Secretaria de Direitos Humanos pediu ‘ficha’ de vítima do massacre de Paraisópolis

    Para conselheiro tutelar, pedido seria tentativa de criminalização de um dos 9 mortos após ação da PM; pasta fala que objetivo é ‘zelar pela garantia de direitos’

    E-mail em que a secretaria cobra informações de uma das vítimas| Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

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    O Conselho Tutelar de Pirituba, bairro localizado na zona norte da cidade de São Paulo, recebeu na manhã desta segunda-feira (2/12) um e-mail vindo da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Um dos conselheiros estranhou: era um pedido de informações sobre uma das vítimas do massacre de Paraisópolis, quando nove pessoas morreram na madrugada de domingo (1º/12), decorrente da ação da PM comandada pelo governador João Doria (PSDB) em um baile funk.

    Bruno Covas (PSDB), prefeito de São Paulo, foi vice de Doria antes de ele se licenciar para a eleição de governador no ano passado.

    O adolescente em questão, de 16 anos, é morador da região norte da capital paulista. No título, a secretaria põe como assunto “solicitação de informações Paraisópolis Baile Funk DZ7”. “Contamos com o auxílio de vocês para que possamos responder as demandas solicitadas acerca do ocorrido”, finaliza o pedido, feito na segunda-feira (2/12).

    Diante de barreira policial, manifestantes de protesto ocorrido nesta quarta-feira (4/12) exibem cartaz com fotos dos nove mortos | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Apesar de citar “demandas acerca do ocorrido”, a pasta não detalha qual objetivo com as informações que o Conselho teria e o que seria feito com elas. Questionada, a Secretaria informa, em nota, que tem como função “acompanhar e solicitar informações em situações que podem representar ameaça ou violação de direitos humanos fundamentais” e destaca que o que aconteceu em Paraisópolis se enquadra nessa situação, e que “tem a função de zelar pela garantia de direitos das crianças e adolescentes”. A pasta afirma que pediu informações dos quatro adolescentes para os respectivos conselhos.

    De acordo com o conselheiro Paulo Enrico Vieira Rocha, a sensação é de que a pretensão é encontrar algum tipo de problema social na família ou saber se aquela vítima do massacre cometeu algum tipo de infração antes de morrer. Rocha integra a Secretaria de Combate ao Racismo do diretório estadual do PT (Partido dos Trabalhadores).

    “Ao nosso ver eles querem, na verdade, ter conhecimento de fatos sobre a conduta e quais as condições dessa família. Estamos entendendo nesse sentido. Qual o intuito? A criminalização, não tem outra informação, uma vez que o adolescente já foi vítima e morreu”, critica o conselheiro.

    O profissional explica que o órgão é responsável por atender jovens que passaram pela Fundação Casa pela prática de algum crime. No Conselho, estes jovens tem apoio por conta das medidas socioeducativas que ainda teriam de cumprir. “Se teve qualquer situação nesse sentido nós teríamos essa informação”, prossegue.

    Rocha ficou intrigado com o pedido pelo ineditismo. Ele cita não ter experiência de solicitações como esta. “Não é normal, não é corriqueiro. Dentro de tantas baixas que tem de adolescentes na cidade de São Paulo, nunca teve uma iniciativa da Secretaria para procurar saber sobre a vítima”, comenta. “E por que dessa vítima, depois de um massacre como o ocorrido em Paraisópolis?”, questiona.

    O Conselho Tutelar respondeu o e-mail da secretaria explicando que o jovem morava na divisa de outro bairro e não em Pirituba, além de pedir mais detalhes das informações que precisavam.

    Outro lado

    A Ponte questionou a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania sobre qual o objetivo com as informações pedidas ao Conselho Tutelar.

    Em nota, a Coordenação de Políticas para Criança e Adolescente da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania explica que tem por finalidade coordenar e acompanhar as ações de promoção, defesa e proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes junto às instâncias que formulam e executam políticas públicas voltadas a essa população e que tudo isso está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Política Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente.

    “Cabe a esta Coordenação acompanhar e solicitar informações em situações que podem representar ameaça ou violação de direitos humanos fundamentais, como o ocorrido em Paraisópolis, durante uma ação policial no ‘baile funk da 17’. O órgão – CT tem a função de zelar pela garantia de direitos das crianças e adolescentes e a esta coordenação”, diz trecho da nota.

    A pasta destaca que foram solicitadas informações dos quatro adolescentes mortos no massacre. “Cabe ressaltar que, no momento do envio, não havia dados precisos sobre endereço das famílias”, conclui.

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