Seis meses depois, governo Doria ainda não respondeu: quem matou Lucas?

    Adolescente sumiu após ser abordado pela PM na Favela do Amor, na Grande SP; mãe de Lucas afirmou que o Dia das Mães foi o mais triste de sua vida

    Maria do Carmo, avô de Lucas e Maria Marques, mãe do menino, criticam sigilo imposto pela Justiça na investigação I Foto: Arquivo pessoal

    Há seis meses, a dor não dá trégua para Maria Marques Martins dos Santos, 39 anos, mãe de Lucas Eduardo, que aos 14 anos desapareceu após uma abordagem policial e foi encontrado morto.

    No último domingo, Dia das Mães, a saudade do filho caçula apertou ainda mais. “O dia mais triste da minha vida, porque ele sempre dava um cartãozinho, me dava feliz Dia das Mães. Sempre com alguma lembrancinha. Embora tenha meus outros dois filhos do meu lado não é a mesma coisa, eu queria os três. Foi uma data muito triste, muito dolorida”, contou.

    Nesta quarta-feira (13/5), completam-se exatos seis meses que Maria viu seu filho, Lucas Eduardo Martins dos Santos, pela última vez com vida.

    A Ponte acompanha a história desde 14 de novembro do ano passado, um dia após o menino desaparecer ao sair para comprar um refrigerante e um pacote de bolachas em uma quitanda na Favela do Amor, em Santo André, Grande São Paulo, local em que ele morava com a mãe, o irmão mais velho e a cunhada.

    O sumiço aconteceu, segundo a família, depois que Lucas foi abordado pela PM. O corpo do adolescente foi encontrado boiando num lago do Parque Natural Municipal do Pedroso, dois dias após o desaparecimento.

    Leia também: Família de Lucas, que sumiu e apareceu morto em SP, teme que caso termine impune

    O laudo necroscópico realizado pelo IML (Instituto Médico Legal) de Santo André indicou que a morte se deu por afogamento, depois de não serem encontradas lesões ou fraturas no cadáver.

    Mas este mês de maio, Dia das Mães, aniversário de morte do menino, não doeu apenas em Maria. Maria do Carmo Martins dos Santos, 66 anos, mãe de Maria e avô de Lucas, afirmou que tudo tem sido muito doído.

    “Minha família inteira desmoronou, mas temos que seguir em frente. Esses seis meses é pura tortura. É para acabar com a gente. Eu não tenho sossego. Eu não durmo direito, não como direito. Eu choro. A gente vai no quarto vê uma foto, vai no guarda roupa e vê uma camiseta”, disse Maria do Carmo, soluçando de tanto chorar.

    Para a mãe de Lucas Eduardo, apenas a prisão dos culpados poderá “aliviar um pouco essa dor no peito e o sofrimento”.

    A família se queixa da morosidade para um desfecho do caso. Maria Marques passou cinco meses presa acusada por tráfico de drogas, já saiu da cadeia, e mesmo assim o crime ainda não foi esclarecido pelas polícias Civil e Militar, que investigam o ocorrido e são chefiadas pelo governador João Doria (PSDB).

    Agora, ela tem depositado toda a esperança na Polícia Civil para que os culpados sejam punidos. O caso é investigado pelo SHPP (Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa) de Santo André. “Quero que a Polícia Civil investigue e prove que a Polícia Militar tirou toda a roupa do meu filho e mataram ele afogado”, afirmou Maria Marques.

    A mãe de Lucas retomou a rotina há exatamente um mês, após deixar a Penitenciária Feminina de Sant’ana, na zona norte da capital paulista, onde permaneceu de novembro de 2019 até abril para cumprir uma pena de cinco anos por tráfico de drogas. O crime ocorreu em 2012 e ela foi presa ao prestar depoimento sobre o sumiço de seu filho, já que tinha um mandado de prisão de 2017.

    Durante a ausência forçada de Maria Marques nos atos de pedido de Justiça, sua família foi a responsável por encabeçar os protestos, algo que a mulher quer seguir com ainda mais força após o fim da quarentena imposta contra a disseminação da Covid-19.

