‘Se não fosse no meu pai, disparo pegaria em mim ou no meu irmão’

    Relato é de filho de boliviano baleado no centro de SP, quando dois homens morreram após ensaio de banda

    Roger Lipa é uma das vítimas do ataque a tiros | Foto: Reprodução/Facebook

    Uma reunião de bolivianos acontecia na Rua Ministro Francisco Campos, próximo à ponte Vila Guilherme, na região do Pari, centro de São Paulo, no domingo (18/8), logo após o ensaio da banda Real Explosión, que toca ritmo tradicional da Bolívia. Ali, as pessoas conversaram e havia crianças no espaço. Foi quando um carro passou e uma pessoa atirou, matando duas pessoas na hora.

    Roger Lipa Chambi, 29 anos, e Tito Cruz Vilca foram baleados cerca de 1h30 depois do encerramento do ensaio. Após o ataque, Santos Rodrigues Apaza, 40 anos, também foi atingindo por uma arma de fogo a cerca de 4 quilômetros de distância da Rua Ministro Francisco Campos, na Avenida Condessa Elizabeth Rubiano. Chambi e Apaza não resistiram aos ferimentos.

    “Estava com meu pai. Se não fosse ele, o disparo pegaria bem em mim ou pegaria no meu irmão menor”, disse o filho de Apaza, que pediu para não ser identificado. Abalado com a perda do pai, o homem pouco conseguiu falar sobre a ação. “Consigo reconhecer quem disparou. É isso”, encerrou.

    O local em que a banda se apresentava é de uso de ciganos que moram na região, mas os estrangeiros costumam usar a praça também como um centro cultural, principalmente para ensaios de músicas e de danças típicas da Bolívia.

    Para a advogada Patricia Vega, responsável pelo caso, há a possibilidade de um crime de ódio. “Nenhum dos integrantes da banda descrevem ter ouvido, presenciado ou ouvido falar que houve alguma discussão, algum desentendimento entre eles. Não existe motivação para o crime, então, o crime de ódio é uma das possibilidades de ser a motivação”, disse Patricia, em entrevista à Ponte.

    A advogada ainda ressalva que o suspeito já fora identificado, mas as informações estão sob sigilo da Justiça. “Muito provável que hoje já saia o mandado de prisão. Como decretou sigilo, eu não posso te passar informações. Mas eu digo que eu já sei quem é. A gente tem fotografia, tem identificação, tem a qualificação toda dele”, completa.

    A irmã de Roger, que preferiu não se identificar, quer a justiça seja feita. “Neste momento me sinto muito triste. Ele era o meu irmão mais velho, quero que se faça justiça com essa pessoa que o tenha matado. Meu irmão deixa três filhos muito pequenos”, disse à Ponte.

    De acordo com Antonio Andrade, integrante do Portal Bolívia Cultural, o ensaio da banda acabou antes mesmo do horário combinado e “não houve briga, nem discussão”. “Não existiu um fato que tenha motivado isso daí. Os músicos não sabiam o porquê aconteceu isso. Era um ensaio. Era um local cotidiano de ensaio, [eles] já tinham combinado horário”, explica.

    Antonio não acredita em um crime de ódio, mas também não sabe explicar o que aconteceu. Para ele, o crime poderia ter sido evitado caso os bolivianos pudessem usufruir de um espaço cultural. “Eu penso que esse fato poderia ter sido contornado se nós já tivéssemos um espaço para isso, para todos estarmos em paz. Em segurança”, explica. “Já era hora de uma comunidade tão grande ter um espaço cultural”, completa.

    Local onde os homens foram mortos é usado para ensaio de bandas | Foto: Reprodução/Google Street View

    As investigações ocorrem em segredo de Justiça. Não há informações por parte da polícia se a apuração leva em conta os dois casos como isolados ou se têm conexão. O caso foi registrado no 12º DP de Pari e será analisado pelo DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa).

    Em nota, a Secretaria de Segurança Pública, por meio da assessoria de imprensa, disse que “o caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado pela Divisão de Homicídios do DHPP”. “Diligências estão em andamento para localizar elementos que auxiliem na identificação e prisão dos autores”, completa o texto.

    De acordo com o jornal Estadão, a Policial Civil apreendeu um dos automóveis utilizados no crime, um Chevrolet Monza prata. O veículo foi encontrado na manhã da segunda-feira (19/08).

    A Ponte tentou contato com o Consulado da Bolívia em São Paulo para saber detalhes sobre o traslado dos corpos até o país natal e qual suporte é oferecido às famílias, mas não houve retorno até a publicação da reportagem.

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