o teor racista do caso. “As vítimas foram seduzidas pelo estereótipo. Existe um senso comum de que os orientais são mais competente nos vestibulares, nas ciências exatas. Isso existe no processo penal quanto aos negros. A imagem apresentada para as vítimas induz a esse estereótipo de que o negro pode ser criminoso. O estereótipo é uma marca”, pontuou.

    Relembre o caso

    A mudança drástica na vida de Babiy começou no dia 4 de novembro de 2017, quando policiais militares prenderam um irmão dela, Wesley Victor Querino de Souza, 19 anos, e um primo, William Wagner de Paula da Silva, 24, acusados de roubo de automóveis. Embora não tivesse relação com o crime, a dançarina foi levada até a delegacia e fotografada. Depois disso, as imagens dela vazaram para grupos de WhatsApp e páginas do Facebook, em mensagens que a apresentavam falsamente como membro de uma quadrilha de assaltantes de carros que atuava na zona sul de São Paulo.

    Vítimas de dois roubos ocorridos na região, todas brancas, disseram ter reconhecido a jovem negra — uma delas disse que a achou “bem familiar por causa dos cabelos”. Bárbara foi denunciada pelo Ministério Público e presa em 15 de janeiro deste ano, acusada de participação em dois roubos: um em 10 de setembro de 2017, que vitimou um casal, e outro em 26 de setembro, contra dois irmãos.

    Em 10 de agosto do ano passado, Babiy foi condenada a cinco anos e quatro meses de reclusão pelo roubo ao casal. Em 12 de novembro, foi absolvida da acusação do segundo crime, contra os irmãos.

    O principal álibi de Babiy sempre foi que na data do crime pelo qual foi condenada, ela estava trabalhando fora de São Paulo. Postagens em redes sociais com dia e hora comprovariam a versão. Além disso, o reconhecimento desrespeitou os procedimentos previstos no Código de Processo Penal. Uma das vítimas do roubo disse que havia reconhecido Bárbara com “100% de certeza” a partir de uma única fotografia, exibida por policiais civis do 99º DP (Campo Grande). A identificação com base em uma única foto, chamada de show-up, costuma ser causa de um grande número de reconhecimentos falsos — que são ainda maiores nos casos em que vítimas brancas reconhecem suspeitos negros.

    A defesa de Babiy chegou a contratar o perito forense particular Eduardo Llanos para analisar as imagens e também dar um parecer sobre o reconhecimento. Para o perito, as fotos mostram que ela estava longe do local do crime e a informação de que uma das vítimas a reconheceu pelo cabelo é totalmente questionável. “Significa que ele reconheceu um estilo de cabelo muito comum utilizado por pessoas afro descendentes em todas as esferas sociais, o que nos permite determinar que qualquer pessoa que, por estar no local no dia e na hora errada, e que tivesse o mesmo cabelo seria indiciada, denunciada e condenada”, ponderou.

    No processo, a defesa chegou até mesmo a colocar uma imagem de Babiy e da atriz Thais Araujo para demonstrar a tese da perícia.

    Em liberdade desde setembro, Barbara recebeu a Ponte em sua casa, na Vila Constância, periferia da zona sul de São Paulo, falou dos planos daqui para frente: provar sua inocência e seguir com sua paixão e ofício, que é a dança, além de estudar. “Quero ser reconhecida pela dança, não pela prisão”, disse.

    Babiy está fazendo uma arrecadação online no site Vakinha para conseguir recomeçar a vida em uma casa nova.

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