Segurança de supermercado em Goiânia é acusado de espancar publicitário

    Agressão foi motivada por erro em máquina de cartão de débito, mas mesmo com constatação da inocência da acusação de furto, vítima pagou fiança e responde por desacato a autoridade

    Foto: arquivo pessoal

    Depois de um erro na impressão de uma máquina de cartão de débito em uma unidade do Pão de Açúcar, em Goiânia, o publicitário Gustavo Araújo Mendes, de 32 anos, foi agredido por um segurança e preso por um sargento da PMGO (Polícia Militar do Estado de Goiás) no dia 10 de junho de 2017.

    Vizinho do hipermercado no setor Bueno, área de classe média alta na capital goiana, ele foi ao estabelecimento comprar dois pães e um bolo de mandioca para a mãe, de 58 anos, que necessita de cuidados especiais, e para a avó idosa, de 90.

    Ele usou o cartão de débito para pagar a conta no valor de R$ 10,41. A compra foi aprovada e chegou a imprimir uma via. A caixa do hipermercado, contudo, pegou o papel, passou os olhos e jogou no lixo e disse que ele teria de efetuar o pagamento novamente, sem maiores explicações. “Havia digitado a senha normalmente. Abri o aplicativo do banco e vi que havia debitado online. No extrato do banco constava o débito. Falei para a moça do caixa que havia sido cobrado e não pagaria de novo”, contou à Ponte Jornalismo.

    Foto: print de tela do celular mostra o valor cobrado no cartão de débito

    A fiscal de caixa da unidade, Adriana Moreira Santos, disse que o problema estava no sistema. “A funcionária disse que eu deveria fazer o pagamento novamente. Mostrei pra ela o aplicativo, mas ela ignorou o celular e insistiu que eu devia pagar e esperar até 72 horas para que o valor fosse devolvido”, explicou.

    O publicitário não aceitou e saiu do estabelecimento, seguindo a pé para a casa, pela calçada do hipermercado. O segurança Ézio Júnior Gama Pereira, 28, seguiu o cliente e o acusou: “Cadê o comprovante, seu ladrão, bandido”, conforme relatou o publicitário. Gustavo Mendes, com mãos para o alto, teria pedido: “Não encosta a mão em mim. Eu fiz o pagamento”. Mendes continuou andando, quando o segurança derrubou a sacola de compras no chão. O publicitário virou para trás e o segurança começou a agredi-lo com socos.

    “Ele é segurança, com porte de segurança. Eu, que nunca havia brigado na vida, apanhei muito”, relata o jovem. Neste momento, pedestres que passavam pelo local ajudaram o segurança nas agressões. “Sou sargento. Ladrão tem que apanhar mesmo”, gritava um homem careca, de meia idade, enquanto dava tapas em Mendes.

    O segurança Pereira, que trabalha há nove meses na empresa “5 Estrelas”, nega a versão. Ele disse à reportagem que naquela unidade do Pão de Açúcar era possível flagrar “até cinco furtos por dia”. Quem os comete, segundo ele, “são trambiqueiros e noias”. Ainda de acordo com o funcionário terceirizado da rede de supermercados, ele teria tratado o publicitário com muito respeito. Na versão do segurança, Gustavo teria se negado a ouvi-lo. “Foi por isso que joguei a sacola e o bolo dele ficou no chão. Ele tentou me morder e dar um soco no meu rosto”, alegou.

    Antes de trabalhar como segurança, Pereira foi um dos soldados da Polícia Militar do SIMVE (Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual). Pela inconstitucionalidade, o SIMVE foi obrigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a dispensar os prestadores de serviços que eram reservas do Exército, Marinha e Aeronáutica, que passaram por prova teórica e prática, tendo, inclusive, porte de arma. O Estado de Goiás, por sua vez, foi obrigado a convocar PMs aprovados em concurso à época.

    Enquanto o publicitário era agredido pelo segurança que, para a Ponte, alegou legítima defesa de “um injusta agressão”, mulheres tentavam socorrer o rapaz. “Pare de bater no moço, ele não é bandido, olha pra roupa dele, olha”, uma delas tentava argumentar, ao mesmo tempo em que Gustavo Mendes estava sendo espancado.