    Mesmo com medo, ela afirma não ter desistido de conseguir justiça para o filho. “Não dá para sair para rua, fazer uma manifestação, dar uma palestra, correr atrás de algum resultado. Eu espero que Deus me dê força para que, quando passar essa quarentena, eu ir para cima, porque eu quero uma resposta”, desabafou.

    Desde de que a Justiça de Santo André colocou o caso em segredo de Justiça, a obtenção de informações da investigação por parte de familiares se reduziu a zero. Eles contaram que as informações chegam apenas através da reportagem da Ponte.

    “O sigilo significa mais uma dor. Eu não sei o que está sendo feito, que estão falando em depoimento, se estão tomando alguma providência ou se o sigilo é para deixar passar em branco”, criticou Maria Marques.

    Tia de Lucas Eduardo, Isabel Daniela dos Santos, 35 anos, criticou o sigilo e o silêncio do governador João Doria. “Hoje faz seis meses que o meu sobrinho foi assassinado. Até quando a Justiça e o governador vão fechar os olhos para os crimes que vêm sendo cometidos pela própria polícia? Eles deveriam proteger nossos filhos e não assassinar”.

    Leia também: ‘A PM deve uma resposta’, diz tia de Lucas, cinco meses após sua morte

    Cícera Santos, 43 anos, outra tia do menino, considera que o sigilo também favorece a impunidade. “É só pra não prejudicar e não expor os policiais, porque a família já foi muito exposta e não fizeram nada. É só pra cair no esquecimento”, concluiu.

    Policiais seguem afastados

    Os dois policiais militares suspeitos de envolvimento no desaparecimento e morte de Lucas Eduardo Martins dos Santos continuam afastados do patrulhamento na rua. Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo dos Santos, ambos soldados de primeira classe, que até a data da abordagem estavam lotados na 2ª Companhia do 41º Batalhão de Polícia Militar de Santo André, agora estão no Centro de Despesa de Pessoal, localizado no Centro Administrativo da PM, no Pari, região central da capital paulista.

    Mesmo afastados, eles seguem recebendo mensalmente seus salários de pouco mais de R$ 3,5 mil.

    Dentre as muitas denúncias que já chegaram à polícia, uma delas pode ajudar a esclarecer o que aconteceu com adolescente. A denúncia anônima aponta que Lucas Eduardo teria sido abordado dentro da favela e levado até o parque do Pedroso. Lá teria sido despido, ficando somente de cueca. Após discutir com os policiais, teria sido obrigado a correr. Nesse instante, desesperado, o menino teria caído no lago e se afogado.

    “Se meu filho não tinha drogas, não tinha nada, porque tiraram a vida do meu filho? Qual o motivo para matarem ele? Eles não poderiam fazer isso”, declarou, em uma das muitas entrevistas concedidas à Ponte, Maria Marques.

    Para a psicóloga Marisa Ferffermann, articuladora da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que acompanha o caso desde o início, “a falta de respostas escancara a banalização da vida, necropolítica do Estado Brasileiro” .

    “É uma sensação de impotência diante da morosidade. Porém, temos o fato da suspensão dos prazos, devido à Covid-19. Contudo, devemos confiar na Justiça e lutarmos para que a Justiça seja feita e prevaleça”, declarou Maria Zaidan, advogada da família.

    Procurada, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informou que “as investigações prosseguem, mas por ora não houve novidades”. A pasta ainda alegou que a informação encaminhada em uma nota no dia 13/4 poderia ser mantida. Naquela data, foi informado que a “Polícia Militar encaminhou o IPM ao Tribunal de Justiça Militar, solicitando mais prazo para apurações complementares”, além de confirmar que “os policiais envolvidos na ocorrência permanecem afastados das atividades operacionais”.

    O Tribunal de Justiça de São Paulo também foi procurado, e informou “que o caso está em fase de inquérito”.

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