SP ainda briga na Justiça para não pagar o que deve a Alex, cegado pela PM há 23 anos

Ação julgada pelo STF determinou pagamento vitalício para fotojornalista como indenização, agora Procuradoria Geral do Estado questiona correção de valor pelo salário mínimo

Alex Silveira perdeu 80% da visão do olho direito depois de ser baleado enquanto cobria um ato em 2000 | Foto: Sérgio Silva/Ponte

O estado de São Paulo arrancou um dos olhos do fotógrafo Alex Silveira e há mais de 20 anos tortura o profissional, agora negando-se a pagar devidamente o valor de uma indenização que já foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “A polícia me cegou, mas o Estado está me massacrando”, desabafa Silveira.

Alex perdeu a visão de um dos olhos após ser atingido por uma bala de borracha disparada por um policial quando cobria um protesto feito por professores em 18 de maio de 2000. Porém, a Procuradoria Geral do Estado (PGE), órgão responsável por defender os interesses do governo estadual comandado por Tracísio de Freitas (Republicanos) junto à Justiça, entrou com recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para rever os valores a serem recebidos pelo fotógrafo.

A decisão do STF acata o pedido das advogadas de Alex, que determinava que o profissional receba o valor de 100 salários mínimos por danos morais, além de uma pensão vitalícia calculada a partir do salário que ele ganhava à época, quando trabalhava no jornal Agora SP, do grupo Folha de S. Paulo. Segundo a solicitação das representantes do fotógrafo, a pensão mensal deveria ser calculada a partir dos reajustes do salário mínimo dos últimos 23 anos, tempo decorrido desde o episódio.

“Na época eu ganhava cerca de 12 salários mínimos. Desde outubro começou a ser depositado na minha conta um valor que não chega a quatro salários mínimos. A gente pediu, mas ninguém nos mostrou em que base de cálculo foi estabelecido este valor. Sei que estou recebendo um terço do que eu deveria estar ganhando”, revela Alex, que foi colocado na folha de pagamento dos pensionistas do estado de São Paulo.

À Justiça, a PGE pede a suspensão dos pagamentos e alega que este tipo de indenização não pode ter seus valores reajustados tomando como parâmetro o aumento do salário mínimo e cita outros índices econômicos que poderiam ser utilizados, como INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). 

“O valor proposto foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, mas não há qualquer indicativo sobre o critério de correção monetária, devendo ser levado em consideração que o interessado pediu o reajuste ‘pelos mesmos critérios do salário-mínimo sendo certo que o salário-mínimo não tem reajuste relacionado à inflação. Ao sugerir o reajuste nos mesmos moldes do salário-mínimo, o requerente, na prática, aumenta o valor real da pensão-mensal”, descreve em sua alegação o procurador do Estado Carlos Henrique Oliveira.

As advogadas Tais Borja Gasparian e Virginia Veridiana Barbosa Garcia, que representam Alex, não pouparam palavras para definir as atitudes do governo de São Paulo: “ardilosa, sorrateira”, “reiterado e contumaz descumprimento da ordem judicial”, “nada honesta”.

Durante a gestão do ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB), o estado de São Paulo perdeu o prazo para recorrer no STF e agora apela ao judiciário estadual. Está marcada para a próxima segunda-feira (13/2) o julgamento no qual os desembargadores do TJSP irão decidir se aceitam ou não o pedido feito pelo Executivo estadual sobre o valor a ser pago para Alex Silveira, mesmo com o fotógrafo amparado por um parecer favorável na mais alta corte do país.

Interrupção da carreira e problemas financeiros

Na virada do século, Alex Silveira era uma jovem cheio de sonhos e ambições. Antes de ser mutilado pelo Estado, o fotógrafo tinha acabado de retornar de um período de estudos nos Estados Unidos e estava motivado por estar trabalhando em um dos mais importantes veículos de comunicação do país.

“Eu tinha uma carreira promissora pela frente. Hoje poderia ser uma pessoa estabelecida financeiramente e profissionalmente, mas isso foi tirado de mim. Nunca mais trabalhei com fotojornalismo depois disso”, desabafa.

Dentro do pedido feito ao TJSP, o procurador Cláudio Henrique Oliveira insinua que Alex permaneceu trabalhando normalmente após ter perdido a visão por conta de um tiro dado por um agente do Estado e que estaria em condições financeiras estáveis.

“É evidente que ao longo destes anos o autor continuou a exercer atividade remunerada, porquanto a lesão não foi incapacitante. Isto significa, portanto, que não se trata de pensão necessária à subsistência do autor”, diz o procurador no pedido.

Ao contrário do que afirma Cláudio Henrique Oliveira, Alex passou por sérias dificuldades financeiras: nos últimos anos teve como única renda uma bolsa de estudos da Fundação de Apoio à Universidade do Rio Grande no valor de R$ 800 que se encerrou no ano passado. Aos 51 anos de idade, o fotógrafo também dependia da ajuda dos pais para pagar contas como o aluguel.

“É absurdo e desumano o que estão fazendo comigo ao longo de mais de duas décadas. Uma das primeiras coisas que o atual governador fez foi aumentar o próprio salário e dos restante dos servidores. O Estado que atirou em mim e impediu que eu continuasse exercendo a minha profissão agora recorre de algo que já foi decidido pelo STF.”

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Mesmo depois de mais de 20 anos de batalhas judiciais, Alex afirma que não pensa em desistir mesmo com a briga contínua que mantém com o estado de São Paulo, em diferentes administrações. “É pelo dinheiro sim, mas também pelo valor que dão ao cidadão”, argumenta.

Outro lado

Em breve nota enviada à reportagem, a PGE afirma que “interpôs recurso de agravo de instrumento para a defesa da correta atualização monetária do valor da pensão, que vem sendo paga desde 01/09/2022.”

Reportagem atualizada às 11h30 do dia 9/2/2023 para incluir nota da PGE

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