    Uma vizinha, tentou defender o jovem. “Eu pago o que ele ‘roubou’, eu pago”, dizia ela, enquanto Mendes tentava escapar de uma gravata. Ele quase estava desmaiado, mas ainda conseguiu gritar por socorro. A poucos metros dali, em um posto de gasolina havia uma viatura da PM-GO. O sargento Eder Lino Bispo, 36 anos, pediu para o segurança largar o publicitário. “Eu me encostei na grade do estacionamento do Pão de Açúcar e não consegui falar nada, sem fôlego”, lembra Gustavo Mendes. O policial perguntou o que teria ocorrido e o segurança Ezio Junior Gama Pereira, aos gritos teria dito: “É um ladrão, um bandido”.

    Mendes fotografa as costas para mostrar escoriações provocadas pelas agressões | Foto: arquivo pessoal

    De acordo com o publicitário, o sargento Eder o jogou no chão. “Ele me derrubou, caí com o rosto no chão e o sargento pisou em mim, puxou meu braço para trás e queria que eu colocasse o outro para trás também, mas estava deitado sobre ele. Eu dizia que ele estava pisando no meu braço”, lembra. Sob protestos de mulheres, o sargento o algemou. O segurança Pereira, em resposta às mulheres, dizia que, “se tivessem com dó de bandido, que o levassem para a casa”.

    Mendes foi colocado no camburão e levado ao 4° Distrito Policial, mas ficou dentro da viatura. “O sargento Eder desceu, foi à delegacia e trouxe um papel”. No carro, o cabo Paulo César Moreira da Silva ficou aguardando o colega. Mendes, mesmo algemado, conseguiu mostrar o comprovante no aplicativo do celular. “O cabo até me tratou melhor depois de comprovar que não roubei nada, mas o sargento me tratava com muita agressividade, me chamando de bandido, me humilhando”, afirmou o publicitário. Quando voltou à viatura, o sargento Éder tomou o celular de Mendes.

    No caminho ao IML (Instituto Médico Legal), o publicitário escutava do sargento: “Não precisava roubar pão para sua mãe comer”. Algemado em uma cela, Gustavo Mendes chorava, sem assimilar ainda como teria se envolvido numa situação vexatória como aquela. O Relatório Médico do IML a que a reportagem teve acesso, aponta que o jovem teve “escoriação em cotovelo direito; eritema em lombar direita, escapular esquerda, deltoide esquerda, lesão contusa; escoriação na perna direita e esquinose arroxeada na orelha esquerda”. O policial e o segurança não apresentaram nenhuma lesão.

    Em seguida, Mendes foi encaminhado à Delegacia Central de Flagrantes da Polícia Civil. No Termo Circunstanciado de Ocorrência número 161/2017, o delegado não verificou a ocorrência do crime de furto praticado pela vítima. Mesmo assim, o publicitário foi autuado em flagrante por resistir à prisão e desacato à autoridade e teve de pagar R$ 930,00 como fiança. “Se não pagasse, teria de dormir na delegacia e consegui o valor emprestado”, conta o publicitário.

    Contudo, no mesmo Termo, é possível ler: “Diferente do que foi alegado pelos policiais militares, a vítima não resistiu à condução, até porque não tinha condições físicas para tanto como pode comprovar pelo relatório médico” do Instituto Médico Legal.

    À Ponte Jornalismo, o porta-voz da PM goiana, Marcelo Granja, informou que, “se a vítima se sentiu injustiçada, deve ir à Corregedoria levando os documentos para apurar eventuais abusos dos PMs que o prenderam” e que “é procedimento levar para a delegacia qualquer suspeito pego em flagrante delito”.

    Em nota,  o Pão de Açúcar diz que o “consumidor se exaltou com o segurança local e as autoridades competentes o encaminharam à delegacia. Além disso, a rede informa que continua à disposição do cliente para prestar novamente qualquer esclarecimento sobre o ocorrido.

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