Sargento admite erros de PMs em ação que matou jovem no dia de seu aniversário

    Delvanio Soares declarou à Justiça Militar que Guilherme Giacomelli e Renan Branco “se desesperaram” com tiro nas costas de Rogério Ferreira: “estavam perdidos na ocorrência”

    Rogério ao lado da mãe, dona Rose | Foto: Arquivo/Ponte

    O superior imediato dos PMs Guilherme Tadeu Figueiredo Giacomelli e Renan da Conceição Fernandes Branco afirmou que eles se desesperaram na ação que terminou com a morte de Rogério Ferreira da Silva Júnior, 19 anos. A ocorrência aconteceu no Parque Bristol, zona sul da cidade de São Paulo, no dia 9 de agosto, aniversário do jovem.

    Em audiência realizada nesta terça (27/10) na Justiça militar, o sargento Delvanio Soares admitiu que os dois policiais “estavam perdidos na ocorrência”. Revelou, ainda, que o pedido de apoio feito pelo PM Branco aconteceu em ligação pelo telefone particular e não pelo sistema da corporação. Os dois policiais respondem em liberdade depois de terem ficado um mês presos.

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    Conforme explica Soares, ele estava em policiamento quando Branco ligou e disse “encosta aqui, rápido”, sem dar detalhes. Ao chegar ao local, viu uma multidão, com Rogério caído sob a moto e apoiado em uma parede.

    “Em vez de acionar o Copom [Centro de Operações da Polícia Militar], me ligaram primeiro porque estavam perdidos na ocorrência, perdidos no que aconteceu”, explicou, afirmando que Guilherme confirmou ter dado o disparo que atingiu Rogério pelas costas.

    Naquele dia, os dois policiais de Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas) estavam em serviço quando viram Rogério sem capacete em uma moto. Asseguram ter dado voz de parada e que ele teria fugido.

    Sargento Soares em depoimento à Justiça Militar | Foto: Reprodução

    Segundo Branco e Giacomelli, o rapaz teria feito menção de sacar uma arma durante a fuga, o que gerou a resposta de um deles: atirar. Rogério estava desarmado, conforme relato do sargento Soares à Justiça militar.

    Menos de seis horas depois da morte, o delegado Ricardo Travassos da Silva, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) considerou verídica a versão dos PMs, de que atiraram em legítima defesa.

    O sargento afirmou que a demora no socorro gerou revolta da população e que, por conta disso, os próprios moradores pegaram Rogério e o socorreram. Ele chegou morto no Pronto Socorro.

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    Inicialmente, o PM Branco declarou se tratar de um caso de acidente de trânsito, sendo corrigido por Delvanio quando ele chegou ao local. Ele declarou que o relato aconteceu porque eles não tinham certeza se o tiro pegou ou não em Rogério.

    “A pressão foi grande que o Branco fez a modulação [relato no sistema da PM] mesmo sem saber o que tinha acontecido. Peguei o Guilherme, fomos lá e de forma cuidadosa viramos a vítima. Visualizei o disparo nas costas da vítima e foi aí que retifiquei a modulação do Branco”, detalhou.

    Os juízes responsáveis pelo julgamento da morte do jovem questionaram o fato de Branco e Giacomelli não terem seguido procedimentos padrões na ação, como informar ao sargento se pediram socorro ou se conferiram se Rogério estava ferido.

    O sargento admitiu falha na orientação dada aos policiais. “Eu não tinha todo tempo para gerenciar toda a área de uma companhia, gerenciar as viaturas e sempre realizar treinamento dos policiais”, declarou Soares. “Digo que falhamos nessa parte com eles por serem tão recrutas e não ter tido mais atenção nessa questão das instruções”.

    Ao ouvir do sargento que ele não fez estas perguntas aos PMs, o juiz Ronaldo Roth questionou se ele também havia quebrado o POP (Procedimento Operacional Padrão). “Se não fez a pergunta, o senhor descumpriu o POP. O senhor confessa isso?”, perguntou Roth, com o sargento respondendo que Guilherme disse a ele não ter visto arma com Rogério ao vê-lo caído.

    “O senhor esta tentando justificar o injustificável. Já entendemos o seu papel. Seus policiais subordinados fizeram o que fizeram. O senhor relevou tudo isso. A denúncia, com certeza, será ampliada”, retrucou o juiz.

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    Além do superior direto dos PMs, a Justiça militar ouviu uma testemunha de acusação: o homem que o resgatou e levou ao hospital. Tio do dono da moto, declarou que o Rogério era como um irmão para o seu sobrinho e reafirmou que o rapaz tinha pegado a moto emprestada para dar uma volta no aniversário.

    “Era dia dos pais, estávamos fazendo um churrasco. O Rogério era amigo da família. Essa moto era do meu sobrinho. Por volta de 18h, ele chegou gritando, chorando que o Rogério havia sido baleado na Avenida dos Pedrosos”, relembra o homem, cujo nome será omitido por questões de segurança.

    Ele estimou em torno de 20 minutos a meia hora entre o tempo dele ter sido avisado de que os PM atiraram em Rogério até conseguir resgatá-lo.
    “A única coisa que me respondiam é que ‘o socorro já foi chamado’. Perguntava como que estava, se estava vivo e só me respondiam isso. Não permitiam chegar nele”, diz, citando ter sido ameaçado.

    “Teve o momento em que um dos policiais, um negro e alto, me ameaçou: ‘ele [Rogério] procurou e achou e você está procurando e vai achar também’, me disse”, relatou ao juiz Roth, incluindo a informação de que a moto havia sido comprada por seu sobrinho 0km e não era roubada, como sustentou o secretário da Segurança Pública de SP um dia após a morte de Rogério.

    Mãe de Rogério, Roseane da Silva Ribeiro foi a última ouvida do dia. Declarou que o filho era trabalhador, desde os 15 anos entregando comida e pizza de bicicleta e moto. Destacou que ele ajudava nas despesas da casa.

    “No dia eu estava em casa e o vizinho chegou, dizendo que tinham atirado no meu filho”, disse, com os juízes perguntando se algum dia Rogério teve uma arma. “Nunca na vida. O que tinha era R$ 5 no bolso, que no hospital me entregaram”, respondeu a mãe.

    O caso é acompanhado desde o início pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, que oferece apoio psicológico à mulher e jurídico com a família.

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    A Justiça militar ainda colherá depoimentos de testemunhas de defesa dos dois policiais, mas ainda não há uma data determinada para tal.

    A Ponte entrou em contato com as defesas dos policiais Guilherme Tadeu Figueiredo Giacomelli e Renan da Conceição Fernandes Branco. A advogada Flávia Artilheiro, defensora de Giacomelli, afirmou que preferia não comentar os relatos dados no dia. Enquanto João Carlos Campanini, que representa Branco, não atendeu aos telefonemas da reportagem nem às mensagens enviadas por WhatsApp.

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